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O princípio da insignificância frente ao poder discricionário do delegado de polícia

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13/11/2006 às 00:00
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4. A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

            Após análise geral e considerações diversas a respeito dos institutos Princípio da Insignificância e Polícia Judiciária, passar-se-á a analisar, após um breve comento acerca do Poder Discricionário da Autoridade Policial, a possibilidade de aplicação profilática daquele por esta, em hipóteses concisas e hialinas.

            4.1 O PODER DISCRICIONÁRIO DA AUTORIDADE POLICIAL

            O Delegado de Polícia é o primeiro receptor do caso em concreto, sendo-lhe compelido pelo ordenamento jurídico agir com cautela e prudência ante a íntima proximidade das suas atribuições para com o direito fundamental da liberdade da pessoa humana.

            Deontologicamente, inobscurece de o Delegado de Polícia apreciar com a devida prudência o direito à liberdade do indivíduo, em todas aquelas hipóteses em que for possível a sua restrição, que são hipóteses de extrema excepcionalidade. Toda a atividade policial, por sua natureza, em tese, possui o condão de tolher o direito à liberdade do indivíduo. Esse direito fundamental é, de fato, princípio constitucional, [26] compreendendo ele uma das chaves de todo o nosso sistema normativo. Por isso, precisa ser visto como critério maior, mormente no campo penal. E se é pacífico que o próprio Estado-juiz não pode olvidar de observar com a máxima cautela esse direito constitucional, também o deve ser pela Autoridade Policial, pois não é fadado a esta cometer abusos manifestos contra os direitos da pessoa humana, sob o argumento de que não lhe é conferido pela norma competência para se levar a efeito, de acordo com o seu discernimento, a medida mais adequada ao caso concreto.

            As Autoridades Policiais, por suposto, constituem-se agentes públicos com labor direto frente à liberdade do indivíduo. É da essência das suas decisões, por isso, conterem inseparável discricionariedade, sob pena de cometerem-se os maiores abusos possíveis, quais sejam, aqueles baseados na letra fria da Lei, ausentes de qualquer interpretação mais acurada, separadas da lógica e do bom senso.

            A fundamentação plausível deve ser elemento sempre unificado ao ato discricionário da Autoridade Policial. Mencionado ato será sempre legítimo, se devidamente fundamentado. De fato, dentro do nosso ordenamento encontra-se o princípio elementar da proporcionalidade, com raiz na lógica e no bom senso, exigindo-se que o decisum [27] respectivo seja, como já foi dito, fundamentado, à luz do princípio do livre convencimento motivado.

            A respeito desse poder discricionário, aliás, vale a colação do seguinte excerto doutrinário da lavra de HELY LOPES MEIRELLES, onde ele faz interessante observação, no sentido de que, nem mesmo com relação aos atos vinculados o administrador está limitado a executar a lei cegamente:

            "Tanto nos atos vinculados como nos que resultam da faculdade discricionária do Poder Público, o administrador terá de decidir sobre a conveniência de sua prática, escolhendo a melhor oportunidade e atendendo a todas as circunstâncias que conduzam a atividade administrativa ao seu verdadeiro e único objetivo – o bem comum". [28]

            Por outro lado, é de bom alvitre inserir-se neste texto interessante decisão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

            "A determinação da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o Delegado de Polícia tem o poder de decidir da oportunidade ou não de lavrar o flagrante". [29]

            Por ocasião desse decisum colegiado, pois, fica clara a faculdade de o Delegado de Polícia levar a efeito, conforme o seu juízo de valor, nas hipóteses de flagrante delito, a melhor decisão que lhe surgir à consciência, vertendo para a lavratura do auto ou não, consoante sua apreciação daquilo que for, diante do caso em concreto, o mais conveniente e o mais oportuno.

            4.2 HIPÓTESES CONCRETAS DE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA

            Neste momento da dissertação, chega-se ao momento crucial, onde se estabelecerão as concisas, hialinas e simplificadas hipóteses de aplicação do princípio da insignificância no seio das atividades policiais.

