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A jurisprudência sobre o art. 58 do ADCT.

A certeza de que decisões flagrantemente inconstitucionais são inexeqüíveis, salvo as que, em matéria criminal, beneficiarem pessoa humana

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3. DA AUTORIDADE DA COISA JULGADA CRIMINAL

            A sentença criminal produz a coisa julgada formal e a coisa julgada material. No entanto, a única sentença capaz de produzir esses dois efeitos é a definitiva, ou seja, aquela que põe termo ao processo com resolução do mérito. De outro modo, a sentença terminativa constitui decisão interlocutória mista, ou seja, a extinção do processo não implicará em resolução do mérito. Esta, portanto, produz apenas a coisa julgada formal, também denominada preclusão temporal.

            Entendo que a imutabilidade da sentença, como efeito da coisa julgada material, não é absoluta. Aliás, na processualidade cível é prevista a ação rescisória para atacar a sentença que transitou em julgado e retirar a autoridade da coisa julgada material (CPC, arts. 485-495). Em matéria criminal, há uma ação equivalente, que é a revisão criminal (CPP, arts. 621-631).

            Enquanto a ação rescisória pode ser promovida pela parte autora, bem como pela parte ré, a revisão criminal só é cabível pro reo (em benefício do réu). Mirabete propunha a admissão de revisão criminal pro societate (em benefício da sociedade) como exceção, apenas para modificar a declaração da extinção da punibilidade transitada em julgado baseada em certidão de óbito falsa ou de homônimo. [12] Sobre tal assunto, por entender que a declaração da extinção da punibilidade não caracteriza sentença definitiva, defendo ser desnecessária a revisão criminal. [13]

            A sentença condenatória criminal tem natureza determinativa. Ela faz coisa julgada material, mas estará sujeita às possíveis modificações legais que venham a beneficiar o condenado. Outrossim, caso sobrevenham novas provas, o condenado poderá se valer dela para desconstituir a sentença.

            Acerca da revisão criminal, o CPP tem dispositivo mais drástico que o do art. 741, parágrafo único, do CPC. O CPP preconiza que a revisão criminal é cabível sempre que "a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos" (art. 621, inciso I). Embora a revisão criminal só seja possível pro reo, ela é admissível ante a violação da literalidade de lei infraconstitucional, enquanto o CPC só torna inexigível o título que estiver calcado em interpretação declarada inconstitucional pelo STF.

            A sentença condenatória criminal que contrariar a Constituição Federal será inexigível, sendo dever do Juiz conceder habeas corpus de ofício. Só a título de exemplo, ao lado de todos criminalistas sérios deste país, sempre sustentei a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1992 porque ele estabelece o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena. Em controle de constitucionalidade incidenter tantum o plenário do STF reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da lei 8.072/1990 (HC 82.959, julgado em 23.02.2006). Hoje, ninguém duvida que tal julgamento, embora não goze do atributo "força vinculante" serve de referencial para as decisões dos Juízes, que aplicam o entendimento ali esposado.

            A sentença absolutória será inexigível e, portanto, caso ela esteja calcada em um fundamento que contrarie jurisprudência do STF, a única saída plausível seria a revisão criminal, instituto que merece ser repensado, a fim de admiti-lo também pro societate. Entretanto, da forma em que se encontra o ordenamento jurídico brasileiro, mister é reconhecer que a sentença condenatória inconstitucional mais favorável ao condenado não poderá ser atingida pela inexigibilidade do título, nem pela revisão criminal.


4. CONCLUSÃO

            Ante o exposto, entendo equivocada a proposição de Alexandre Sormani, construída no sentido de que o art. 741, parágrafo único, só se refere aos casos em que a decisão do STF é proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade. [14] Ao meu sentir, basta a consolidação da jurisprudência do STF para que se aplique o preceito do art. 741, parágrafo único, do CPC.

            Ratifico, a coisa julgada inconstitucional não pode estar subordinada ao prazo decadencial da ação rescisória e, por ser uma ruptura grave da ordem jurídica, pode ser declarada de ofício ou no âmbito de embargos do devedor.

            Finalmente, no âmbito do Juizado Especial Federal, a declaração de ofício é imperiosa, até porque inadmissível a ação rescisória e, a exemplo do Direito Processual em matéria criminal, é necessário emprestar efeito erga omnes às decisões do STF, criando mecanismos mais eficazes que a ação rescisória.


Notas

            01

Não posso deixar de agradecer ao amigo Humberto Fernandes de Moura que, por meio de seus estudos, permitiu o adequado desenvolvimento deste topoi.

            02

DINAMARCO, Cândido Rangel. A coisa julgada entre as outras garantias constitucionais. https://redeagu.agu.gov.br, 26.10.2006, 17h40.

            03

SICHES, Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho. 5. ed. Cidade do México: Porrua, 1975. p. 627-665.

            04

Ibidem. p. 135-140.

            05

Apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. In DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 21.

            06

Ibidem.

            07

ASSIS, Araken. de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. In ibidem. p. 51.

            08

CUNHA, Marcelo Garcia da. Coisa julgada. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Jul/2.002. p.

            09

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Coisa julgada relativa? In DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 21.

            10

A lei menciona informalidade, mas deve-se entender que é necessária a formalidade mínima capaz de assegurar direitos fundamentais da pessoa.

            11

DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. http://redeagu.agu.gov.br, 31.10.2006, 3h54.

            12

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 127.

            13

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2.005. p. 331-332.

            14

SORMANI, Alexandre. Coisa julgada inconstitucional em matéria previdenciária e a inexigibilidade do título. http://sisnet.aduaneiras.com.br, 31.10.2006, 5h16.
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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. A jurisprudência sobre o art. 58 do ADCT.: A certeza de que decisões flagrantemente inconstitucionais são inexeqüíveis, salvo as que, em matéria criminal, beneficiarem pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1223, 6 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9127. Acesso em: 28 mar. 2024.

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