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Tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil:

a história entre o direito e a economia

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07/11/2006 às 00:00
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5.A mudança da regulação nos anos de 1970 e 1980 – A regulação estatal total

Em 1975, o setor aéreo era formado só por quatro empresas: Varig, Cruzeiro do Sul, Vasp e Transbrasil, sendo que as duas primeiras empresas eram do mesmo grupo empresarial.

Todas as empresas voavam com aviões a jato, com capacidade mínima de 100 assentos, aeronaves mais modernas, o que contribui para a mudança nas rotas aéreas, uma vez que as empresas priorizavam rotas que viabilizassem economicamente aquelas aeronaves. A transformação no setor foi brutal. O número de cidades atendidas decresceu, caindo para 92 cidades atendidas pela aviação comercial regular, cidades de maior expressão econômica, que garantiam rentabilidade às empresas aéreas.

A maior transformação na regulação do mercado aéreo nos anos 1970 surgiu em face do abandono das linhas interioranas. Reintroduzindo a idéia do subsídio, marco econômico do setor e da intervenção estatal, foi criado o SITAR – Sistemas Integrados de Transporte Aéreo Regional por meio do Decreto n. 76.590, de 11 de novembro de 1975, em uma tentativa de incentivo à aviação regional. O Brasil foi dividido em cinco regiões, de relativa homogeneidade de tráfego e com características geo-econômicas similares, designando uma empresa – boa parte oriunda do táxi-aéreo – para atuar em cada região, sob o regime de exclusividade. [24]

A idéia do subsídio retornou, assim, em forma de suplementação tarifária, fixado em 3% sobre o valor dos bilhetes das linhas aéreas domésticas. Houve, de fato, um subsídio cruzado: as linhas domésticas tradicionais e rentáveis subsidiavam, por meio da arrecadação da suplementação, as rotas regionais, incentivando as conexões interioranas.

A estrutura regulatória desenvolveu-se com dois núcleos de operação, um nacional, outro regional. Incentivou-se, no âmbito regional, a constituição de empresas de administração simples, com custos indiretos reduzidos, além da operação com aeronaves adequadas às pistas pequenas, de oferta compatível com a demanda. Houve desincentivo à concorrência entre as operações regionais e nacionais, sendo vedada a participação de uma mesma empresa aérea nos dois submercados. Estimulou-se, por outro lado, a cooperação entre as transportadoras regionais e nacionais, de forma a estabelecer uma rede tronco-alimentadora (das cidades interioranas para os grandes centros e vice-versa). [25] E, completando tal estrutura regulatória, definiu-se a impossibilidade de qualquer empresa regional se tornar uma empresa aérea nacional.

Na história evolutiva do setor aéreo, os objetivos regulatórios do SITAR eram claros, mas nem todos foram atingidos. Impossível regular todas as estratégias das empresas regionais, o que as levou a se adequarem às características de suas regiões, buscando mercados e cidades mais rentáveis, maximizando lucros. A idéia das linhas tronco e da interligação não foi efetivada plenamente, à exceção da Rio-Sul, que teve seu plano de linhas integrado com o grupo Varig-Cruzeiro (embora duas empresas distintas, a Varig detinha a quase totalidade das ações da Rio-Sul, o que violava, indiretamente, a proibição de participação nos dois mercados – o subsídio aqui não foi externo, estatal, mas estratégia interna do grupo empresarial).

Na aviação comercial a lógica econômica para a viabilidade das empresas opera decisivamente. Assim, as ligações de longa distância exigem aeronaves maiores, adaptadas à demanda, e as ligações de curta e média distâncias exigem necessariamente um número maior de freqüências de vôos, de maneira a tornar este modo de transporte competitivo e atraente. No entanto, as empresas regionais, integradas na lógica econômica da máxima rentabilidade possível, escolheram poucos destinos regionais, utilizando aeronaves maiores e que poderiam se interligar na rede tronco. Conseqüentemente, a idéia de atendimento pulverizado não foi atingida plenamente, reforçando a estrutura do transporte aéreo centrada em grandes centros.

De todo modo, ainda que a regulação não tenha atingido seus objetivos, com evidente descasamento entre o controle estatal e a lógica econômica do setor, a oferta do serviço aéreo regional, expressa por assentos x quilômetros (ass.km) oferecidos, "quadruplicou e o número de cidades servidas cresceu à taxa média anual de 3% no período 1976-1992". [26]

Permitindo-se uma abstração do período regulatório dos anos 1970 e 1980, é possível afirmar que os anos de 1973-1986 responderam pela intervenção do Estado que "representou a primeira e última tentativa do governo de estruturar, planejar e fomentar de maneira sistemática e global, o desenvolvimento do setor, bem como de estabelecer políticas para a aviação regional" [27], período conhecido como de regulação com política industrial.

