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Cadastros de consumidores.

Questões controvertidas sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça

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Tornou-se uma praxe a prévia consulta ao cadastro de inadimplentes pelos comerciantes, bancos e até particulares, antes da concretização de negócios, em suas mais variadas modalidades.

Sumário: I – Introdução. II – A responsabilidade pela cientificação do consumidor sobre o registro cadastral. III – A responsabilidade pelo cancelamento das informações negativas. IV – Da proteção ao consumidor contra a iniciativa de registro. V – Os danos morais e materiais. Fixação. Enriquecimento sem causa. VI – A prescrição das informações cadastrais. VII – Conclusão.


I. Introdução

Com o desenvolvimento das relações comerciais e bancárias em porte, quantidade, complexidade e dinamismo, surgiu a necessidade, por parte dos comerciantes, prestadores de serviços, instituições bancárias e financeiras, de se precaverem contra inadimplentes contumazes, prejuízo certo para suas atividades.

Daí o surgimento, em 1955, anota Antônio Carlos Efing1, do Serviço de Proteção ao Crédito, associação civil criada por empresas comerciais que mutuamente passaram a se auxiliar, pela unificação de procedimentos e troca de elementos individualmente obtidos, para, juntas, municiadas das informações coletadas, traçarem o perfil de clientes presentes e potenciais, pessoas físicas e jurídicas, como medida preventiva de maus negócios e meio de defesa aos já realizados com insucesso.

Essa atividade passou a ter enormes reflexos no dia a dia das pessoas, pois tornou-se, já desde então, uma praxe a prévia consulta ao cadastro pelos comerciantes e bancos, e até particulares, a exemplo dos proprietários locadores de imóveis, antes da concretização de negócios, em suas mais variadas modalidades. O SPC, a mais tradicional das entidades, foi sucessivamente instituído em várias localidades, "administrado pela Câmara Nacional dos Dirigentes Lojistas, em âmbito nacional e, no municipal, pelas Câmaras de Dirigentes Lojistas", dispondo de regulamento nacional e interno, esclarece Celso Marcelo de Oliveira 2. Já o SERASA – Centralização de Serviços dos Bancos S/A, presentemente um dos maiores e mais consultados cadastros de crédito, atende, precipuamente, aos bancos que o criaram sob a forma de "uma empresa de informações" 3 que fornece dados que vão de ocorrências irregulares com cheques a anotações sobre protestos e ações judiciais. Multiplicaram-se as entidades. Ainda enumera Antônio Carlos Efing4 muitas outras, como o Segurança ao Crédito e Informações (SCI), o CADIN, este de iniciativa do próprio Poder Público, e que tem gerado polêmicas quanto aos efeitos das suas inscrições como geradoras de proibição de contratação com orgãos governamentais, o SEPROC, o REFIN, o Telecheque, todos mais ou menos na linha do que já se fazia em outros países, a começar pelos Estados Unidos da América, o pioneiro nessa espécie de meio informativo, segundo o mesmo autor.

Evidentemente que, com o tempo, tornou-se imperiosa uma normatização de ordem legal a respeito, pois ofensas a direitos civis, problemas com imprecisão de dados e ausência de definição de responsabilidades, dentre muitos outros, acarretavam sérios transtornos para os cidadãos cadastrados.

O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei n. 8.078, de 11/09/90, não se esqueceu disso, dedicando alguns dispositivos sobre a matéria, notadamente na Seção VI do Capítulo V, intitulada "Dos bancos de dados e cadastros de consumidores" (arts. 43 e 44), complementada por normas que embora direcionadas aos fornecedores de produtos e serviços, reflexamente guardam também correlação com os cadastros, caso do art. 39, VII, que veda o repasse de informações depreciativas a respeito do consumidor quando este age no exercício dos seus direitos, bem assim das sanções de caráter administrativo (art. 56) e penal, estas sobre coagir ou constranger por afirmações falsas, incorretas ou enganosas na cobrança de dívidas (art. 71), impedir ou dificultar o acesso do consumidor a dados cadastrais, em suas diversas modalidades de arquivo (art. 72) e, ainda, omitir ou agir com desídia na atualização das informações, em detrimento daquele (art. 73).

Como é natural, diversas controvérsias jurídicas daí decorreram, muitas delas apreciadas pelo Superior Tribunal de Justiça, ensejando esse trabalho, que se propõe a destacar o pensamento da Corte a respeito de algumas delas, dada a impossibilidade de se estender a todas, pela vastidão dos temas.


