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Elaborando a denúncia criminal

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24/11/2006 às 00:00
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8. ELABORANDO A DENÚNCIA OU QUEIXA

A denúncia não difere em sua funcionalidade de uma inicial cível. Os requisitos básicos estão no artigo 41 do CPP, o qual, porém, não os traz todos, mas apenas o essencial.

O primeiro ponto que deve conter a denúncia é o seu destinatário, o juízo ou órgão jurisdicional a que se destina. Nas comarcas de vara única, que são a grande maioria das comarcas de entrância inicial, dificuldade alguma há, devendo ser a denúncia endereçada ao juiz da comarca da localidade em questão. Mas nas comarcas com mais de uma vara, torna-se inviável saber de antemão qual o juiz será competente especificamente, a não ser que exista disposição estabelecendo competências específicas. Tais regras, ausentes do código de processo penal, estão nos códigos de organização judiciária ou normatizações próprias de cada "justiça". Assim, por exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul, a primeira vara de cada comarca é competente para dos delitos dolosos contra a vida. Já na capital, há varas especializadas em delitos desta espécie.

Após o cabeçalho, vem a introdução, com identificação do órgão ou pessoa (se for ação privada) que está oferecendo a denúncia, e menção do seu embasamento (inquérito, termo circunstanciando ou documentos). Um exemplo seria: "O Ministério Público, por seu agente signatário, no exercício de suas atribuições constitucionais, vem perante V. Exa., com base no inquérito policial número tal (ou relatório do tribunal de constas nº tal, ou nos documentos oriundos do processo judicial nº... ) oriundo da delegacia de polícia de(...), oferecer denúncia (ou denunciar):"

Também é usual a menção, se for o caso, do termo de representação neste local.

Após segue-se a qualificação do acusado ou acusados. Normalmente a formatação desta parte é bem destacada, mas é mera questão de estilo pessoal que assim seja. Na qualificação do acusado devem ser utilizados todos os elementos disponíveis para sua identificação tais como nacionalidade, nome, prenome, alcunhas, data de nascimento, filiação, grau de escolaridade, número de documento de identidade, número do cadastro de pessoas físicas e título eleitoral, residência e paradeiro.

Nem todos estes elementos são imprescindíveis, como, por exemplo, números de documentos, mas sua menção auxilia à prefeita identificação do acusado e a realização de futuras diligências.

A alcunha é importante porque não é incomum os réus serem conhecidos exclusivamente por seu apelido. Os números de documentos facilitam diligências. Se o réu não é localizado em seu endereço, antes de proceder-se a sua citação por edital é de todo conveniente que sejam realizadas diligências para sua localização. Pois bem, os números de documentos facilitam sobremaneira a sua procura junto a cadastros públicos e privados. Por vezes, um pedido de diligências de localização esbarra na ausência de mais elementos de identificação quando há apenas um nome e uma filiação já que surgem homônimos que apresentam inclusive os mesmo nomes de filiação. Aliás, neste passo urge mencionar, ad cautelam, que conforme a Súmula nº 351 do STF, é nula a citação por edital de acusado preso no mesmo estado da federação. Logo, se não localizado o réu, pelo menos uma consulta aos órgãos policiais e ao gestor do sistema penitenciário é imperativa.

A menção à residência e paradeiro se justifica porque podem não coincidir. O réu tem residência em certo lugar, mas está, exempli gratia, "atualmente recolhido junto ao presídio tal".

Após a qualificação vem a narrativa dos fatos. A lei exige descrição dos fatos delituosos com todas as suas circunstâncias. Como já vimos, as circunstâncias mencionadas no artigo 41 do CPP obviamente são as penalmente relevantes e não fatos que, sendo meramente interligados ao delito, repercussão alguma possam ter na capitulação ou na aferição da culpabilidade, ou seja, circunstâncias são as circunstâncias do crime.

Não há uma regra formal de como devam ser expostos os fatos. Todavia, é de bom alvitre, e recomenda a lógica que os fatos sejam descritos separadamente, um a um, em seqüência, dos mais graves para os mais leves e/ou em seqüência cronológica. Assim se temos um homicídio como segundo delito em ordem cronológica, será ele primeiro mencionado, por ser o fato principal. Se temos três delitos, sendo um deles homicídio, será ele primeiro descrito, e os demais em ordem cronológica, o que facilita a visualização do iter criminis.