            Se este trabalho dissertativo, embora de manifesta singeleza, possui uma razão de ser, exatamente neste momento chega-se a ela, qual seja, a de estabelecer, por meio de dois simples e concisos exemplos, quais seriam as possibilidades concretas de aplicação do instituto da insignificância na seara policial.

            4.2.1 PRISÕES EM FLAGRANTE

            O direito à liberdade encontra-se dentre os direitos fundamentais previstos no art. 5º, caput, da Constituição Federal, ao lado de outros tais como a inviolabilidade do direito a vida, a igualdade, a segurança e a propriedade.

            Está, ainda, previsto no inciso VII do artigo supra que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

            Vê-se, pois, que a liberdade é um pressuposto natural de uma sociedade justa.

            O direito à liberdade, tratado como inviolável pela Constituição, coaduna-se com a orientação internacional quanto aos direitos do homem, o que, por si só, aliás, afeta a faculdade concedida ao Juiz em outorgar livramento provisório, para torná-la investida de caráter não-facultativo, mas obrigatório e compulsório. Este status da norma, além do mais, dispensa a própria existência do artigo 310 do Código de Processo Penal.

            O encarceramento da pessoa humana é medida extremada e, dentro de um sistema jurídico obviamente pautado pela lógica e pelo bom senso, com regras legais postas ao julgador, a fim de serem interpretadas em harmonia umas com as outras, com princípios para a solução de eventuais antinomias e, até mesmo, anomias, não se pode aceitar como crível que se leve a efeito pela Polícia, e sejam referendados pelo Judiciário, atos desvirtuados de uma mínima lógica.

            Há hipóteses em que a insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado não justifica édito condenatório e muito menos, então, encarceramento prévio ao início da ação penal (isso, se esta, de fato, vier a ser proposta pelo parquet).

            Em furtos famélicos, ou de itens de pequeno valor em supermercados (como um barbeador descartável, um desodorante, etc.), não se justifica a prisão do sujeito, a menos que reiteradas de maneira intolerável.

            De fato, em um regime democrático de direito, deve ser considerado o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção. Há de ser observada, em cada caso concreto, a individualização da pena.

            O encarceramento do indivíduo não é um fim em si mesmo, mas uma conseqüência, donde há de ser observado um nexo, um liame entre a ação considerada antijurídica e a natureza ou intensidade da resposta estatal.

            O desiderato da custódia cautelar é retirar de circulação sujeitos que, pela sua conduta irregular, oferecem risco à sociedade. Em síntese, o risco, inexoravelmente, precisa abalar a ordem pública, quer seja pela intensidade da ofensa, quer seja pela reiteração de um conjunto de ofensas. Há, dessarte, que tratar-se desigualmente os desiguais. Assim, pois, encarcerar-se, por meio da prisão em flagrante, o autor de um homicídio ou de um roubo é atitude equânime com a gravidade de referidas ofensas.

            Todavia, ainda em hipóteses como as acima aludidas, o autor, momentos após a prisão, poderá sair do cárcere, por meio do relaxamento da sua custódia pelo Juízo competente, caso não estejam presentes os requisitos da manutenção preventiva da sua prisão, fulcro no que dispõe o art. 312 do Código de Processo penal.

            E se é bem certo, e verdadeiramente provável, que em infrações materialmente atípicas, devido à insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado, o relaxamento da prisão ocorrerá inexoravelmente, percebe-se que aquele primeiro ato (prisão) levado a cabo pela Polícia Judiciária indistintamente, tanto em relação aos crimes graves como em relação aos materialmente atípicos, é tratar de forma igual situações absolutamente desiguais.

            Assim, é sustentável, à luz do sistema jurídico pátrio, que é um conjunto de leis e de princípios que se entrelaçam sob a égide dos ditames maiores lançados pela nossa Constituição Federal, que a Autoridade Policial possa, por meio da sua discricionariedade ínsita, não lavrar flagrantes acerca de infrações que são, em tese, materialmente atípicas.

            O decisum de valoração a ser levado a efeito pela Autoridade Policial bastará que contenha fundamentação razoável, fulcro no princípio da persuasão racional, como, de resto, é a atribuição de todos aqueles que levam a efeito atos administrativos em geral.