No período de 1986-1992, data que daria origem ao período da desregulação, Alessandro Marques de Oliveira sublinha que o Estado brasileiro abandona a utopia do planejamento total, como política industrial, afetado sobremaneira pelo crônico problema inflacionário. As políticas econômicas instauradas para o combate inflacionário tiveram amplo impacto no transporte aéreo, com destaque para a desvalorização da taxa de câmbio, visando o aumento da rentabilidade das atividades voltadas para a exportação e as interferências nos preços das passagens aéreas (setores com preços controlados), como forma evidente de controle inflacionário (parte das medidas ortodoxas adotadas pelos planos econômicos).

Tais medidas afetaram significativamente os setores de infra-estrutura, com atenção especial ao setor aéreo. O período foi denominado como de regulação com política de estabilização ativa, "caracterizado pelo desgaste das políticas industriais e forte intervenção nas políticas de reajustes tarifários, levando a preços reais artificialmente baixos que causaram prejuízos ainda hoje contestados judicialmente [28] pelas operadoras aéreas". [29]

Os anos 1990 conheceram as fases da desregulação, na linha do programa governamental de desregulamentação da economia do país adotado no início daquela década. [30] É o debate do tópico seguinte.


6.Nova transformação da regulação aérea a partir dos anos 1990: Qual desregulação?

O processo de desregulação do setor aéreo teve início em 1991, ano da realização V CONAC, refletindo a tendência liberalizante que avançava em diversos países. No entanto, no bojo das propostas liberais do início dos anos 1990, a flexibilização no setor aéreo também contou com a participação de outros elementos, como a forte pressão exercida pelas empresas atuantes, ansiosas pela ampliação de seus serviços para além de suas aéreas de atuação e em linhas de maior densidade de tráfego.

Comitês foram criados pela CONAC para avaliar o setor. As recomendações de flexibilização foram claras: autorização para a criação de novas empresas (surgiram, por exemplo, a Pantanal, a Tavaj, a Meta e a Rico); a possibilidade de competição direta entre empresas de âmbito nacional e regional; e extinção da delimitação geográfica das aéreas de atuação. Transformações que levaram, na prática, à extinção do SITAR já em 1992.

A Portaria n. 686/GM5, de 15 de setembro de 1992, autorizou as empresas de transporte aéreo regular a operar linhas tanto nacionais como regionais. As empresas agora – diversamente do antigo sistema rígido, 4 nacionais e 5 regionais – passaram a ser definidas pela amplitude das linhas operadas como nacionais ou regionais. Se uma empresa operasse, segundo os termos da mencionada Portaria, doze Estados da Federação e oito Capitais, era classificada como nacional. Aquelas empresas que compreendessem, de forma preponderante, linhas de âmbito regional, sem limites de Estado, eram designadas como regionais.

No entanto, como resquício regulatório anterior, e fruto de confusão conceitual, a Portaria n. 687/GM5, também de 15 de setembro de 1992, criou as linhas aéreas especiais, destinadas a estabelecer a ligação, sem escala, entre os aeroportos centrais de São Paulo (Congonhas), Rio de Janeiro (Santos Dumont) e Belo Horizonte (Pampulha) e entre esses e o aeroporto da Capital Federal (Presidente Juscelino Kubitschek). Tais linhas seriam operadas somente por empresas de âmbito regional, em forma indireta de subsídio governamental. A exceção era a ponte-aérea Rio-São Paulo, que seria explorada, prioritariamente, por companhias de âmbito nacional, no tradicional pool Varig, Vasp e Transbrasil.

Com a regulação das linhas aéreas especiais, empresas regionais sólidas tornaram-se concorrentes nacionais, como foi o caso da TAM e da Rio-Sul (posteriormente incorporada ao grupo Varig). No caso da TAM, empresa originariamente regional, deu-se a consolidação das rentáveis linhas especiais, permitindo a conquista de novos mercados.

A regulação do subsídio continuou ainda sob a forma de suplementação tarifária, refletindo que a desregulação não era tão ampla. Diferentemente do SITAR, o adicional tarifário de 3% deixou de incidir sobre os bilhetes de todas as linhas aéreas, incidindo somente sobre as linhas aéreas nacionais e especiais, evidenciando o subsídio cruzado, as linhas nacionais, via suplementação, bancavam parte das linhas regionais. Além disso, houve um direcionamento de foco da suplementação. Somente algumas linhas regionais continuaram a receber o subsídio, e não todas as linhas regionais, com destaque para as linhas essenciais. Segundo a definição do DAC – Departamento de Aviação Civil, as linhas essenciais eram aquelas que atendiam ao interesse público ou que eram pioneiras, servidas por aeronaves de até 30 lugares.

O número de cidades interioranas voltou a crescer após 1995, fruto da continuidade da suplementação tarifária, agora reformulada. No entanto, a crise cambial de 1999 prejudicou o recolhimento do adicional tarifário por parte das empresas nacionais, afetando diretamente a expansão regional. Em alguns casos, as empresas nacionais, como Varig e Vasp, discutiram a regulação estatal por meio de medidas judiciais, uma vez que a suplementação era basicamente privada, onerando o usuário do transporte aéreo, que pagava nas linhas nacionais o subsídio das linhas regionais. De qualquer forma, tal regulação prejudicava também a competitividade das empresas nacionais, na majoração das tarifas, ainda mais em tempo de crise generalizada, como se deu no início dos anos 2000. Quase todas as empresas conseguiram vitórias de suspensão da cobrança da suplementação. Conseqüentemente, a crise das empresas aéreas nacionais, da Transbrasil (a companhia paralisou suas operações em dezembro de 2001), da Vasp e da Varig, afetou sobremaneira a aviação regional, estabelecendo um novo desafio para a sua ampliação.