Na descrição dos fatos, conforme lembra Tourinho Filho, reportando-se à doutrina de João Mendes, deve ser mencionado o autor (quis ou wer), os meios empregados (quibus auxilis ou womit), o mal produzido (quid ou was), os motivos (cur ou warum), o modo de execução (quomodo ou wie), o lugar (ubi ou wos) e o tempo (quando ou wann). 28

Na prática há uma ordem na enumeração das circunstâncias. Inicia-se pelo tempo, com menção do dia, mês, ano e hora. Nem sempre é possível ter estes dados apurados com precisão. Quid inde? Mencioná-los com a maior proximidade possível.

Assim se sei que o delito foi praticado em março de 2006, mas não sei a data, devo mencionar no mês de março, "em data não apurada", mas posso mencionar se conhecido, o período dentro do mês, como por exemplo, "em fins de março de 2006, em data não precisada". O mesmo vale para a hora, lembrando que esta pode ter fundamental importância, como ocorre no artigo 155, § 1º, do CP (furto durante o repouso noturno).

Não conhecido o horário precisamente, pode ser indicado por aproximação ou relacionado a um horário específico, como "em horário não precisado, mas após as 22hs".

Após, vem a menção ao local. Igualmente a precisão absoluta nem sempre é possível. Se conhecido um endereço, deve ser mencionado, caso contrário, deve-se indicar a localização pelos elementos disponíveis. Vale lembrar que a localização é elemento para apuração da competência.

Segue a menção do fato delituoso, com descrição da conduta típica, dos meios utilizados e do dano potencial ou efetivo causado, se for o caso. Também é de bom alvitre que desde já sejam mencionadas circunstâncias relevantes como as qualificadoras. A descrição típica deve ser descrita com o máximo de fidelidade ao texto legal, deixando-se a sua corporificação específica para o restante da narrativa. Esta menção ao texto legal facilita a defesa do acusado, pois na seqüência da narrativa ele tomará ciência de quais fatos específicos ensejaram o enquadramento de sua conduta naquele tipo.

Temos assim, a menção do fato em uma narrativa múltipla. Primeiramente é mencionada a ação como se mostra no tipo legal e posteriormente a sua materialização no caso concreto. Vejamos um exemplo:

"No dia 01 de janeiro de 2006, por volta das 19h30min, na Rua Borges de Medeiros, nº 000,em Porto Alegre-RS, Tício de tal obteve para vantagem ilícita mediante emprego de meio fraudulento, consistente em induzir Mévio de tal em erro através da emissão de um cheque nº001, da agência nº000, do Banco Y, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, causando-lhe prejuízo de R$ 400,00.

Na ocasião, o denunciado dirigiu-se ao estabelecimento comercial da vítima e efetuou o pagamento de compras que havia feito com a mencionada cártula, a qual não tinha provisão de fundos em poder do sacado quando de sua apresentação para compensação, o que era de conhecimento do emitente."

Observa-se que, no primeiro parágrafo, os elementos essenciais do fato são descritos, com menção da figura típica através da utilização de uma fórmula a mais próxima possível do tipo legal, seguindo-se, no segundo parágrafo, a uma narrativa do que consistiu, na prática, a conduta antes descrita. Nesta sistemática, o acusado tem possibilidade de conhecer o fato específico pelo qual é acusado bem como a conformação legal do tipo respectivo. Vejamos um exemplo de concurso de agentes em homicídio qualificado:

"No dia 01 de março de 2005, em horário não apurado, mas durante a noite, no interior de uma oficina mecânica situada na Rua Presidente Vargas, nº 000, em Passo Fundo-RS, Mévio de Tal e Tício de tal, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, embuídos de motivação torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, através do emprego de disparos de um revolver calibre. 38. (apreendido conforme auto de apreensão da fl. 25. do IP), mataram Caio de Tal, causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de necropsia da fl. 37. do IP, o qual refere "perfuração por PAF no tórax, entre sexta e sétima costelas, causando hemorragia aguda e perfuração por PAF na região temporal direita, causando desorganização da massa celáfica".

