Análise sociológica do aborto no Brasil.

Da relação entre a violência contra a mulher e a decisão pelo aborto

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17/07/2021 às 13:55
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Como a violência de gênero influencia a decisão de abortar no Brasil? O aborto inseguro reflete desigualdades patriarcais, sociais e jurídicas, agravando riscos à vida das mulheres.

1. INTRODUÇÃO

No ordenamento jurídico brasileiro, o aborto é considerado crime, salvo algumas exceções dispostas em lei.

Contudo, em que pese a legislação não permita a prática do abortamento no Brasil, fato é que este, cada vez mais, faz-se presente na realidade do país, sendo que diversas mulheres colocam suas vidas em risco, quando precisam procurar clinicas clandestinas para sua realização.

Outro ponto importante, no que diz respeito a prática de tal crime no país, é o fato de que está, cada dia mais, associado a práticas de violência contra a mulher, praticadas no ambiente familiar, ou fora deste. Nesse caso, a mulher opta pelo aborto como uma solução para se findar de atos violentos e abusivos.

Assim, é exatamente sobre esse prisma que a presente pesquisa visa se fundar, qual seja, a análise do crime de aborto, sob a ótica da violência contra a mulher no Brasil. Este artigo compreende o contexto do aborto, da forma como hoje é concebido, como uma ação que traz consequências violentas às mulheres, desde consequências criminais a consequências morais, assim como danos às saúdes físicas e psicológicas, sequelas no sistema reprodutivo e até mesmo a morte (OMS, 2013).

Observando o noticiário diário, revistas, jornais, percebe-se que a violência contra a mulher no Brasil é algo alarmante, tanto que em 2015, houve a tipificação do crime de feminicídio, que prevê penas mais graves a quem mata mulheres, por questões de gênero. Ante a isso, abordar a respeito das consequências que decorrem, da prática de violência contra a mulher, faz-se de grande relevância, pois, em muitas situações, quando a mulher opta por findar com sua gestação, isto está ligado aos inúmeros atos de violência, humilhações, abusos, que vem a sofrer.

Assim, afim de que seja possível abordar sobre o tema em questão, será utilizada a metodologia de trabalho científico dedutivo, por meio de pesquisas em bibliografias, legislações, jurisprudências, pertinentes ao tema, com fim de demonstrar os fatores sociológicos do aborto e como este se relaciona com a violência contra a mulher.


2. SOCIEDADE PATRIARCAL: O FRUTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A subjugação da mulher tem raízes históricas, como na sociedade patriarcal, na qual a violência e opressão contra a mulher era vista como algo normal. No século XVI, Portugal havia descoberto o Brasil e tinha um grande interesse de colonizar suas terras e ampliar seus domínios, ao decorrer do tempo com a valorização do açúcar na Europa houve a necessidade de criação de grandes lavouras e latifúndios, consequentemente surgiram os primeiros engenhos.

A partir disto os portugueses se fixaram no Brasil, trazendo consigo uma cultura patriarcal, no qual as regras eram ditadas pelo chefe de família; o pai. No conceito de Regina Lins (2011), o patriarcado é uma organização social com base no poder do pai, em que os descentes e parentes seguem a linha do masculino, e na qual as mulheres são consideradas inferiores e, como consequência, subordinadas à sua dominação.

Sob o domínio do pater famílias, conhecido como senhor de engenho, estabelecia-se a casa-grande, parte mais importante dessas fazendas, as quais eram governadas por uma gerente doméstica que mantinha a ordem e organização da casa, chamada também de matronas ou matriarcas. A própria palavra família, cuja origem está no latim, famulus, significa conjunto de escravos domésticos, considerando-se como parte desse todo mulher, filhos e agregados. (LEAL, p. 167, 2004).

A mulher é tomada como sinônimo de família, sendo que, nesse ponto, não existe qualquer menção ao pai. Ao se tentar viabilizar os processos culturais mediante os quais o feminino está sempre no polo subordinado, visibilizou-se o masculino, naturalizando-o. (BERENICE, 2006, p. 73).

Nesse sentido, SCOTT, Joan Wallach explana (1995, p. 75): O patriarcado é uma forma de organização social onde suas relações são regidas por dois princípios basilares: as mulheres são hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens estão subordinados hierarquicamente aos homens mais velhos, patriarcas da comunidade.

Ressalta-se que o patriarcado não significava o pai em si como centro, e sim, o homem, no qual a sua autoridade prevalecia até mesmo sobre o poder do estado. Segundo Scott, J. (1995), “o patriarcado é uma forma de organização social onde suas relações são regidas por dois princípios basilares: as mulheres são hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens estão subordinados hierarquicamente aos homens mais velhos, patriarcas da comunidade”.

