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Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.

Aplicação ao recurso especial do art. 105, III, "a", da Constituição Federal. Violação ao devido processo legal?

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09/11/2006 às 00:00

Resumo:


  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado para desafogar o Supremo Tribunal Federal (STF) e unificar a interpretação da lei federal, mas enfrenta desafios similares de sobrecarga processual.

  • A aplicação do enunciado nº 83 da Súmula do STJ ao recurso especial baseado na alínea "a" do art. 105, III, da Constituição Federal, que se refere à divergência jurisprudencial (alínea "c"), viola o devido processo legal, surpreendendo as partes e limitando o acesso à justiça.

  • Alterações no Código de Processo Civil (CPC) e a jurisprudência têm influenciado a aplicação do direito, elevando a importância dos precedentes e, por vezes, servindo como único fundamento nas decisões judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A invocação da Súmula nº 83 do STJ viola o devido processo legal, por retirar das partes a via dos embargos de divergência, do recurso extraordinário e de eventual ação rescisória.

RESUMO

          Para melhor compreensão do contexto de incidência do citado verbete sumular, será demonstrado que ele foi editado inicialmente para o recurso especial em que se alega divergência entre tribunais na interpretação da lei federal, hipótese da alínea "c" do citado permissivo constitucional. Por meio da metodologia de pesquisa dogmática instrumental, demonstra-se, à luz da doutrina e da jurisprudência, que o não-conhecimento do recurso especial da alínea "a" com a invocação do enunciado nº 83/STJ viola o devido processo legal, por retirar das partes a via dos embargos de divergência, do recurso extraordinário – nos casos em que ocorre violação ao texto constitucional no acórdão do STJ -, e de eventual ação rescisória.


            Palavras-chaves: Recuso especial – alínea "a" – juízo de admissibilidade – juízo de mérito – Súmula dominante do Superior Tribunal de Justiça – enunciado nº 83 – devido processo legal – violação.


INTRODUÇÃO

            O exercício da advocacia no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ – e do Supremo Tribunal Federal – STF – é tarefa que requer cuidados além dos habituais, em razão da tecnicidade dos recursos e da constante atualização exigidas do profissional do Direito.

            Segundo observação feita por Rodolfo de Camargo Mancuso, o advogado deve atentar para um verdadeiro arsenal de normas jurídicas – Constituição Federal, Código de Processo Civil, Regimento Interno, Resoluções, Instruções Normativas, Súmulas e jurisprudência dominante. [01]

            Quanto ao recurso especial, isso se deve ao fato de que seu objetivo principal é a uniformização do Direito federal.

            A tutela ao direito subjetivo das partes surgirá, se for o caso, como conseqüência da interpretação a ser dada pelo STJ à norma federal questionada no recurso especial.

            Ocorre que, paralelamente a essa legítima atribuição constitucional, o elevado número de novas demandas que chegam ao STJ anualmente tem levado aquele Tribunal a criar novos e inusitados óbices ao conhecimento do recurso especial, muitos deles desprovidos de razoabilidade e de plausibilidade jurídica.

            É nesse contexto que surge a necessidade de se abordar a questão da aplicação do enunciado n.º 83 da Súmula do STJ ao recurso especial do art. 105, III, "a", da Constituição Federal, verbete sumular que foi criado o objetivo de ser aplicado apenas ao recurso especial fundado na divergência jurisprudencial, hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional.

            Será demonstrado inicialmente que o STJ foi criado com o intuito de tentar solucionar a chamada "crise do Supremo", e que, em razão dela, a competência infraconstitucional que até então era exercida pelo STF em sede de recurso extraordinário passou a ser exercida pelo STJ em recurso especial.

            Posteriormente, tratar-se-á dos motivos que levaram à edição do enunciado n.º 83/STJ, assim como dos fundamentos que têm sido utilizados pelo STJ para aplicá-lo como óbice ao conhecimento do recurso especial fundado na contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal.

            Será abordado, ainda, o devido processo legal, enquanto princípio constitucional expresso na atual Constituição Federal, e seus desdobramentos no que tange ao juízo de admissibilidade do recurso especial.

            Por fim, proceder-se-á ao cotejo, à luz da doutrina e da jurisprudência, entre aspectos do devido processo legal, em sua dimensão processual, e a aplicação do enunciado n.º 83/STJ à hipótese de cabimento recursal diversa daquela para a qual ele foi criado.


