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Elaborando a denúncia criminal

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24/11/2006 às 00:00
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9- CONTROLE DA DENÚNCIA OU QUEIXA

Observados todos os aspectos já mencionados, deverá o propositor da denúncia atentar para o último controle, o dos prazos. No caso das ações privadas, há o prazo decadencial, que é de seis meses, conforme os artigos 103 do CP e 38 do CPP. A inobservância deste prazo induz extinção da punibilidade por força do artigo 107, inciso IV, do CP. O prazo não se suspende ou interrompe. Desta forma, se tramita procedimento investigatório, deve o querelante observar para que termine (ou forneça subsídios para a queixa) antes deste interregno. A decadência autoriza sua decretação de ofício e deve ser alegada pela defesa já na defesa prévia ou primeira oportunidade em que se manifestar nos autos.

No caso de ação pública, condicionada ou não, o prazo para denúncia será de cinco dias se o réu estiver preso e de quinze se estiver solto, contado o prazo, neste último caso, do último recebimento do inquérito ou termo circunstanciado pelo Ministério Público (artigo 46 do CPP). Também é de quinze dias o prazo caso a denúncia seja oferecida com dispensa do procedimento policial (artigo 39, parágrafo único, do CPP), contando-se do recebimento dos documentos ou informações (artigo 46, parágrafo 1º, do CPP).

Mas há prazos especiais na legislação extravagante. Na Lei nº 5.250/67 (Crimes de Imprensa), o prazo "prescricional" (na verdade é de decadência) é de três meses, conforme o parágrafo 1º do artigo 41. O prazo de aditamento da queixa é de dez dias (artigo 40, § 3º) e não de três, como ocorre no CPP. Atentar, ainda, para o fato de que o prazo de prescrição dos delitos é de dois anos, independentemente da sanção, conforme o artigo 41, caput. O prazo para queixa subsidiária é de 10 dias (artigo 40, § 1º).

Na Lei nº 8.038/90 (processos de competência originária dos tribunais), o prazo em caso de réu preso também é de cinco dias, havendo expressa menção de que não haverá suspensão em vista de pedido de novas diligências, exceto se for relaxada a prisão. Em caso de réu que não esteja preso, o prazo é de quinze dias, com interrupção em caso de diligências.

No Código Eleitoral, o prazo para oferecimento da denúncia é 10 dias (artigo 357, da Lei nº 4.737/65).

Na revogada Lei de Tóxicos (Lei nº 10.409/02), o prazo é de dez dias (artigo 37, caput), prazo mantido na nova legislação (Lei nº 11.343/06), em seu artigo 57, caput.

Na Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/65), o prazo é de 48 horas (artigo 13, caput).

A inobservância dos prazos no caso da ação pública não tem maiores conseqüências diretas, podendo, porém, repercutir sobre a segregação cautelar, embora os vencimentos de prazos somente possam autorizar o deferimento do writ quando irrazoável sua superação, valendo lembrar que o prazo de término da instrução no procedimento comum, que é de ordem jurisprudencial e é de 81 dias, é contado globalmente, e não de forma individualizada.

Oferecida a denúncia, cumprirá ao magistrado proceder ao seu controle tendo em mira os vetores dos artigos 41 e 43 do CPP. Diante da ausência de requisitos essenciais, a denúncia não poderá ser recebida. Em regra, o não recebimento não impede nova propositura da ação penal, desde que suprida a falha ou omissão.