II – A responsabilidade pela cientificação do consumidor sobre o registro cadastral

Uma primeira abordagem se refere ao ingresso do consumidor faltoso no cadastro, onde se lhe outorga, de logo, pelo parágrafo 2º do art. 43, o direito de ser de imediato cientificado da existência de dados a seu respeito, quando por ele não solicitada a abertura. A redação do dispositivo dá a entender que, em qualquer caso, seja positiva ou negativa a informação, deve haver a comunicação. Em princípio, se o consumidor se candidata a um empréstimo ou a um financiamento, preenchendo os respectivos formulários, isso, por si só, faz sugerir que tem ciência de que esses dados serão objeto de registro e cadastro. Ao inverso, se colhidos dados à revelia, já surgiria a obrigatoriedade da comunicação, mesmo que não contivesse apontamento desfavorável. Na prática, no entanto, a regra tem significado relevante quando é consignada informação negativa, restritiva de crédito. Sem sabê-lo, o consumidor passa a ter seu nome apresentado à praça de forma depreciativa, sofrendo consequências sem poder evitá-las e superá-las, pelo prévio adimplemento das obrigações pendentes.

Evidentemente que o cadastro desfavorável tem força coativa. É, como se disse no início, preventivo para os fornecedores de bens e serviços, evita o endividamento maior de um comprador eventualmente descontrolado ou que age propositalmente, de má-fé. Induvidosamente, constitui meio eficaz para compeli-lo a pagar, pela sua exclusão temporária da sociedade de consumo.

Por força disso, surgiram ações indenizatórias, por dano moral, movidas por consumidores que não foram alertados sobre os registros, ora movidas contra os credores, ora contra as próprias entidades cadastrais, ou contra ambas.

Há, no Superior Tribunal de Justiça5, posicionamento que defende a necessidade de prévia comunicação ao devedor de que o cadastro irá ser aberto, atribuindo, então, a legitimidade passiva à instituição credora, por não tê-lo feito.

Parece-me, entretanto, que pela natureza dos bancos de dados e cadastros, na dicção do art. 43, parágrafo 5º, "entidades de caráter público", têm elas responsabilidade específica e exclusiva por atos que lhes competem unicamente, e não aos credores que fazem uso de seus serviços. O parágrafo 2º do art. 43 não traz determinação dessa ordem ao credor. Não compete ao credor comunicar que vai abrir, mesmo porque não é ele quem o faz, e, além disso, teria mais o tom, ou de condição, ou de ameaça (...se não houver o pagamento, será aberto). Quem abre o cadastro negativo, a ficha ou registro é a entidade cadastral, daí, se é este o ato a ser informado ao consumidor, a obrigação deve estar com quem concretamente promove o ato, e não o credor, que apenas requer a abertura, em face da mora então já configurada. Nessa ótica, feita a apresentação do fato restritivo pelo credor – que por isto, é claro, é o único responsável – o processamento da informação passa à alçada da entidade cadastral, que abrirá a ficha correspondente em seu banco de dados. Isso significa uma atividade interna da entidade, que responde por culpa ou dolo na manipulação dos elementos informativos que lhe foram confiados, repito, como instituição de caráter público. A legitimidade passiva, portanto, tenho eu, pertence a tais entidades, quando omissas quanto ao ônus da comunicação prévia ao consumidor dos dados que a seu respeito recebeu e estará arquivando, orientação esta sufragada em outros julgados, à qual me filio6.

E, no mesmo compasso, segue a responsabilidade dos órgãos cadastrais pela clareza, veracidade e objetividade dos registros (art. 43, parágrafo 1º), e bem assim pelas limitações temporais à manutenção e fornecimento de dados (art. 43, parágrafos 1º e 5º) e alterações para retificações de erros (art. 43, parágrafo 3º). Importante salientar que a expressão "veracidade" contida no parágrafo 1º tem o sentido de fidedignidade ao que foi trazido pelo credor apresentante da informação, pois não seria razoável atribuir-se à entidade cadastral – que nem teria como - o dever de aferir a legitimidade ou não de uma dívida decorrente de venda de produtos, serviços ou empréstimos de terceiros a cujos documentos constitutivos jamais teve acesso. Nessa hipótese, pela não correspondência dos dados fornecidos com a realidade, a responsabilidade pelo ilícito cabe ao credor que os apresentou ao cadastramento.