1 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ

            1.1 Generalidades

            O STJ foi criado pela Constituição Federal de 1988 como mais uma tentativa de solucionar a chamada "crise do Supremo Tribunal Federal" - STF [02], atendendo ao clamor manifestado desde os anos sessenta por notáveis juristas, como Caio Tácito, Lamy Filho, Flávio Bauer Noveli, Miguel Seabra Fagundes, Alcino de Paula Salazar, Caio Mário da Silva Pereira, José Frederico Marques, Gilberto de Ulhôa Canto, Levy Fernandes Carneiro, Mário Pessoa, Miguel Reale e José Afonso da Silva. [03]

            É composto atualmente por 33 Ministros que, reunidos, integram o Plenário do Tribunal, Órgão colegiado que exerce, em regra, competência administrativa.

            A competência jurisdicional é estabelecida pelo artigo 105 da Constituição Federal e é exercida pelos dez Órgãos julgadores que integram a estrutura interna do Tribunal, a saber: a) Corte Especial, composta por vinte e dois ministros [04]; b) 1ª, 2ª e 3ª Seções, com dez ministros cada e, especializadas, a rigor, em Direito Público, Direito Privado, e Direito Penal, respectivamente; e c) 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Turmas, integradas por cinco ministros e especializadas também em razão da matéria. A 1ª e 2ª Turmas fazem parte da 1ª Seção; a 3ª e 4ª Turmas compõem a 2ª Seção; e a 5ª e 6ª Turmas integram a 3ª Seção. [05]

            1.2 Competências

            Nos termos do art. 105 da Constituição Federal de 1988 a competência jurisdicional do STJ é dividida em três espécies distintas: I) originária; II) recursal ordinária; e III) recursal especial.

            Interessa ao objeto deste estudo a competência recursal especial, exercida pelas Turmas em sede de recurso especial [06] interposto nas causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; [07] e c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

            1.3 Recurso Especial

            O recurso especial é resultado do desdobramento da competência exercida pelo STF em relação ao Direito federal na ordem constitucional anterior. É nele que se realiza a vontade do constituinte de 1988, em consagrar o STJ como o guardião maior do Direito federal no Brasil. [08]

            Na lição de José Frederico Marques, citado por Carlos Velloso, os recursos podem ser comuns ou especiais. Os comuns são aqueles em que a sucumbência é condição suficiente para se pedir novo julgamento, v. g., apelação e agravo de instrumento. Os especiais, por sua vez, além da sucumbência, exigem o preenchimento de requisitos específicos. São exemplos destes últimos: embargos infringentes, recurso especial para o STJ, recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho - TST e o recurso extraordinário para o STF. [09]

            Para os fins deste trabalho, a expressão recurso especial será adotada em seu sentido estrito, de espécie recursal dirigida ao STJ, conhecido pela sigla de sua classe de autuação – REsp –, consoante disposto no inciso XXIII do art. 67 do Regimento Interno daquele Tribunal. O mesmo se diga quanto à expressão recurso extraordinário, que também será utilizada em seu sentido estrito, de espécie recursal voltada ao STF.

            1.3.1 Breves considerações sobre juízo de admissibilidade e juízo de mérito

            Juízo de admissibilidade é a atividade realizada pelo julgador no sentido de verificar se estão presentes os requisitos exigidos pela lei para que o recurso tenha suas razões apreciadas.

            O juízo de mérito, por sua vez, consiste na apreciação das razões deduzidas no recurso, a fim de dizer se assiste ou não razão ao recorrente.

            Se o juízo de admissibilidade for positivo, vale dizer, se tiverem sido preenchidos todos os requisitos exigidos pela lei, o julgador conhecerá do recurso e passará ao juízo de mérito. Do contrário, se algum dos requisitos não estiver presente, o julgador não conhecerá do recurso e sobre o mérito não irá se manifestar. [10]

            Segundo o Código de Processo Civil - CPC, os requisitos de admissibilidade comuns a todos os recursos são: cabimento, legitimação para recorrer, interesse em recorrer, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. [11]

            Em metáfora sobre o tema, Barbosa Moreira exemplifica que a dicotomia entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito pode ser comparada a atividade de ler um livro e sobre ele emitir opinião: "Não tem sentido pedir a alguém que escolha entre não ler um livro e gostar dele: a escolha tem de ser, inicialmente, entre lê-lo e não o ler; depois (e só no caso de ler-se o livro), entre gostar e não gostar dele". E conclui o autor: " ‘Não li e não gostei’ é frase jocosa, é pilhéria sem compromisso com a lógica." [12]

            No tocante à admissibilidade do recurso especial, além dos requisitos comuns a todos os recursos, devem ser observados os requisitos específicos inerentes à sua natureza, ou decorrentes de orientação jurisprudencial. [13]

            Os requisitos específicos de admissibilidade do recurso especial estão compreendidos no art. 105, caput e inciso III, alíneas "a", "b" e "c", da Constituição Federal.

            Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, esses requisitos específicos de admissibilidade do recurso especial, semelhantes também ao do recurso extraordinário, podem ser "aglutinados sob a égide do ‘cabimento’, propriamente dito". [14]

            Vale conferir a lição do citado professor sobre a importância desses requisitos:

            [...] circunstância reveladora de que os recursos extraordinários e especial pertencem à classe dos "excepcionais", reside em que seus pressupostos não são dados pela lei processual, e sim pela Constituição Federal. O que, bem examinado, não deveria causar espécie, já que ambos não são recursos comuns, desses a que a simples sucumbência basta para legitimar o exercício: exigem um plus, que, respectivamente, vem a ser a questão constitucional e a questão federal. [...]

            É por isso que no CPC encontramos apenas a parte que diríamos procedimental (prazo, modo de interposição, contraditório no juízo de admissibilidade no Tribunal a quo, agravo de despacho que negue seguimento), dado não haver, na matéria, maior espaço para o legislador ordinário federal – CF, art. 22, I. No mais, isto é, no que concerne ao fundamento, ao mérito, ao fulcro desses recursos, as leis processuais se calam, porque os Tribunais Superiores é que verificarão esses aspectos à luz dos permissivos constitucionais. Aliás o art. 541 do CPC diz, apropriadamente, que esses recursos serão interpostos "nos casos previstos na Constituição Federal." [15]

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            Confira-se, ainda, o alerta do autor aos advogados quanto às normas relativas ao recurso especial e extraordinário:

            [...] a dualidade procedimental desses recursos impõe que o advogado labore com vários normações: a) CF, para saber ser o recurso cabível, isto é, se a fattispecie corresponde aos modelos previstos nos arts. 102, III, ou 105, III, conforme o caso; b) CPC, na parte geral dos recursos (art. 496 a 512), e, especificamente, os arts. 541 a 545 e art. 557, para ser observado o rito (prazo, preparo, contraditório, limites do juízo de admissibilidade); c) Regimentos Internos do STF ou do STJ e demais normas procedimentais extravagantes (Resoluções, Instruções Normativas), para bem se inteirar do iter a ser seguido nessas Cortes Superiores; d) Súmulas e jurisprudência dominante do STF e do STJ. A necessidade da consulta a todo esse arsenal, em verdade, é mais um indicativo de que o RE e o REsp não são recursos de tipo comum, porém meios impugnativos excepcionais, tanto em seu conteúdo como nos aspectos procedimentais. [16]

            Interessa aqui a hipótese de cabimento do recurso especial pela alínea "a", por ser esse o âmbito de incidência do enunciado sumular n.º 83 do STJ, ora pesquisado em face do princípio constitucional do devido processo legal.

            A correta compreensão dos aspectos relativos ao seu juízo de admissibilidade e de mérito, do ponto de vista da ciência do Direito, é essencial para o objeto desse estudo. Por essa razão, a referida hipótese será abordada mais detidamente a seguir, em detrimento das demais, que serão comentadas brevemente.

            1.3.2 Alínea "a": contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal

            Esse dispositivo constitucional repete, na essência, igual previsão contida nas Constituições Federais anteriores, quando a competência infraconstitucional era exercida pelo STF em sede de recurso extraordinário.

            Significa que se o acórdão recorrido contrariar ou negar vigência a tratado ou lei federal, em tese, e desde que preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, estará aberta a via do recurso especial.