Segundo Alessandro Marques de Oliveira, no período de desregulação podem ser definidas três fases: liberalização com política de estabilização inativa (1992-1997), baseada em rodadas de negociação com a flexibilização geográfica, de linhas a operar e de tarifas, [31] sem maiores pressões nos preços (maior estabilidade nos preços a partir de 1994) e também baixa instabilidade nos custos, com a taxa de câmbio relativamente estável no período; liberalização com restrição de política de estabilização (1998-2001), período ambíguo, em que houve o aprofundamento quanto às últimas restrições tarifárias, além do fim da exclusividade das empresas regionais operarem as linhas aéreas especiais, [32] o que deu ensejo aos fenômenos como a "guerra de preços" e a "corridas por freqüência", competição que não se via desde a década de 1960, mas também de retorno do controle tarifário, por ocasião da crise cambial e do choque nos custos; e, por fim, o período da quase-desregulamentação (2001-2002), resultante de acordo do Ministério da Fazenda e do DAC com a remoção dos últimos mecanismos de regulação econômica, [33] flexibilizando os processos de entrada de novas empresas e de pedidos de novas linhas aéreas, freqüência de vôos e aviões, período que culminou com a entrada da Gol, em janeiro de 2001.

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7.Fases da desregulação: história final?

Seria a história da evolução regulatória da aviação comercial brasileira uma história final? Não. A história é contínua e prossegue sem desenlace final, ainda mais quando se trata de um setor da economia tão sensível, que sofre freqüentemente com as alterações cambiais e com os preços dos combustíveis, por exemplo. Nem mesmo a fase de desregulação, ante as vicissitudes econômicas e políticas, é estável.

Em 2003, o regulador, ainda o DAC, voltou a implementar alguns procedimentos de interferência econômica, objetivando controlar o que foi chamado de "excesso de capacidade" e o acirramento da "competição ruinosa" no mercado.

O DAC passou a exercer uma função moderadora, nos termos das Portarias n. 243/CG5, de 13 de março de 2003, e a de n. 731/GC5, de 11 de agosto de 2003, no sentido de "adequar a oferta de transporte aéreo, feitas pelas empresas aéreas, à evolução da demanda" e com a "finalidade de impedir uma competição danosa e irracional, com práticas predatórias de conseqüências indesejáveis sobre todas as empresas". Alessandro Marques de Oliveira define o período, sem história final, de re-regulação, "uma fase onde pedidos de importação de novas aeronaves, novas linhas e mesmo de entrada de novas companhias aéreas, voltaram a exigir estudos de viabilidade econômica prévia, configurando-se uma situação semelhante ao do período regulatório típico; a grande diferença, nesse caso, foi que não houve interferência na precificação das companhias aéreas, ou seja, não houve re-regulação tarifária". [34]

A aposta atual, em tempos de turbulência, de crise da Varig (que revive o caso Panair), e da substituição do DAC pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, [35] é de muita cautela, [36] ainda que seja uma aposta na liberdade de funcionamento do setor, pelos inegáveis benefícios econômicos e pelo que nos mostra o evoluir histórico, e não a volta da regulação, tal como, infelizmente, indica a recente ação governamental.

A reconfiguração regulatória, baseada na liberdade para o setor, deveria se pautar por alguns princípios: livre acesso para a entrada e saída das operadoras no transporte aéreo; livre mobilidade para operar em determinada rota aérea, resguardadas as condições de prestação de serviço regular; eficiência econômica e legalidade nas concessões, com a definição de licitação para a alocação dos slots, sem benefício escuso a grandes empresas (vide o caso Panair); liberdade estratégica, o inclui liberdade tarifária; e restrição antitruste, com o monitoramento contínuo de defesa da concorrência.

A história nos deixa uma lição, nos ciclos de evolução da regulação para o setor aéreo, da dinâmica entre a economia e o direito, da complexidade de moldar o mercado por meio da regulação. O descobrir das razões econômicas ou políticas para a existência de determinada regra, em determinados contexto e tempo histórico, pode nos indicar os caminhos a seguir para a continuidade da regulação ou desregulação do setor, nos moldes dos princípios enunciados acima. É o desafio que espera os curiosos e pesquisadores do Direito Econômico.

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Sobre o autor
Leandro Novais e Silva

procurador do Banco Central do Brasil em Belo Horizonte (MG), mestre e doutorando em Direito Econômico pela UFMG, professor da PUC/MG, professor de pós-graduação em direito econômico da regulação financeira na Universidade do Banco Central (UniBacen) em convênio com a Universidade de Brasília (UnB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leandro Novais. Tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil:: a história entre o direito e a economia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1224, 7 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9133. Acesso em: 19 nov. 2024.

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