Apenas, portanto, na situação de os elementos informativos terem sido colhidos diretamente pela entidade cadastral, como acontece quando são extraídos de publicações de cartórios de protestos de títulos e de registro de distribuição de ações e execuções, será ela responsável por vícios que contiverem. E, nesse caso, haveria necessidade de prévia comunicação ao devedor protestado ou executado? José Eduardo Neder Meneghelli7, em interessante estudo sobre o assunto afirma que não, por se configurar a "publicidade... imanente" do fato, que já é do conhecimento de terceiros e do próprio devedor, pela divulgação ampla dos atos cartorários de protesto e distribuição; mas cuida o articulista de ressalvar a necessidade da atualização do registro, para que situações já superadas não permaneçam inscritas. Contudo, vai mais além: tem como proibido que, em havendo pendência judicial sobre o protesto e a existência de contestação das ações judiciais, haja o registro e repasse de informações, em prestígio ao princípio da submissão à jurisdição. Com esta derradeira conclusão ouso discordar. Se o protesto e a distribuição de ação são públicos e o processo não corre em segredo de justiça, nada obsta que isso conste do assentamento dos cadastros de consumidores, bastante a consignação quanto à existência de pedido de sustação, embargos ou contestação. A circunstância de uma questão se achar sub judice não impede a notícia, se corresponder à fiel realidade dos fatos, salvo se existir uma ordem judicial expressa vedando inscrições dessa natureza, obtida cautelarmente ou em tutela antecipada. Sem isso, não há censura ao registro, consoante já entendeu o STJ8 em hipótese assemelhada.


III – A responsabilidade pelo cancelamento das informações negativas

Outro tema que igualmente vem sendo debatido refere-se a quem caberia a "baixa" dos dados negativos, após o pagamento da obrigação que gerou a inscrição.

Os credores, apresentantes das informações, têm-se limitado a expedir documento declaratório de quitação do débito, autorizando o cancelamento do registro restritivo pelas entidades cadastrais, portanto atribuindo aos clientes o encargo de diligenciar, junto às mesmas, para que assim procedam. Realmente, se se tratasse de uma ação judicial, a praxe seria essa. A "baixa" no cartório de registro de distribuição é da responsabilidade do réu ou executado, se condenado foi. Mas a situação dos registros cadastrais é diferente.

De início, porque é um procedimento não compulsório. Depende do livre arbítrio dos credores em solicitar inscrição negativa, já que não é imprescindível para a cobrança da dívida. Daí que, sendo sua a iniciativa da abertura dos dados, faz todo sentido em que seja deles o ônus de providenciar o cancelamento respectivo junto à entidade cadastral, após cessada a sua razão de ser. De segundo, em razão da responsabilidade de ordem penal ditada no art. 73 da Lei n. 8.078/80, sobre "deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata". E, em terceiro lugar, visto que, conjugadamente a tal dispositivo, encontra-se o art. 8º do Regulamento Nacional dos Serviços de Proteção ao Crédito, que reza:

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"Art. 8º. As associadas-usuárias assumem, perante a mantenedora do SPC e terceiros, a responsabilidade total pelos registros dos débitos em atraso, demais ocorrências e seus imediatos cancelamentos".

Induvidoso, pois, que paralelamente ao direito de negativar o devedor, surge, em contrapartida, o de, em havendo quitação, providenciar, aquele mesmo credor que o inscreveu, a atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento e, em consequência, o desaparecimento do fato que motivou a restrição ao crédito, para que as entidades que mantêem o serviço façam a baixa respectiva. E é nesse sentido que se firmou a posição do STJ9.


IV – Da proteção ao consumidor contra a iniciativa de registro

Como medida de defesa contra inscrições negativas a seu respeito, dispõe, evidentemente, o consumidor, de todo o arsenal que lhe é oferecido pelas leis processuais, em especial as normas protetivas de caráter adjetivo previstas no CDC.