            As expressões "contrariar" e "negar vigência" a tratado ou lei federal serão tratadas em conjunto por possuírem um só sentido, segundo Sálvio de Figueiredo Teixeira, que é o de "evitar a inobservância do direito federal, o seu descumprimento." [17]

            Contrariar a lei é, em última análise, ainda de acordo com Sálvio de Figueiredo, o mesmo que tê-la por inexistente, negar-lhe vigência, deixar de aplicá-la ou violá-la. [18]

            Quanto ao conceito de lei federal, deve ser entendido em seu sentido amplo, abrangendo os atos normativos - de caráter geral e abstrato - produzidos por órgão da União com base em competência derivada da própria Constituição, como são as leis (complementares, ordinárias, delegadas) e as medidas provisórias, bem assim os decretos autônomos e regulamentares expedidos pelo Presidente da República. Não se incluem nesse conceito os atos normativos secundários produzidos por autoridades administrativas, tais como resoluções, circulares e portarias, instruções normativas ou provimentos da OAB. [19]

            Aspecto controvertido da hipótese de cabimento do recurso especial pela alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal diz respeito à sua redação – idêntica, vale repetir, àquela do antigo e do atual recurso extraordinário – que, por misturar conceitos distintos, relativos a etapas diversas da atividade do julgador – os juízos de admissibilidade e de mérito – tem despertado severas críticas na doutrina e na jurisprudência do STF e do STJ.

            As mais contundentes e perseverantes críticas têm sido feitas por Barbosa Moreira em inúmeros artigos sobre o tema, alguns deles publicados ainda nos anos sessenta.

            Confira-se, por todas, a crítica dirigida especificamente à hipótese do recurso especial pela alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal atual:

            Por força desse dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça é competente para "julgar, em recurso especial, as causas decididas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência". Ora, limitando o discurso, commoditatis causa, à hipótese de contrariedade à lei federal, não há quem não perceba que, tomada a Constituição ao pé da letra, se teria conferido ao Superior Tribunal de Justiça atribuição intrinsecamente contraditória. Ele deveria julgar o recurso especial apenas nos casos em que a decisão recorrida houvesse contrariado lei federal; ou, em outras palavras: apenas nos casos em que o recorrente tivesse razão. Sucede que, para verificar se a lei federal foi mesmo contrariada, e portanto se assiste razão ao recorrente, o Superior Tribunal de Justiça precisa julgar o recurso especial! Quid iuris se, julgando-o, chega o tribunal à conclusão de que não se violou a lei, de sorte que o recorrente não tem razão? Literalmente entendido o texto constitucional, haveria o Superior Tribunal de Justiça andado mal em julgar o recurso: a decisão recorrida não contrariou lei federal, logo a espécie não se enquadra na moldura do art. 105, nº III, letra a... Mas como poderia o tribunal, a priori, sem julgar o recurso, advinhar o sentido em que viria a pronunciar-se na eventualidade de julgá-lo?

            Eis o pobre Superior Tribunal de Justiça metido, sem culpa sua, em dilema implacável: diante do recurso especial, ou o julga, a fim de ver se a lei federal foi violada, e arrisca-se a, concluindo pela negativa, exceder os limites traçados pela Carta da República; ou então se abstém de julgá-lo, e assume o risco de descumprir a atribuição constitucional, porque sempre era possível que a lei federal tivesse realmente sido violada... Não é crível que a Constituição haja querido pôr o Superior Tribunal de Justiça em situação a tal ponto embaraçosa, condenando-o a jamais ter como desincumbir-se com tranqüilidade da missão que lhe confiou. Torna-se patente que ao texto do art. 105, nº III, letra a, cumpre dar inteligência que evite convertê-lo em tão angustiante beco sem saída.

            3. A solução não parece difícil. Basta que se abandone o apego à literalidade [...] Deve ler-se o texto de tal maneira que se reduza à sua dimensão própria o elemento valorativo introduzido na descrição do "tipo". A leitura correta é a seguinte: compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando o recorrente alegar que a decisão recorrida contrariou lei federal. Semelhante entendimento é o único suscetível de arrumar logicamente o sistema e de livrar do pesadelo o Superior Tribunal de Justiça.

            Como se equaciona, então, o problema? Sempre admitida, por hipótese, a satisfação dos outros requisitos, é suficiente, para o cabimento do recurso especial, a alegação de que a decisão recorrida contrariou lei federal. Se o recorrente faz tal alegação, tem o Superior Tribunal de Justiça de conhecer do recurso. Em seguida, averiguará se a alegação é fundada, isto é, se na verdade se consumou a ofensa. Caso conclua que sim, dará provimento ao recurso; caso conclua que não, negar-lhe-á provimento. E quando cumprirá que o tribunal não conheça do recurso? Quando o recorrente não houver alegado a violação de lei federal; por exemplo: quando for estadual a norma supostamente infringida. [20]