Já no caso do artigo 43, temos rejeição, sendo que há verdadeiro julgamento antecipado do mérito. Com efeito, segundo o artigo 43, inciso I, a denúncia ou queixa será rejeitada quando o fato evidentemente não constituir crime, hipótese que corresponde exatamente ao artigo 386, inciso III, do CPP. Se o fato narrado nem mesmo em tese constitui ação típica fica afastada de plano a plausibilidade da acusação, sendo possível julgamento de mérito. Mas note-se, somente a atipicidade da conduta primu ictu oculi é que legitima a rejeição da denúncia. [30]

Quanto ao princípio da insignificância como fundamento da rejeição espelhada neste dispositivo, há reservas. No julgamento da Apelação Crime nº 70011545449, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, o Relator, Desembargador João Batista Marques Tovo rejeitou esta possibilidade, conforme se verifica em seu voto:

"Não se pode afirmar, de antemão, que o fato narrado não constituiu crime. Isso porque a imputação diz respeito a fato que não dispensa a produção de prova para a apreciação de sua correspondência à norma jurídica, havendo a alegação do acusado de que a res era de sua propriedade e as circunstâncias de sua conduta. Ademais, o valor da res (R$ 500,00), em princípio, não parece ser insignificante. Aliás, não importa, nesse momento e no caso concreto, que não tenha havido prejuízo, ou que tenha sido de pouca monta.

Entretanto, ressalto que o juízo de admissibilidade da ação penal não vincula o julgamento do mérito, de modo que o argumento pode ser repetido, diante da prova a ser colhida, se for o caso e se assim entender a eminente Julgadora." [31]

No mesmo diapasão, o julgamento da Apelação Crime nº 70014960777, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, relator o Desembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, em cujo voto se lê:

"A decisão que rejeitou a denúncia, considerando a conduta como delito de bagatela, pela insignificância, se mostra equivocada, pois se trata de furto praticado em concurso de agentes e com rompimento de obstáculo, sendo que não deve ser levado em consideração apenas o valor dos objetos subtraídos, mas também, dentre outros elementos, as conseqüências da prática delituosa. No caso concreto, somente o dano causado no veículo, segundo o auto de constatação de dano, foi de R$ 90,00 (noventa reais), e além disso, deve ser contabilizado também o desvalor da ação levada a efeito pelo acusado, que, inclusive, foi preso em flagrante e possui dois processos em andamento, ambos crimes contra o patrimônio e praticados com o mesmo modo de execução, qual seja, furto praticado em concurso de agentes e com rompimento de obstáculo (fl. 29).

Cabe ressaltar, que embora o apelado não tenha alcançado o sucesso na empreitada criminosa, verifica-se a ousadia e audácia na sua tentativa de subtrair os bens.

É certo que o Judiciário está assoberbado de processos, mas não se pode esquecer da vítima que, espoliada de seus bens, procura resposta legal ao ataque sofrido. Além do que, a instrução processual poderá, até, conduzir ao posicionamento esposado na decisão atacada, mas rejeitar-se a denúncia, especialmente quando já recebida, parece atuação precipitada, e não é isso que a sociedade espera do Judiciário.

Portanto, tendo o acusado praticado conduta antijurídica prevista no Código Penal, não há como, de imediato, aplicar-se o princípio da intervenção mínima vigente na seara penal, considerando-se essa conduta como delito de bagatela e insignificante, porque se estaria, inclusive, incentivando a prática de delitos semelhantes, com segurança e certeza da impunidade.

Desta forma, atendidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, e estando a conduta típica e jurídica devidamente descrita na denúncia, não há porque, de plano, ser rejeitada." [32]

No inciso II, há rejeição se já estiver extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa. As causas de extinção da punibilidade estão no artigo 107 do CP, em rol que não é exaustivo. Implicam comprometimento do próprio direito material (jus puniendi), de forma que também há julgamento de mérito. Obviamente que se a hipótese não for evidente, como é o caso da prescrição, há necessidade de que existam elementos nos autos que autorizem concluir pela presença da causa.

O inciso III contempla hipótese de ilegitimidade de parte ou ausência de condição para o exercício da ação. Poderia ter dito simplesmente falta de condições da ação ou de procedibilidade. Mas no caso deste inciso, o parágrafo único ressalva a possibilidade de propositura da ação se sanado o defeito. Há uma impropriedade neste parágrafo único, pois se alterado o querelante ou o réu, na verdade, utilizando-se dos elementos de identificação da ação (eadem pars, eadem petitum, eadem causa petendi) [33]verifica-se que é uma nova ação, e não a mesma, que está sendo proposta. Ela somente será a mesma se com os mesmos elementos e suprida a falha for novamente proposta.