No patriarcado, há uma construção da identidade feminina e masculina através de atribuições que a sociedade dá a cada um deles, delimitando os campos em que cada um pode atuar (SAFFIOTI, 1987), incumbindo ao homem a esfera pública e a mulher à esfera privada.

A liberdade feminina, tanto da esposa como das filhas, era restringida do modo mais autoritário possível pelos patriarcas, que viam essas mulheres como propriedades suas. De acordo com José Carlos leal, o espaço feminino delimitava-se à missa, único local em que poderiam romper minimamente com sua clausura, pois a rua era um ambiente no qual estavam aptos a frequentar apenas os homens e as prostitutas, única mulher que podia caminhar sem restrições (LEAL, p. 168, 2004).

Explana SAFFIOTI (1987), que este aspecto de dominação e subordinação acaba construindo um pensamento de inferioridade na mulher; esta ideia teria surgido originalmente do fato de os homens, em geral, serem possuidores de maior força física do que as mulheres. Isto, porém, não deve ser tomado como regra, já que muitas têm atividades braçais que requerem muita força física tornando-as tão fortes quanto os homens.

Segundo Aguiar (2000, texto digital);

A discussão sobre o patriarcado tem indicado a existência desse fenômeno quando existe uma ausência de regulação da esfera privada em situações onde há um notável desequilíbrio de poder dentro dessa instância. A presença de violência doméstica, por exemplo, evidencia que a separação entre público e privado se deu de forma tão ampla que ocorrem situações de dependência no interior do espaço familiar, particularmente das mulheres com relação aos homens.

Saffioti (1987, p.12) ainda reforça que:

A ideologia da inferioridade da mulher é tão grande que até as mulheres que trabalham na enxada, apresentando mais produtividade que os homens, admitem sua fraqueza. Estão de tal maneira imbuídas desta ideia de sua inferioridade, que se assumem como seres inferiores aos homens.

Para Aguiar (2000, texto digital), “o patriarcado é um sistema de poder análogo ao escravismo”. Propondo que a inferioridade feminina é totalmente social, segundo Saffioti (1987), que ainda complementa que homens com alto poder político ou econômico, se utilizam de suas posições para explorar sexualmente mulheres que são suas subordinadas.

A evolução do direito traz um conceito novo de família, “como relação de afeto” (DIAS, 2012, p.49). A mesma autora entende que o modelo patriarcal romano está sendo abandonado, entrando em cena uma nova modalidade em que os membros são participativos e solidários em um mesmo nível, sem distinções de gênero. Para que a violência doméstica se configure é necessário que exista “um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação íntima de afeto deve ser a causa da violência”.

Ainda nessa sequência, a doutrinadora menciona que a violência cometida por ex namorado ou até namorado se aplica a Lei Maria da Penha e que após muitos problemas, o Superior Tribunal de Justiça – STJ reconheceu a competência da matéria como pertencendo ao juizado da violência doméstica (DIAS, 2012). Porém, não é algo pacífico.

2.1. Lei Maria da Penha: o início da proteção da mulher no ordenamento jurídico brasileiro.

Somente em 2006, com muita pressão da convenção interamericana de direitos humanos, houve a criação de uma lei específica para resguardar as mulheres que fossem vítimas de violência doméstica, a lei Maria da penha (lei 11.340/2006).

Conforme o entendimento de Amini Haddad Campos o nome ''Maria da Penha'' é uma homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, é uma farmacêutica brasileira que durante 20 anos lutou contra seu agressor, seu próprio marido Marco Antonio Herredia Viveros. Em 1983 houve a primeira tentativa de assassinato, quando ela levou um tiro nas costas do seu marido enquanto dormia, ficando como consequência paraplégica. O agressor tentou justificar sua conduta tentando afirmar que tratava de uma tentativa de roubo. A segunda tentativa de homicídio foi alguns meses depois quando Viveros empurrou Maria da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la durante o banho. Foi quando a vítima, cansada de tanto sofrimento procurou a justiça.

Demorou cerca de 15 anos o processo que havia sido instaurado pelo Ministério público. Em razão da omissão da justiça brasileira quanto á condenação do acusado, a vítima buscou órgãos internacionais protetores de direitos humanos. O caso foi apresentado à OEA (organização dos estados americanos) pela negligência e omissão do estado brasileiro, que mesmo após inúmeras denúncias ofertadas pela vítima não havia tomado nenhuma medida contra o agressor. (CAMPOS, Amini Haddad, p.143)

Todo o processo começou em 1988 no Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (Cejil) e no Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). Os dois órgãos juntamente com a vítima Maria da Penha Maia Fernandes formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) contra o estado brasileiro, tendo em vista que o Brasil não estava cumprindo com os compromissos internacionais assumidos para casos de violência doméstica

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu em 2001 o relatório nº 54/2001 responsabilizando o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Não atendendo o artigo 7º da Convenção de Belém do Pará, que diz:

Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e scan demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: a) abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação; b) agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punira violência contra a mulher; c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis; d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher; f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos; g) estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes; h) adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção.