            4.2.2 PROCEDIMENTOS POLICIAIS SUMÁRIOS

            Depois de esclarecida a hipótese de aplicação do princípio da insignificância frente às situações de flagrante delito, passa-se a discorrer acerca da derradeira hipótese sustentada de aplicação do aludido princípio em sede das atribuições a cargo do Delegado de Polícia.

            A Polícia Judiciária abarca, praticamente, a totalidade absoluta das infrações penais levadas ao conhecimento dos Órgãos Públicos.

            Salvo raríssimas exceções, até mesmo aquelas comunicações levadas ao conhecimento dos representantes do Ministério Público, são todas encaminhadas eles à Polícia Judiciária, a fim de que esta sim apure os fatos por meio do procedimento pertinente.

            Em assim sendo, percebe-se que o mundo da ilicitude só chega aos olhos dos julgadores, porque são levados ao seu conhecimento pelos órgãos policiais. Em outras palavras, a Polícia é responsável, com exclusividade praticamente absoluta, pela recepção das notícias criminais, elaboração dos instrumentos apuratórios adequados e remessas suas à apreciação do Judiciário.

            Surge, então, em decorrência desse vultoso, verdadeiramente incomensurável e invencível fardo, problemática irrefutável, mas pouco discutida em nossos dias atuais, qual seja, "grande parte das comunicações de ocorrências policiais acabam vendo as suas prováveis penas em abstrato prescrevendo-se nos próprios órgãos policiais".

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            De tempos em tempos, e esta tem sido a prática, ao atingir-se número considerável de feitos prescritos em um Distrito Policial, convenciona-se determinado acordo entre Delegado de Polícia e Promotor de Justiça locais e remetem-se citados cadernos apuratórios, em lotes, à apreciação do parquet, a fim de que este requeira seu arquivamento ao Juízo competente. Incontáveis procedimentos, instaurados ou não, já prescritos, encontram esse destino em nossa Administração Pública.

            A razão desse procedimento costumeiro não é nada além da incontestável impossibilidade de os Órgãos Policiais levarem a efeito termo à totalidade da demanda que os assola diariamente.

            Pragmaticamente, então, e forçosamente, em determinadas situações, as Autoridades Policiais sentem-se premidas e fatalmente precisam selecionar, dentre os procedimentos às suas cargas, aqueles que mais urgem atenção e celeridade ante as suas gravidades. É uma decisão razoável, perante uma problemática real.

            Com efeito, dentro dessa problemática existente, urge conjetura plausível, qual seja, poder-se-ia conceder à Autoridade Policial legitimidade para esta estabelecer, com razoabilidade e bom senso, um critério seletivo acerca daquilo que seria levado a efeito pelo labor policial, em prejuízo daquilo que, fatalmente, acabaria não sendo.

            Essa legitimidade que se propõe, no entanto, não é aquela mesma já concedida ao Delegado de Polícia pela força do seu dia-a-dia, já bem estabelecida pela prática e pelo costume. Seria isto sim, algo novo e mais cristalino.

            A competência a ser emprestada à Autoridade Policial necessitaria emanar de instrumentos legais, quer fosse por meio de uma cláusula geral acerca do princípio da insignificância a ser inserida em nosso Codex substantivo penal, quer fosse, ao menos, por meio de simples pactos administrativos a serem avençados em cada Estado Federativo, tudo dependendo da realidade vivida por cada ente federado e à luz da comunhão de esforços e da conjugação de vontades existentes entre os membros do Ministério Público e Delegados de Polícia seus.

            Pois, esclarecidas as possíveis fontes de onde seria ideal ver originada essa faculdade a serviço da Polícia Judiciária, resta imperioso deixar-se claro, de antemão, que não se está aqui defendendo tese alguma sobre uma possível faculdade de arquivamento de cadernos policiais em sede de Polícia Judiciária.

            Tal qual preceitua o nosso Codex adjetivo processual [30], a Autoridade Policial não poderá, jamais, mandar ao arquivo autos de inquérito.

