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O não uso do triângulo:

contravenção penal ou infração administrativa?

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5) ANÁLISE DO TEMA PROPOSTO.

            Entraremos agora no cerne da questão, tentando nos posicionar e transmitir de maneira clara o nosso entendimento, realizando uma breve retrospectiva do explanado até o momento.

            Os nobres leitores puderam perceber a existência de um mesmo ato humano descrito em duas leis distintas. De um lado a LCP que expressa ser contravenção penal "deixar de colocar na via pública sinal ou obstáculo, determinado em lei ou pela autoridade e destinado a evitar perigo a transeunte", e de outro, o Código de Trânsito Brasileiro que descreve como conduta infracional administrativa "Deixar de sinalizar a via, de forma a prevenir os demais condutores [...] quando: I – tiver de remover o veículo da pista de rolamento ou permanecer no acostamento; II – carga for derramada sobre a via e não puder ser retirada imediatamente:..." e "Deixar de sinalizar qualquer obstáculo à livre circulação, à segurança de veículo e pedestre, tanto no leito da via terrestre como na calçada, ou obstaculizar a via indevidamente: [...]". (Ver notas 10 e 11).

            O próprio ser humano chegou a conclusão, após as diversas fases de sua história, de que para se conviver em harmonia, deveria haver certos regramentos básicos para se garantir o bem comum e a paz social, adotando, modernamente, esta árdua tarefa o Estado.

            O Estado, por sua vez, ao cumprir com suas obrigações legais para manter o bem comum e a harmonia social, está, o seu agir, condicionado a certos princípios de ordens moral e legal. Moral porque os presentantes e representantes do Estado são pessoas físicas, e como tais sabem muito bem o que é bom ou o que é ruim para a sociedade. E legal porque está o Estado (tanto o administrativo, quanto o político e jurídico) condicionado a cumprir, amplamente falando, tudo aquilo que está registrado nas Leis.

            Como bem observa o leitor, com a edição do Código de Trânsito Brasileiro, o legislador deixou para os intérpretes do Direito um forçoso trabalho no sentido de "encaixar" a nova lei de trânsito no ordenamento jurídico e propiciar sua fruição de maneira harmoniosa, sem conflito aparente de normas.

            Infelizmente, com a falta da boa técnica legislativa, isto não foi possível de se concretizar, pois até hoje presenciamos ainda questões serem degladiadas e exsurgidas no seio jurígeno referente ao Código de Trânsito Brasileiro.

            O caso em estudo é maia um exemplo, isto é, abordo mais um assunto extraído Código de Circulação que coloca em conflito este com a Lei de Contravenções. Tal situação é impossível de ser sustentada pois, devemos zelar pelo princípio da segurança jurídica, cabendo não só ao Poder Judiciário como a Administração Pública aplicá-lo e manter a paz e tranqüilidade social, propiciando verdadeira segurança.

            Desta forma, pergunta-se: como fica? Como aliviaremos esta sina?

            Com a edição do Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 27 de setembro de 1997, o legislador enfocou diversos assuntos, das searas civil, penal e administrativa, direcionando-os para o mais novo Diploma de Circulação na intenção de implantar uma Política Nacional de Trânsito, consolidando neste único diploma todos os princípios referentes à matéria, derrogando e/ou ab-rogando leis, lato sensu, por inteiras ou somente partes delas quando devidamente expresso e/ou naquilo que for incompatível com a singular Lei de Circulação.

            Ainda podemos corroborar com o raciocínio certeiro, mas a contrário senso, do muito notável Desembargador SÉRGIO CAVALIERI FILHO [17], ao afirmar que o legislador, quando não está produzindo novas leis, ele está a ratificar as existentes, pois como bem colocou o insigne Desembargador:

            "A lei tira a sua força não tanto da vontade do legislador, que a faz, mas, principalmente, da vontade do legislador que a conserva. Se o legislador atual, podendo revogar a lei, não obstante a conserva, é como se a refizesse a cada dia. Destarte, interpretando-se as leis de acordo com o sistema atual da legislação e com a realidade social, o que se faz é interpretá-las segundo a vontade presumida do legislador que as conserva

".

            Ou seja, é forçoso concluir então que o legislador infraconstitucional quando produz uma lei, um Código, tratando de assunto, v. g., relativo ao trânsito, como a Lei nº 9.503/97, presume-se que quis ele buscar concentrar toda a matéria de trânsito em um único corpo legal. E para isto ab-rogou diversas leis, assim está escrito no Art. 341 do Código, e deixou expresso regras de direito que confrontadas com outras nos mais diversos Diplomas Legais, sendo observada sua incompatibilidade, tornam estas sem efeito, permitindo-nos, nós, os intérpretes do Direito, entender e dar por derrogada esta ou aquela norma cogente. É o caso de nosso breve comentário a respeito do confrontamento do Art. 36 do Decreto-Lei nº 3.688/41 com os Art. 225 e 246 da Lei nº 9.503/97.