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Marco Antônio foi preso apenas em 2002, vinte anos após o crime, poucos meses antes da prescrição da pena. Depois de um longo processo de luta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em setembro 2006 a Lei nº 11.340, conhecida por Lei Maria da Penha, uma grande conquista das mulheres, vítimas da violência doméstica. (CAMPOS, Amini Haddad, p.143).

Segundo o trecho de um discurso de Maria da Penha no evento de reparação simbólica e material, em 2008:

A dor e a humilhação que sofri ao longo de quase vinte anos, tendo que tolerar a má fé e a torpeza de muitos, tendo que bater de porta em porta para mendigar justiça é a mesma dor que me castrou o direito de acompanhar, mais de perto, o desenvolvimento de minhas filhas, hoje adultas e aqui presentes. É a mesma dor que lhes causou danos irreparáveis, pois não pude acompanhá-las à escola, aos passeios, não pude curar os seus machucados, não pude tomá-las no colo quando crianças e nem fazer o acalanto da maneira que nós, mães, gostamos de fazer. É a mesma dor que senti por temer causar-lhes dúvidas acerca da veracidade do que realmente aconteceu, veracidade essa, por duas vezes negada por aqueles que se propunham a fazer justiça. É a mesma dor que me dá a certeza de que nunca mais poderei correr ao encontro delas, para abraçá-las. Essa dor, senhores e senhoras, não tem preço. Essa dor está ligada à violação da dignidade da pessoa humana que o Estado jamais poderá reparar. Resta, porém, a alegria de saber que a decisão em reparar um erro da justiça serve para evitar que novos casos se repitam. Resta a alegria que o meu Estado me proporciona, hoje, neste momento, por honrar esse compromisso que extrapola seus limites territoriais e adentra na esfera internacional. (...) Estou feliz por receber essa indenização, porém a minha maior alegria continua sendo a existência da lei 11.340/06 chamada Lei Maria da Penha, que me permite dividir com cada mulher que sofre violência nesse país. É ela que garante que a dignidade da mulher exige respeito e que transforma a violência contra a mulher em crime contra os direitos humanos. (FERNANDES, 2010: 200-201).

Antigamente as mulheres não tinham esse amparo, fruto da desigualdade entre os homens e as mulheres, é explicito que o princípio constitucional da igualdade não surtia o efeito esperado.

A legislação brasileira, no período anterior à Lei Maria da Penha, constava com instrumentos legais contraditórios referente à violência contra a mulher, pois a Lei 9.099/95 (Leis dos Juizados Cíveis e Criminais – Jecrims) ao incluir a violência contra a mulher no rol dos “crimes de menor potencial ofensivo”, “praticamente descriminalizou as violências mais comuns cometidas contra as mulheres por tais agentes – lesões corporais e ameaças, dentre outras” (BARSTED, 2003:15).

2.2. Aspectos sócio jurídicos do feminicídio

Ganhando o feminicídio status de crime hediondo como meio para evitar a violência de gênero, este tem por escopo resguardar os direitos das mulheres e suas garantias fundamentais, tendo em vista que sua tipicidade, por conta da lei 13104/2015, demonstra o começo de uma modificação jurídica e social na consciência coletiva e um meio de proteção da violência contra a mulher.

As providências tomadas pelo Brasil, no que diz respeito a proteção feminina, são atuais, quando comparadas com as de outros países sul-americanos, sendo que em mais de quatorze países do continente há legislações que respaldam o feminicídio como crime (MACHADO, 2015).

Em que pese seja um marco na luta feminina pela promoção de seus direitos, de todas as inovações e conquistas, mais de uma década após da Lei Maria da Penha, certas questões são colocadas, no que diz respeito a sua efetivação para encarar a violência contra a mulher.

Nessa monta, Campos apresenta que, no que diz respeito ao reconhecimento de direitos, não há dúvidas que tal lei foi bem efetiva:

Em análise à Lei 11.340/06, observamos que a mesma detém consideráveis repercussões no âmbito jurídico, criando trâmite inovador de garantia, decorrentes dos acréscimos efetivados no campo do Direito Penal, do Processo Penal, da Execução Penal, do Direito Civil, do Processo Civil, do Direito Administrativo, do Direito Trabalhista e do Previdenciário, tudo isso para maximizar a ordem jurídica no que se refere à integração sistêmica de benefícios assistenciais e de proteção, buscando, sempre a devida concreção dos direitos e garantias fundamentais, na máxima constitucional do princípio da inafastabilidade (CAMPOS, 2012, p. 145).