Normalmente, e para isso chamou a atenção Renato Nordi10, deparamo-nos com inúmeros casos de inscrição injustificada, por originárias de inadimplência em face de acréscimos ilegais adicionados aos contratos por meio de cláusulas nulas, no que os cadastros, pela sua repercussão, terminam por atuar como importante coadjuvante, e às vezes ator principal, na coação aos devedores. Em tais situações, a medida cautelar vem sendo largamente utilizada, admitindo-se que na pendência de ações revisionais, anulatórias, declaratórias, embargos à execução, enfim, qualquer demanda em que se discuta a inexistência da dívida, cabe, em tese, a proteção assecuratória da eficácia da lide principal11. Filho, unânime, DJU de 16/12/2002 e Recurso Especial nº 486.612/SP, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 23/06/2003.

Mas tem-se identificado um excesso, incompatível com a justa proteção cautelar. É que certas demandas são intentadas com mero intuito protelatório, sufragando pontos de vista sem substância ou já largamente superados, alguns inclusive sumulados em sentido contrário à pretensão, mas que, ancorados em uma excessiva liberalidade dos órgãos judiciais, vêm logrando os devedores a suspensão da inscrição, sem razão que a justifique, pois o direito de fundo é nenhum. Inúmeras decisões têm sido proferidas sem maior preocupação a tanto. Não basta, obviamente, o mero ajuizamento de ação impugnando o contrato para a concessão cautelar da suspensão do registro, mas que exista um efetivo fumus boni iuris nas teses de direito.

Em recente julgamento12, de que foi relator o eminente Ministro Cesar Asfor Rocha, a 2ª Seção do STJ traçou os seguintes parâmetros para a proteção cautelar ou antecipatória de tutela, nessas situações:

"a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado."

Pertinente, nessas circunstâncias, que o julgador esteja atento à prestação jurisdicional final perseguida, podando-se o uso indiscriminado da cautelar ou da tutela antecipada como meio para se furtar o devedor dos ônus derivados da inadimplência, dentre os quais o registro cadastral negativo, que tem supedâneo legal.


V – Os danos morais e materiais. Fixação. Enriquecimento sem causa

O ato ilícito acarreta, para o responsável, o dever de indenizar.

No caso da inscrição indevida, bastante a prova do fato, da negativação culposa ou dolosa, desnecessária a demonstração do dano concreto. Perfeitamente possível supô-lo, pelos efeitos nefastos que um cadastro restritivo ao nome de alguém, injustamente atingido, produz no meio social em que vive, derramando sobre a pessoa desconfiança, restrições gerais e de acesso a crédito e, sobretudo, desgaste a sua imagem, honradez e dignidade13.

Os danos materiais, a seu turno, exigem adequada comprovação, pois refogem ao mero campo presuntivo lógico. Faz-se necessário que já na fase cognitiva da ação de ressarcimento a prova objetiva da existência seja realizada, podendo-se remeter a sua quantificação para a liquidação de sentença. Vício comum, no entanto, se encontra em decisões que meramente supõem lucros cessantes pelo só fato da inscrição indevida relativamente a atividades econômicas não materialmente provadas na etapa instrutória da lide e, inobstante, parte-se de logo para a condenação na verba, que, em verdade, à míngua de prova, deveria ter sido indeferida. A fase executória não é substitutiva do processo de conhecimento.

Tormentosa a questão do valor da indenização, em face do registro ilícito. O subjetivismo que isso envolve leva a critérios díspares, de acordo com a compreensão pessoal de cada julgador, sobre o que entende como o grau da ofensa, o justo ressarcimento, a eficácia da punição, o porte do réu, e outros fatores mais.

Há tempos, em razão de indenizações milionárias, descompassadas com a realidade, passou o Superior Tribunal de Justiça a exercer espécie de controle, intervindo quando identificasse exagerado excesso na fixação do montante do ressarcimento, ou, ao contrário, inexpressividade na condenação14. Tal controle remanesce, apesar do enorme fardo que representa aos trabalhos da Corte, como é natural supor, mas se faz necessário, até para harmonizar – sem engessamento, é claro – decisões que dão, em hipóteses muito semelhantes, tratamento inteiramente diverso a lesões de mesma natureza, como a irregular inscrição em cadastro de inadimplentes. Salvo situações excepcionais, busca-se, num consenso próprio do colegiado, mas com uma visão nacional dos casos concretos, fixar-se uma indenização que recompense o lesado pelo dano moral, porém sem proporcionar enriquecimento sem causa. Justamente por isso, estou em que critérios indenizatórios baseados no valor do título que serviu à inscrição do nome do consumidor não devem ser adotados, por representarem mera ficção matemática, dissociada do ato lesivo em si. Se o título for diminuto, a sua multiplicação por um fator predeterminado resultará em pífio ressarcimento. Se for alto, será incompatível com o dano. E se, em face disso, o julgador resolver simplesmente alterar o próprio fator multiplicador (de 5 vezes para 20, ou vice-versa), estará, então, apenas reforçando o que se disse: que é um critério aleatório, aritmético, que nada representa, pois o que ele, magistrado, em essência estará buscando nessa compensação é, tão somente, encontrar uma indenização que julgue pertinente. Para fazê-lo, basta justificar com bom senso.