Se o julgamento é de mérito, então há formação de coisa julgada, mas há divergência quanto ao recurso cabível. É que no Estado do Rio Grande do Sul há predominante corrente jurisprudencial que entende que, em caso de rejeição, o recurso cabível é apelação, e não o recurso em sentido estrito.

De qualquer forma, a divergência implica aplicação do princípio da fungibilidade.

Uma vez recebida a denúncia, o seu controle recairá especialmente na defesa, a quem cumpre, por dever de ofício, verificar a regularidade da peça e apontar tudo quanto possa interessar à defesa do acusado.

Lastimavelmente se tem preconizado nas faculdades que a defesa prévia deve limitar-se a postular singelamente a inocência do acusado e apresentar rol de testemunhas a fim de "não abrir a estratégia da defesa". Nada mais equivocado. É este o momento para que defeitos da denúncia sejam apontados, até mesmo para se evitar que o réu seja submetido à necessidade de ter de passar por uma instrução, e ter de aguardar um julgamento.


10 CONCLUSÕES

O direito penal e o processo penal tratam dos interesses e direitos mais valiosos para a sociedade moderna. O caráter fragmentário e excepcional da intervenção penal indica que o fato jurídico subjacente (delito) e suas conseqüências (sobretudo a pena) apresentam invulgar importância para a sociedade como um todo e para cada indivíduo que nela vive.

Um sistema penal adequado é imprescindível para o Estado e para a sociedade. Sem a previsão de pautas de comportamento sancionadas a vida em sociedade seria inviável. Por outro lado, há necessidade de um sistema processual de máximo garantismo, a fim de que as grandes conquistas dos direitos individuais e liberdades públicas sejam mantidas intangíveis.

Nesta perspectiva, é necessário que cada profissional e estudante de direito reflita seriamente acerca da importância destas duas disciplinas. Esta reflexão deveria, também, induzir uma mudança de mentalidade nas nossas faculdades, mais voltadas ao direito privado. As matrizes privatistas que colmataram a formação dogmática moderna do direito tem perdido espaço no Estado Democrático Social de Direito que se desenha como opção do atual momento.

Movidos por esta consciência, devemos dedicar mais atenção ao direito público, e especialmente ao direito penal e processual penal. Também não deve ser olvidada a necessidade de que o ensino tenha em perspectiva a atividade prática, para que o conhecimento não se transforme em estéril teoria.

Assim como ocorre com a exordial cível, a denúncia representa juntamente com a sentença ou acórdão, momento crucial do processo penal. Suscita múltiplas e variadas questões e demanda uma singular cautela em sua elaboração, pois nela se condensa todo o sistema de valores constitucionais, direta ou indiretamente.

Movido pela intenção de compartilhar um pouco de conhecimento e alguma experiência amealhada, pus-me a escrever o presente trabalho. Muito do que aqui explanado, que é apenas fração do que há para se discutir, certamente não tardará a perder, ao menos em parte, atualidade, ainda que a dinâmica do processo penal não se tenha revelado de forma tão incisiva como a do processo civil.

É por isso que a pretensão maior, que espero tenha sido atingida, é chamar a atenção para o fato de que muito há a aprender fora dos bancos acadêmicos, e para a necessidade de estudo e aprimoramento constante em cada área.

Encerro assim este trabalho como sentimento de satisfação da tentativa de contribuir para discussão de idéias e difusão de um pouco de conhecimento e experiência, colocando-me a disposição dos colegas para o debate, que é nossa grande ferramenta de pesquisa.


Notas

01 Sobre o tema, ver o meu "Jurisdição, Ação e Processo à Luz da Processualística Moderna: Para onde caminha o processo?" na Revista Forense, nº 376, p. 145-180.