Contudo, é possível observar que esta não é efetiva para evitar o cometimento mais estremo de violência, que seria o assassinato de mulheres por conta de seu gênero. Sendo importante que seja dado ao feminicídio o reconhecimento de um novo crime disposto no Código Penal.

A lei do feminicídio fora criada ante a uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito a respeito da violência contra a mulher, a qual tinha por intuito a investigação cometida contra as mulheres nos estados brasileiros, de março de 2012 a julho de 2013, tendo “a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência” (BRASIL, 2013).

No entanto, é possível levar em conta que tal iniciativa por parte do legislativo é resultante de um empoderamento político feminino, que começaram a ser reconhecidas como sujeitos sociais possuidoras de direitos e, em consequência disso, iniciaram a cobrança de que este fosse reconhecido perante toda a sociedade que não podia permanecer parada diante de tal realidade.

A já referida lei 13104/2015, que inseriu o feminicídio como uma das qualificadoras do crime de homicídio, mudou o Código Penal brasileiro, dando uma punição com maior rigor aos transgressores que cometerem homicídio por conta da condição do sexo, mudando também o artigo 121, CP, para expressar o feminicídio como causa qualificadora do crime de homicídio, e o artigo primeiro da lei 8072/1990, para colocar tal crime em seu rol de crimes hediondos. Desse modo, existe mais de uma modalidade de homicídio qualificado.

A nova disposição legal apresenta a seguinte redação:

Homicídio qualificado § 2º [...] Feminicídio VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: § 2º – A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Aumento de pena § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Tal legislação não apresenta somente uma alteração da ótica legislativa no Brasil, que tem uma visão mais restrita da simbologia das leis, porém dando ensejo aos avanços, inclusive no aspecto comportamental e no relacionamento com o gênero feminino, de maneira a não apenas dar garantia aos direitos, como também, resguardar sua efetividade (SIMIONATO, 2015).

No que diz respeito a definição de feminicídio, Pasinato explica que, para que seja possível sua caracterização, a ação (matar) não deve ser cometida de maneira isolada, devendo haver um histórico de violência e intenção.

[...] outra característica que define feminicídio é não ser um fato isolado na vida das mulheres vitimizadas, mas apresentar-se como o ponto final em um continuum de terror, que inclui abusos verbais e físicos e uma extensa gama de manifestações de violência e privações a que as mulheres são submetidas ao longo de suas vidas. Sempre que esses abusos resultam na morte da mulher, eles devem ser reconhecidos como feminicídio (PASINATO, 2011, p. 224).

De outra monta, afim de que o delito seja enquadrado como feminicídio é de suma importância que este detenha 2 características: a violência doméstica e familiar (art. 121, § 2º-A, I), e o menosprezo ou discriminação da condição de mulher (art. 121, § 2º-A, II). Outro ponto relevante para sua qualificação seria o menosprezo da condição de mulher, artigo 121, §2°-A, II, CP, por conta do inter-relacionamento de pôr e submissão do sujeito sobre a vítima, a qual termina sendo oprimida e humilhada por conta de ser mulher (OLIVEIRA, 2015).

Tendo em vista que, o feminicídio, é o assassinato de uma mulher por conta de seu gênero, é importante notar que se trata de um crime que acontece, geralmente, no íntimo dos relacionamentos e com grande frequência sendo caracterizados por maneiras de grande violência e barbárie. São delitos que possuem o impacto silenciado, sendo cometidos sem qualquer distinção de cultura, raça, local ou classe social, além de serem a definição da perversão de uma tipologia de dominação masculina, que insiste em permanecer na cultura do país (AQUINO, 2015).

De acordo com a definição do relatório final da, já mencionada, Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a respeito da violência contra a mulher:

O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante (BRASIL, 2013, p. 1003).

Segundo Machado (2011), o feminicídio ainda está em uma categoria em construção no país, tanto em seu aspecto sociológico quando no jurídico, visto que a violência se encontra baseada nas estruturas sociais, além de ser parte do aprendizado da sistemática de socialização, independentemente dos padrões socioeconômicos de pertencimento. Ante a tal contextualização, a criminalização do feminicídio tem por escopo a contribuição para a base de políticas que enfrentem tal maneira extrema de violência.

De acordo com Castells (2010), o agir mais efetivo do Estado afim de prevenir a morte de mulheres inclui a necessária atenção aos casos de agressão que são vistos como de menor gravidade, o devido cumprimento de punição de agressores e garantia aos direitos humanos femininos.

De acordo com o apresentado, diversas são as modificações nos aspectos legislativos e jurídicos no que diz respeito aos direitos femininos. Tipificar o feminicídio foi um importante passo, ante a dívida da sociedade em relação a elas, contudo, a judicialização do feminicídio é somente uma das diversas outras mudanças que o Brasil deve pôr em prática para mudar efetivamente tal cenário (OLIVEIRA, 2015).

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