Análise sociológica do aborto no Brasil.

Da relação entre a violência contra a mulher e a decisão pelo aborto

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17/07/2021 às 13:55
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CONCLUSÃO

O aborto, ainda que ilegal, aparece neste estudo como uma forma da mulher responder aos processos de violência, intrínsecos à sociedade patriarcal, podendo também ser entendido como a busca por autonomia, pelas decisões sobre sexualidade, desejos, e escolhas relativas ao próprio corpo.

Diversos autores apontam que a violência é fruto da desigualdade de gênero, sendo esta naturalizada pela cultura, portanto, perpassa diversas sociedades e está enraizada nas pessoas, que cometem os atos violentos e também em muitas mulheres que se encontram nesta situação.

Esta barreira cultural dificulta a autonomia feminina, pois ideologicamente muitas mulheres são controladas e acreditam que devem ser submissas aos homens, o que, por vezes, dificulta a denúncia, conclui-se, então, que estes comportamentos são resquícios históricos da dominação masculina.

A violência também ocorre em diversos espaços da sociedade, de forma visível ou invisível, ocorrendo, predominantemente, no ambiente doméstico, e, por vezes, são constantes os casos de reincidência da violência.

Ante a esse contexto, muitas mulheres enxergam no aborto como um caminho para, além de não levarem a diante uma gravidez indesejada, findarem com todas a violência e abusos, que acabam por sofrer.

Desse modo, observa-se que tratar sobre o aborto no Brasil, vai muito além de falar a respeito de sua descriminalização, é um tema que possui suas raízes em diversos contextos sociais. Mesmo que seja uma conduta criminosa, as condutas de abortamento estão presentes no Brasil, podendo-se observar consequências bem mais graves, principalmente, em locais de extrema pobreza, pois oferecem menos estruturas para um aborto seguro.

Portanto, mais do que discutir sobre a legalidade, ou não, do ato de abortar, e julgar as mulheres que tomam a decisão de interromper a gravidez, o Estado precisa buscar novas diretrizes, que atenda a necessidade de todos, abrangendo a saúde de reprodução, orientação e educação, planejamento familiar, qualidade de assistência a mulher, o controle de natalidade, além do mais polêmico de todos, a questão da liberdade da mulher com o seu próprio corpo.


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