            Apesar da pertinência e atualidade da crítica acima transcrita, é de ponderar-se, na linha do que defende Nelson Luiz Pinto, que não basta a simples alegação de contrariedade à lei federal para que o STJ conheça do recurso especial, mas sim que a alegação seja fundada, tenha o mínimo de plausibilidade jurídica, semelhante ao requisito do fumus boni iuris do processo cautelar. [21]

            A propósito do tema, cabe registrar que, no julgamento proferido nos autos do recurso extraordinário n.º 298.694/SP, da relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, iniciado em 10.05.2001 e concluído em 06.08.2003, o Plenário do STF decidiu pelo alinhamento da parte dispositiva de seus julgados a fim de bem distinguir o juízo de admissibilidade do juízo de mérito, conhecendo e dando/negando provimento ao recurso, ou simplesmente dele não conhecendo, sem emitir juízo de valor, portanto, quanto ao mérito, consoante a técnica defendida por Barbosa Moreira.

            Contudo, é importante que se diga que, mesmo após a citada orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a grande maioria dos ministros daquela Corte e do STJ não têm dado ouvidos às críticas sobre a imprecisão técnica da redação dos arts. 102, III, "a", e 105, III, "a", ambos da Constituição Federal, conhecendo do recurso extraordinário e do recurso especial, respectivamente, apenas na hipótese em que lhes dão provimento.

            1.3.3 Alínea "b": validade de ato de governo local contestado em face de lei federal

            Na redação original do art. 105, III, da Constituição Federal, a alínea "b" possuía a seguinte redação: "julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal".

            Ocorre que a Emenda Constitucional n.º 45, de 2004, alterando a redação original, suprimiu a referência ao julgamento que declarava válida lei local contestada em face de lei federal, atribuindo a apreciação da citada questão ao STF, consoante art. 102, III, "d", da Carta Magna.

            Reconheceu, assim, que a controvérsia envolvendo as duas mencionadas espécies normativas possuía cunho eminentemente constitucional, qual seja a competência legislativa dos estados ou municípios em confronto com igual competência da União, tese há muito defendida por ilustres doutrinadores e até mesmo por ministros do STF e do STJ. [22]

            Restou, portanto, ao STJ, a competência para apreciar as causas em que julgado válido ato de governo local – ato público infralegal – contestado em face de lei federal, vale dizer, aqueles atos cujo caráter é eminentemente material, diversos daqueles dotados de força normativa. [23]

            A questão a ser suscitada em sede de recurso especial é, pois, de mera legalidade: saber se o ato infralegal respeitou a lei federal. [24]

            1.3.4 Alínea "c": divergência de interpretação da lei federal entre tribunais diversos

            Essa hipótese bem resume o objetivo do legislador ao criar o STJ: uniformizar a interpretação do Direito federal no País quando houver manifesta divergência envolvendo tribunais diferentes, um dos quais poderá ser o próprio STJ, ou até mesmo o STF, em relação aos julgados proferidos quando ainda era o competente para decidir sobre matéria infraconstitucional. [25]

            Segundo Athos Gusmão Carneiro, o que o legislador pretendeu nessa hipótese de cabimento do recurso especial é, diante de duas interpretações jurisprudenciais divergentes de uma mesma norma legal, fixar qual a exegese que corresponde à exata vontade da lei (num determinado momento e contexto históricos), para que essa exegese, além da aplicação no caso concreto, passe a servir como orientação aos tribunais estaduais e regionais. [26]

            O procedimento para a comprovação da divergência jurisprudencial é descrito nos parágrafos do art. 255 do Regimento Interno do STJ e no parágrafo único do art. 541 do CPC. Deve ser rigorosamente cumprido, sob pena de não conhecimento do recurso. Além disso, devem ser observados os enunciados n.º 13 e 83 da Súmula do STJ, que têm acarretado o não-conhecimento de incontáveis recursos especiais.

            O enunciado n.º 13/STJ, assevera que: "a divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial".

            Já o enunciado n.º 83/STJ sintetiza que: "não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

            Esse último enunciado, por ser o objeto desta pesquisa, será abordado de forma mais abrangente no tópico a seguir.

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Sobre o autor
Edson da Silva Santos

servidor público federal do Superior Tribunal de Justiça, assistente jurídico no gabinete do ministro Francisco Peçanha Martins

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Edson Silva. Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.: Aplicação ao recurso especial do art. 105, III, "a", da Constituição Federal. Violação ao devido processo legal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1226, 9 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9143. Acesso em: 18 dez. 2024.

Mais informações

Monografia jurídica elaborada como requisito para a conclusão do curso de bacharelado em Direito do UniCEUB.

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