6) CONCLUSÃO.

            Para não tomarmos mais tempo dos nobres leitores, daremos um remate ao tema, deixando claro que este artigo tem o escopo de colaborar com todos que apreciam a matéria e deixar aqui o direito de corroborar com o desenvolvimento do assunto ou de contestar as idéias aqui realçadas.

            Ex positis, querendo ou não, o legislador ao apresentar a lei nº 9.503/97, esta derrogou o Decreto-Lei nº3.688/41 em diversos pontos fixos, a exemplo do Art. 36, deixando de ser contravenção penal o fato de "deixar de colocar na via pública sinal ou obstáculo, determinado em lei ou pela autoridade e destinado a evitar perigo a transeunte", para se tornar o fato mera infração administrativa sob a forma dos Art. 225 e 246 do Código de Circulação.

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            Agora há um Diploma que trata especificamente do assunto trânsito, concentrando todos os princípios referentes a matéria, regrando o uso da via terrestre pelas pessoas, sendo estas condutores, pedestres, passageiros e guia de animais.


7) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS.

            01

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - Século XXI. Versão 3.0. Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática Ltda, 1999. Significa "Auto-serviço".

            02

Armindo Beux, em obra de sua autoria, Infortunística no Trânsito, ratificava sempre sua posição a respeito, pois dizia ele: "A desenfreada e descontrolada freqüência dos acidentes de trânsito no Brasil, nos últimos cinqüentas anos, nos situa, cada vez mais na posição de campeões mundiais do genocídio motorizado. Além das mortes no trânsito, há avultados casos de mutilados, feridos e de catastróficos danos materiais, que destroçam veículos, cargas preciosas, danificando as próprias rodovias e, até mesmo, destruições causadas com as cargas perigosas que são transportadas e esparramadas." )BEUX, Armindo. Infortunística no Trânsito. 1. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1996. P. 19.)

            03

BEUX, Armindo. Acidentes de trânsito na justiça. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora do autor e Forense, 1973. 3 v.

            04

BEUX. op. cit. P. 7.

            05

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 19. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000. P. 17.

            06

MITIDIERO, Nei Pires. Comentário ao Código de Trânsito Brasileiro: Direito de Trânsito e Direito Administrativo de Trânsito. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P. 25.

            07

Trataremos de utilizar a abreviatura do vocábulo ´´artigo´´ conforme norma mandamental: "[...] Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios: I - a unidade básica de articulação será o artigo, indicado pela abreviatura "Art." [...]". Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.

            0

8 PIVA, Otávio. Comentários ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988. 2. ed. rev., ampl. e aum. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2000, P. 15.

            09

Por via, entendemos ser esta uma "superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central" (Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro).

            10

1ª parte: infração administrativa por omissão. Ação omissiva do condutor quando seu veículo ou carga que transporta torna-se um obstáculo à livre circulação. Este ato omissivo somente pode ser cometido pelo condutor.

            11

Infração administrativa por omissão. Comissão por omissão cometida por qualquer usuário da via terrestre, na acepção de pedestre, passageiro ou guia de animais. Nesta infração respondem, também, as pessoas jurídicas pelos atos omissivos de seus prepostos. Aqui não se cogita a figura do condutor, pois ele tem atenção especial do Art. 225 (ver nota anterior).

            12

MATTA, José Eduardo Nobre. Habeas Data. 1ª ed. Editora Lumem Juris, Rio de Janeiro, 2005. P. 95.

            13

Para nós, a pena imposta a qualquer infração penal tem como objetivo reprovar e prevenir, vale dizer, a pena tem como objetivo demonstrar o repúdio da sociedade pelos atos funestos cometidos e que os realizadores de tais atos devem ser castigados, prevenindo assim de que voltem a cometer novos delitos. A prisão sem sombra de dúvida não modifica ninguém, o que modifica uma pessoa é ela mesma diante da situação que se encontra.

            14

O vocábulo aqui é empregado no sentido lato.

            15

FERREIRA. op. cit.

            16

GONÇALVES, Victor E. Rios. Contravenções Penais. 7ª Ed. São Paulo, Paloma, 2002. P. 13.

            17

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 4ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2003. P. 294.
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Sobre o autor
Marcos Damião Zanetti de Moura

Advogado no Rio de Janeiro (RJ). Servidor público municipal do CET/Rio. Especialista e técnico em Trânsito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Marcos Damião Zanetti. O não uso do triângulo:: contravenção penal ou infração administrativa?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1219, 2 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9113. Acesso em: 23 abr. 2024.

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