VI – A prescrição das informações cadastrais

Discute-se, também, o prazo prescricional para a manutenção do registro das informações nos bancos de dados e cadastros de consumidores.

Há uma aparente contradição entre o parágrafo 1º do art. 43 ("Os cadastros......não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos"), e o parágrafo 5º ("Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações...").

Existem julgados estaduais onde se sustenta que o prazo a ser observado deve coincidir com o do título, para efeito de execução, se inferior ao qüinqüênio do parágrafo 1º. Se a cártula está prescrita, diz essa corrente, impossível constarem do cadastro os dados alusivos à inadimplência do devedor com base nela. E, como o Código Civil atual, instituído pela Lei n. 10.406, de 10.01.2002, com vigência a partir de 10.01.2003, estabelece que prescreve em três anos "a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, ressalvadas as disposições de lei especial" (art. 206, parágrafo 3º, VIII), poderia ficar a idéia de que o prazo é trienal, para prescrição de registros com essa origem, que ainda poderia ser menor se houver lei especial assim estabelecendo. Mas tenho que não é assim.

Em judicioso trabalho sobre o tema, Leonardo Roscoe Bessa15 explicita que o parágrafo 1º se refere ao tempo máximo com base no qual pode perdurar a informação – cinco anos – computado do vencimento da dívida impaga, que lhe deu causa. Já o parágrafo 5º, alusivo à prescrição da cobrança da dívida em si, inadmite a divulgação de informação sobre ela. Note-se que o parágrafo 5º não menciona "prescrição da ação de execução", mas "...de débitos do consumidor", que podem ser exigidos por outras vias processuais e, destacadamente, a monitória, portanto em prazo mais amplo. Nesse prisma, desimportante a desconstituição do título executivo, de sorte que se esta se der em três anos por exemplo, nada obsta que a informação sobre a respectiva inadimplência perdure além, até os cinco anos do parágrafo 1º, contados da data do vencimento da dívida inadimplida. Daí concluir o autor que "Embora o prazo para ação de cobrança de débitos tenha sido reduzida pelo novo Código Civil, não há, em princípio, vantagem para o consumidor cujo nome se encontra registrado em serviços de proteção ao crédito". No máximo, haverá uma coincidência, se a hipótese for a de "cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular", para o que o Código Civil agora vigente fixa um prazo prescricional também de cinco anos (art. 206, parágrafo 5º, I). Vantagem existia, realmente, na vigência da lei substantiva anterior, pois com a prescrição vintenária de algumas dívidas, via ação ordinária, o prazo qüinqüenal do art. 43, parágrafo 1º, do CDC, produzia, então, benefício substancial para o consumidor, pela expressiva redução do período de permanência das informações negativas. De todo modo, é salutar que as leis não colidam gerando indesejáveis perplexidades, e o importante é que o novel Código Civil não agravou a situação do consumidor. Manteve o status quo firmado na Lei n. 8.078/90. E, no STJ, vem-se consolidando exatamente a posição que sufraga a doutrina defensiva da manutenção das informações por cinco anos, pela aplicação do art. 43, parágrafo 1º, do CDC16.


VII – Conclusão

Como visto, o debate a respeito dos bancos de dados e cadastros de consumidores é aceso, dinâmico e envolvente. Antônio Carlos Efing17 enumera diversas alterações constantes do projeto de lei de n. 3.240, em andamento na Câmara dos Deputados, com o escopo de aperfeiçoar os dispositivos ora tratados, bem como incluir novos direitos para proteção do consumidor. Economistas de renome, preocupados com as elevadas taxas de juros cobradas pelos bancos, vêm pregando a constituição de um "cadastro positivo", ou que os dados positivos desses cadastros existentes sejam efetivamente considerados para a redução dos encargos, à medida em que, com base neles, se pode distinguir os bons, dos maus pagadores, e aos primeiros conceder-se tratamento privilegiado, para que o custo dos financiamentos lhes seja menos oneroso, em reciprocidade à idoneidade que já demonstraram no adimplemento de suas obrigações anteriores, pontualmente honradas.