            O que se propõe, isto sim, seria a possibilidade de que, em prol da apuração de ilícitos mais graves, aqueles procedimentos referentes a fatos aparentemente atípicos no seu aspecto material acabassem por abarcar "sistemática processual" extremamente mais simples e célere do que a costumeira, o que é por demais plausível diante da nossa conjuntura hodierna.

            Essa sistemática processual sintética concretizar-se-ia por meio de uma verdadeira faculdade a ser concedida legalmente à Autoridade Policial, quer pela norma federal, como se disse acima, quer, ao menos, em decorrência de acordos a nível estadual, onde esta não necessitaria instaurar inquéritos policiais acerca de delitos materialmente atípicos, remetendo-se, de qualquer forma, os seus registros respectivos de ocorrências policiais à apreciação dos Promotores de Justiça competentes. Na hipótese de estes discordarem de um ou de outro critério seletivo adotado pelo Delegado de Polícia, restituiriam, então, os autos à Delegacia de Polícia, a fim de ver-se instaurado o procedimento policial a respeito.

            Nada mais lógico, nada mais coerente. Absolutamente nada haveria de prejudicial à sociedade, e poder-se-ia vislumbrar uma sensível maior celeridade no trâmite daquelas causas penais realmente relevantes, sempre a cargo da Polícia Judiciária e muitas delas fadadas ao perigo da prescrição em abstrato.

            Verdadeiramente, os Órgãos Policiais, já tão defasados de pessoal e de condições materiais variadas, estão sempre premidos pelo exíguo e insuficiente lapso temporal destinado ao esquadrinhamento das ilicitudes de evidente maior gravidade, de gritante maior urgência social.

            Dessarte, pela sistemática aqui defendida, dizer-se que se estaria valorizando o tempo da nossa Polícia Judiciária seria, a bem da verdade, uma afirmação inverídica.Estar-se-ia, isto sim, valorizando o ínfimo lapso temporal que a própria sociedade dispõe para a persecução dos casos graves, pois aquela só existe pela razão desta.

            Todavia, falar-se o que se disse acima parece simples. No entanto, há barreiras ainda instransponíveis para a sua real aplicação. Como exemplo dessa problemática que se apõe à confecção de sistemáticas mais simplificadas acerca de questões menos complexas está o que gira em torno dos delitos de menor potencial ofensivo abarcados pela Lei dos Juizados Especiais Criminais. Com efeito, é realidade facilmente observada em comarcas de primeira entrância a exigência da confecção, mesmo nas infrações abarcadas pelos Juizados Especiais Criminais, de praticamente um trabalhoso inquérito policial, não se abrindo mão de oitivas detalhadas, previamente à audiência, de todos os envolvidos e de todas as testemunhas". Em assim não sendo, o termo respectivo baixa do Juízo competente, após requerimento do Ministério Público, a fim de ser complementado.

            Porém, ao observar-se a sistemática adotada em jurisdições distintas daquelas de primeira entrância, percebe-se, claramente, uma aproximação bem maior aos ditames da concernente Lei que versa sobre os Juizados Especiais Criminais, quiçá pela experiência já abarcada ao longo da vida funcional pelos seus respectivos Juízes e Promotores.

            O que está ocorrendo nos dias de hoje, com a inexistência da sistemática aqui proposta, é a inexorável seletividade, por parte da Polícia Judiciária, acerca daquilo que será e daquilo que não será prescrito nos próprios Órgãos Policiais. Essa problemática é real, de conteúdo seriíssimo, mas de solução não apontada por qualquer sistema legal uníssono e harmônico com a realidade das condições materiais da Administração Pública.

            Falar-se em acréscimo de efetivo ou melhoria nas condições materiais das nossas Polícias é apenas proferir verbos de conteúdo vazio e inócuo, até mesmo porque isso jamais seria suportado, nem de longe, por qualquer cofre público.