02 A visão do processo centrada na ação toma a como centro de gravidade a ótica de quem exerce o direito. A visão centrada na jurisdição, toma em linha de conta a ótica do Estado. É inegável que a ação está a serviço da jurisdição, sendo apenas uma das múltiplas opções de que poderia se valer o legislador para dar concretude do exercício da jurisdição. A visão centrada na ação ressente-se de muitas imprecisões diante de conflitos de direito público, ao passo que a a visão centrada na jurisdição presta-se a resolver com maior facilidade toda a gama de problema práticos envolvidos no complexo fenômeno da administração da justiça.

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03 Hélio Tornaghi. A Relação Processual Penal, 2ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 1987, p. 134.

04 J. E. Carreira Alvim, Elementos de Teoria Geral do Processo, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1997, p. 120.

05Teoria Geral do Processo, 14ª edição, Malheiros, São Paulo, p. 253.

06 DJ 19/02/96.

07 A respeito, após a CF/88 decidiu o STF: "Ação penal por contravenção. Constituição Federal de 1988, art. 129, I. Entre as funções institucionais do Ministério Público está a de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. Legitimidade do Ministério Público para promover, privativamente, a ação penal, na espécie. Nulidade do processo, ab initio, porque iniciada a ação penal por portaria do órgão jurisdicional." (RE 139.168. Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 10/04/92).

08 DJ 02/02/04.

09 HC 88.190, relatado pelo Ministro Cezar Peluso, disponível no informativo nº 438.

10 RHC 18698 / RJ. DJ 20.03.2006 p. 308, Quinta Turma, relatora Ministra Laurita Vaz.

11 HC 38495 / SC, DJ 27.03.2006 p. 334, Sexta Turma, relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa.

12 DJ 09.10.2006 p. 348.

13 Dj 01/08/03.

14 DJ 11/11/05.

15 Julgado em 26/08/2003.

16 DJ 06/10/03.

17 Recurso em Sentido Estrito nº 70015840002, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 16/08/2006.

18 A propósito, ver de minha autoria "A Estrutura Conceitual do Delito e o Finalismo" e "Responsabilidade Ambiental", disponíveis nos sites http://www.jus.com.br e http://www.jurid.com.br.

19 Julgado em 16/08/2006.

20 Julgado em 14/06/2006.

21 Embora exista acirrada divergência, é possível conceber-se uma lide penal onde interesses imediatamente oposto estejam em choque. De um lado, o jus libertais do acusado, de outro o jus puniendi do Estado. Digo diretamente porque indiretamente a liberdade também é um direito tutelado pelo Estado.

22 Habeas Corpus nº 70005217583, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 21/11/2002.

23As Nulidades no Processo Penal. 6ª edição, Revista dos Tribunais, 1999, p. 96.

24 DJ 09.10.2006 p. 362.

25 RHC 16173 / SP. DJ 20.03.2006 p. 304, relatado pela Ministra Laurita Vaz.

26 DJ 09.10.2006 p. 329.

27 DJ 18/09/98.

28 Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo Penal, 27ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1º volume, p, 396. Na menção, a primeira palavra corresponde à fórmula latina e a segunda à alemã.

29 A menção ao calibre da arma é efetivamente ".38", e não simplesmente "38", pois corresponde a 0,38 polegada. Calibre é a distância entre dois cheios do cano quando a arma é raiada.

30 Consultar a Apelação Crime Nº 70013442520, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em 15/03/2006.

31 Julgado em 15/09/2005. Em sentido contrário Apelação Crime nº 70015079221, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 17/08/2006.

32 Julgado em 16/08/2006.

33 É a teoria da lavra de Chiovenda que foi expressamente agasalhada pelo artigo 301, parágrafo 2º, do CPC, perfeitamente utilizável no processo penal.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Elaborando a denúncia criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1241, 24 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9196. Acesso em: 25 abr. 2024.

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