Na oportunidade, o denunciado Mévio, objetivando ocultar uma dívida que tinha com a vítima, atraiu Caio, seu irmão (conforme certidões de nascimento das fls. 67. e 68 do IP), para o interior da oficina com a justificativa de verificar um motor de um veículo, momento em que o denunciado Tício, em adrede acerto com Mévio, e valendo-se da surpresa, de inopino, desferiu em Caio dois disparos de arma de fogo que produziram as lesões acima descritas e ocasionaram a morte da vítima."

Mais uma vez se observa que no primeiro parágrafo foi mencionada a fórmula legal, com acréscimo da menção do instrumento utilizado e descrição da materialidade. No segundo, seguiu-se a descrição dos fatos que caracterizaram concretamente a ação e as qualificadoras do motivo torpe (ocultação da dívida), e recurso que dificultou a defesa da vítima (surpresa e ardil para atrair a vítima). Absolutamente irrelevante saber a origem da dívida e desaconselhável mencionar o seu valor, porque fatores que não interferem na caracterização da motivação torpe, embora posam ser de revelo na fixação da pena, visto que insignificante o valor maior é a reprovabilidade. Tampouco importa saber onde estavam a vítima e réu anteriormente ou onde os comparsas efetuaram o ajuste para a empreitada. Logo, a narrativa descreve o fato com todos os seus elementos essenciais, viabiliza o direito de defesa, mas não incorre em excessos de descrição de fatos e circunstâncias irrelevantes. Sobreleva considerar que de cada uma das circunstâncias mencionadas resultará um aspecto da capitulação.

Da menção à "comunhão de esforços e unidade de desígnios" (ou conjunção de vontades e união de esforços) decorre a aplicação do artigo 29 do CP. Da afirmação do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima decorrem as qualificadoras do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, do CP. Da menção ao fato de a vítima ser irmão de um dos agentes decorre a aplicação para este (já que circunstância de caráter pessoal e não elementar) da agravante do artigo 61, inciso II, alínea "e", do CP.

Suponhamos agora que os agentes tivessem se valido da colaboração de um adolescente que segurou a vítima, constatando-se que Mévio dirigiu os demais. A denúncia ficaria;

"No dia 01 de março de 2005, em horário não apurado, mas durante a noite, no interior de uma oficina mecânica situada na Rua Presidente Vargas, nº 000, em Passo Fundo-RS, Mévio de Tal e Tício de tal, em comunhão de esforços e unidade de desígnios entre si e com o unimputável Trajano de tal, embuídos de motivação torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, através do emprego de disparos de um revolver calibre. 38. (apreendido conforme auto de apreensão da fl. 25. do IP), mataram Caio de Tal, causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de necropsia da fl. 37. do IP, o qual refere "perfuração por PAF no tórax, entre sexta e sétima costelas, causando hemorragia aguda e perfuração por PAF na região temporal direita, causando desorganização da massa celáfica".

Na oportunidade, o denunciado Mévio, objetivando ocultar uma dívida que tinha com a vítima, atraiu Caio, seu irmão (conforme certidões de nascimento das fls. 67. e 68 do IP), para o interior da oficina com a justificativa de verificar um motor de um veículo, momento em que o adolescente Trajano o segurou, imobilizando-o, e o Tício, em adrede acerto com Mévio, de inopino, desferiu em Caio dois disparos de arma de fogo que produziram as lesões acima descritas e ocasionaram a morte da vítima.

O denunciado Mévio organizou e dirigiu a execução do delito, instigou Tício à participar e contratou a participação do adolescente mediante promessa de paga, instigando-o" 29

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Se possível a caracterização de delito de corrupção de menores em relação ao adolescente, haveria um novo fato a ser denunciado. Caso contrário, Mévio responderia também pela agravante do artigo 62, inciso III, do CP. Pela organização e condução da empreitada e pela instigação de Tício, também são aplicáveis as agravante do artigo 62, incisos I e II, do CP.

Imaginemos, agora, o mesmo delito na modalidade da conatus:

"No dia 01 de março de 2005, em horário não apurado, mas durante a noite, no interior de uma oficina mecânica situada na Rua Presidente Vargas, nº 000, em Passo Fundo-RS, Mévio de Tal e Tício de tal, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, embuídos de motivação torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, através do emprego de disparos de um revolver calibre. 38. (apreendido conforme auto de apreensão da fl. 25. do IP), tentaram matar (ou deram início ao ato de matar) Caio de Ta, somente não consumando seu desiderato homicida por circunstância alheias as suas vontades.