            Aliás, ainda que, hipoteticamente falando, fosse possível se dar conta da totalidade dos procedimentos em trâmite em sede de Polícia Judiciária, fosse pelo provimento de um incontável e devaneado número de servidores novos, surgiria, então, outra problemática tão séria quanto à primeira: os Órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário, pelas suas condições materiais e número de pessoal existente, jamais teriam, nem de longe, condições de apreciar devidamente a carga incomensurável de trabalhos que lhe adviriam de tudo isso. A propósito, mesmo com o ritmo atual de remessas de procedimentos policiais a juízo, é público e notório que o número de prescrições da pretensão punitiva do Estado nas entrâncias judiciárias é realidade consuetudinária.

            Assim, vê-se que a sistemática que aqui se pretende por em prática, toda ela embasada no bom senso, quer evitar um labor policial sem razão de ser em procedimentos acerca de fatos que, visivelmente, em tese, mostram-se atípicos materialmente.

            4.3 POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA SISTEMÁTICA PROPOSTA NESTE ESTUDO A INFRAÇÕES MATERIALMENTE TÍPICAS

            É elementar, presentemente, que se atente à seguinte situação, qual seja, nem sempre um delito de pouco gravidade será considerado atípico, materialmente falando, quando da sua apreciação pelo Poder Judiciário. Todavia, isso não significa que a sua baixa ofensividade, ainda assim, mereça um ato inicial extremado por parte do Estado em relação à pessoa do autor, quer seja por meio da instauração de um caderno inquisitivo, ou, muito menos, por meio de uma prisão em flagrante.

            Com efeito, ao falar-se de um porte de arma, por exemplo, levado a efeito por pessoa sem antecedentes policiais, em situação em que não se expôs, de forma concreta, a perigo a sociedade (manutenção da arma no porta-luvas do seu veículo, p. ex.), está-se diante de hipótese em que não se vê como justificável atitude extremada por parte do Estado. Com efeito, constituir-se-ia medida flagrantemente desproporcional à intensidade da conduta impingir-lhe prisão em flagrante, esta sempre um ato extremado do Estado. Aliás, neste caso em particular, o encarceramento cautelar do autor não vê mesmo lógica em qualquer prisma de coerência possível, uma vez que, ao atentar-se à letra da Lei e à pena em abstrato prevista para o caso, por mais que houvesse cominação ao autor de uma pena máxima, o regime de cumprimento previsto para o caso é o aberto.

            Elidida a possibilidade de flagrante delito acerca de um delito como o de porte de arma, frente à pena em abstrato prevista para o caso, com a conseqüente possibilidade de aplicação de penas alternativas ou, até mesmo, suspensão condicional do processo, também é coerente sustentar-se que todo um trâmite exigido por inquérito policial apresenta-se como moroso trabalho sem sentido, prejudicial ao trâmite de questões outras a cargo das Delegacias de Polícia, referentes a crimes de patente maior relevância (roubos, latrocínios, homicídios, etc.).

            Assim, em ilícitos de menor gravidade como o exemplificado neste item, é razoável que, além de rechaçar-se a possibilidade de aplicação de prisão em flagrante, também se possa eliminar o trâmite de todo um inquérito policial, ocasião em que apenas registrar-se-ia o fato, aprender-se-ia o instrumento e, qualificadas as partes, remeter-se-iam os autos à apreciação do Ministério Público, titular da ação penal.

            Observado isso, a par do fato de que a aplicação do princípio da insignificância no tocante ao labor diário da Polícia Judiciária é o mínimo que se pode exigir, também é plausível sustentar-se a extensão da sistemática aqui proposta àqueles ilícitos que, embora materialmente típicos, vêem-se de menor importância no cenário criminoso vivido por determinadas sociedades.

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Sobre o autor
Roger Spode Brutti

Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA) de Buenos Aires/Ar. Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Universidade Franciscana do Brasil (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta/RS (UNICRUZ). Professor Designado de Direito Constitucional, Direito Processual Penal e Direito Penal da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (ACADEPOL/RS). Membro do Conselho Editorial da Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. especializando em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), professor de Processo Penal da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (ACADEPOL/RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUTTI, Roger Spode. O princípio da insignificância frente ao poder discricionário do delegado de polícia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1230, 13 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9145. Acesso em: 28 dez. 2024.

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