Cabe aos legisladores o esforço a fim de que as modificações aconteçam sempre para melhor, com vistas ao justo e para que as entidades cadastrais, já tão antigas e sólidas, na sociedade brasileira, possam bem desempenhar o seu papel "de caráter público", sem esvaziamento nas suas relevantes funções, porém, menos ainda, praticando arbitrariedades em detrimento dos consumidores, que passaram a ter voz e vez com o advento da inovadora Lei n. 8.078/90, e, agora, mais recentemente, com as novas disposições do Código Civil de 2002.


Notas

1 EFING, Antônio Carlos. "Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores". 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 25.

2 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. "Cadastro de Restrição de Crédito e Código de Defesa do Consumidor". 1ª ed. São Paulo: LZN, 2001, p. 71.

3 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. op. cit. p. 141.

4 EFING, Antônio Carlos. op. cit. p. 26.

5 STJ, Recurso Especial nº 402.958/DF, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, unânime, DJU de 30/09/2002.

6 STJ, Recurso Especial nº 345.674/PR, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 18/03/2002 e Recurso Especial nº 442.483/RS, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJU de 12/05/2003.

7 MENEGHELLI, José Eduardo Neder. "Temas sobre a anotação do Nome do Consumidor em Cadastro de Entidades Prestadoras de Serviços e Concedentes de Crédito", Vol. 47, nº 264. São Paulo: Revista Jurídica, out./1999, p. 84/86.

8 STJ, Recurso Especial nº 357.034/GO, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 10/02/2003.

9 STJ, Recurso Especial nº 196.024/MG, 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, unânime, DJU de 02/08/1999; Recurso Especial nº 299.456/SE, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 02/08/1999 e Recurso Especial nº 292.045/RJ, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 08/10/2001.

10 NORDI, Renato. "Contrato de Abertura de Crédito e Possíveis Implicações Decorrentes de sua Cobrança". 1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 1999, p. 61.

11 STJ, Recurso Especial nº 263.546/SC, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 16/10/2000; Recurso Especial nº 435.134/SP, 3ª T., Rel. Min. Castro

12 STJ, Recurso Especial nº 527.618/RS, 2ª Seção, Rel. Min. César Asfor Rocha, unânime, DJU de 24.11.2003.

13 STJ, Recurso Especial nº 204.036/RS, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJU de 23/08/1999; Recurso Especial nº 293.669/PR, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 04/02/2002 e Recurso Especial nº 419.365/MT, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, unânime, DJU de 09/12/2002.

14 STJ, Recurso Especial nº 53.321/RJ, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, unânime, DJU de 24/11/1997; Recurso Especial nº 245.727/SE, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 05/06/2000; Recurso Especial nº 261.160/SP, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, unânime, DJU de 11/06/2001 e Recurso Especial nº 332.150/BA, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, unânime, DJU de 30/06/2003.

15 BESSA, Leonardo Roscoe. O Novo Código Civil e os Registros de Proteção ao Crédito, "Direito e Justiça". Jornal Correio Brasiliense, que circulou dia 17.02.2003.

16 STJ, Recurso Especial nº 29.915/RS, 4ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, unânime, DJU de 27/04/1998; Recurso Especial nº 22.337/RS, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, unânime, DJU de 20/03/1995; Recurso Especial nº 533.625/RS, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 15/09/2003 e decisão monocrática no REsp n. 473.873 - RS, Ministra Nancy Andrighi, DJU de 16.05.2003.

17 EFING, Antônio Carlos. op. cit., p. 240/250.

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Sobre o autor
Aldir Guimarães Passarinho Junior

ministro do Superior Tribunal de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSARINHO JUNIOR, Aldir Guimarães. Cadastros de consumidores.: Questões controvertidas sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1258, 11 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9177. Acesso em: 23 abr. 2024.

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Texto publicado originalmente publicado na Biblioteca Digital Jurídica (BDJur) do Superior Tribunal de Justiça (https://bdjur.stj.gov.br). Reproduzido mediante permissão do autor.

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