Na oportunidade, o denunciado Mévio, objetivando ocultar uma dívida que tinha com a vítima, atraiu Caio, seu irmão (conforme certidões de nascimento das fls. 67. e 68 do IP), para o interior da oficina com a justificativa de verificar um motor de um veículo, momento em que o denunciado Tício, em adrede acerto com Mévio, e valendo-se da surpresa, de inopino, desferiu em Caio dois disparos de arma de fogo, o qual, esquivando-se, logrou fugir do local e foi socorrido por transeuntes"

Na capitulação a inserção do artigo 14, inciso II, do CP.

Vale registrar, aproveitando o ensejo, que, quando desconhecidos os motivos e diante de delito onde a sua presença pode ensejar alteração legal, deve ser mencionada esta circunstância, deixando claro que não repercutiram sobre a acusação exatamente pelo seu desconhecimento.

E nos delitos culposos? Há que mencionar a modalidade de culpa (negligência, imperícia ou imprudência) e o fato ou fatos específicos que as caracterizam. Vejamos um exemplo:

"No dia 01 de janeiro de 2006, por volta das 13h10min, na BR 116, KM 000 em Torres-RS, Agripa de tal, na condução de uma motocicleta, para a qual não tinha Carteira de Habilitação, placa 000, chassi nº 0000, deu causa, por imprudência e negligência, à morte de Justiniano de tal, causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de necropsia da fl.10 do IP, que refere como causa mortis ‘hemorragia interna, consecutiva a traumatismo abdominal com laceração do baço’.

Na ocasião, o denunciado conduzia a vítima na sua motocicleta, sem capacete (negligência), oportunidade em que ingressou na RS 116 inadvertidamente, sem observar a aproximação de um caminhão, placa 000, conduzido por Constantino de tal(imprudência), dando causa a uma colisão da qual resultaram as lesões que levaram à morte da vítima.

O denunciado não tinha Carteira de Habilitação para condução do veículo."

Após a descrição dos fatos, temos o dispositivo, onde será feita a capitulação dos fatos e os pedidos. Exemplificando:

"ASSIM AGINDO, fulano de tal incorreu nas sanções do(s) artigo(s)..... E para que contra ele se proceda, o Ministério Público oferece a presente denúncia, requerendo que, recebida e autuada, seja o réu citado para se ver processar, sob pena de revelia, inquirindo-se as pessoas a seguir arroladas e realizando-se as diligências diante mencionadas (se for o caso), seguindo-se até final condenação"

No caso de delitos contra a vida, o pedido não será pela condenação, mas pela procedência da denúncia para o fim de pronunciar o réu.

Junto à denúncia, pode ser oferecido rol de testemunhas e procedida a juntada de documentos, lembrando que o inquérito ou termo circunstanciado sempre a acompanhará quando lhe servir de base (artigo 12 do CPP).

É comum o rol vir na seqüência do dispositivo e trazer completa qualificação das testemunhas. De certa forma, a qualificação por demais pormenorizada acaba por expor a testemunha. Por outro lado, é direito do acusado ter plena ciência de quem são as testemunhas, até para que possa contraditá-las. Desta forma, a fim de preservar a testemunha e não comprometer o direito de defesa, somente dados essenciais devem ser mencionados, como nacionalidade, estado civil, nome e filiação, mencionado-se o endereço com alusão à pagina do inquérito ou termo circunstanciado em que se encontra, o que, inclusive, facilita a localização posterior do depoimento onde este dado deve estar.

Também podem seguir-se ao dispositivo, na mesma peça, pedidos de diligências, de prisão, ou promoções. As diligências somente poderão ser as não essenciais, que não prejudiquem o oferecimento da denúncia, como por exemplo, postulando a juntada de um documento, a localização de uma testemunha ou acusado etc...

As promoções podem postular a extinção da punibilidade ou o arquivamento em relação a algum delito ou agente, ou ter por objeto pedido de restituição de coisas apreendidas formulado pelo acusado ou por terceiros.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Elaborando a denúncia criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1241, 24 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9196. Acesso em: 5 nov. 2024.

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