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A internalização de tratados internacionais no Brasil

02/08/2021 às 12:00

Resumo:


  • O Direito Internacional Público é essencial para regular as relações entre os Estados e os tratados internacionais são acordos formais que produzem efeitos jurídicos entre as partes.

  • A internalização de tratados no Brasil segue um iter procedimental que envolve negociação, assinatura, referendum e ratificação, sendo essencial para sua vigência e executoriedade no território nacional.

  • No Brasil, a questão dos conflitos entre o Direito Internacional e o Direito Interno tem sido abordada com uma visão monista moderada, onde os tratados internacionais são incorporados ao ordenamento jurídico nacional por meio de um processo legislativo que envolve aprovação do Congresso e promulgação pelo Presidente, com a Constituição Federal como parâmetro de validade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O conflito entre monistas e dualistas, no que diz respeito à incorporação de normas do direito internacional pelo direito interno, especialmente após a mitigação de ambas as correntes nas últimas décadas, perdeu grande relevância.

RESUMO: O presente artigo intenta realizar uma breve abordagem sobre a internalização de tratados internacionais. Além de apresentar um histórico de como chegamos ao estágio atual do direito das gentes, passar-se-á a descrição da dinâmica procedimental dos tratados e dos eventuais conflitos que estes possam enfrentar diante do Direito interno.

PALAVRAS-CHAVE: Tratados Internacionais. Direito Internacional. Direito dos Tratados. Iter procedimental. Monismo. Dualismo. Internalização de Tratados Internacionais.

SUMÁRIO: Apresentação / 1. Evolução do Histórica Direito Internacional / 2. O Direito dos Tratados / 3. O Iter Procedimental dos Tratados Internacionais / 4. O Conflitos entre o Direito Internacional e o Direito Interno / Referências Bibliográficas


1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO INTERNACIONAL

A sobrevivência, objetivo que segundo o filósofo inglês Thomas Hobbes encontra-se marcado em toda e qualquer ordem social (BULL, 2002), tem guiado os mais diferentes povos ao entendimento mútuo e ao estabelecimento de mecanismos conjuntos de limitação, assim sendo travadas às guerras e a paz desde a antiguidade. De fato, o registro mais antigo da fonte central de Direito Internacional, os tratados internacionais, encontra-se na celebração de paz entre Hatusil III, rei dos hititas, e Ramsés II, faraó egípcio, no período de 1280 a 1272 a.C. (REZEK, 2011).

O Direito internacional que hoje definimos como ramo autônomo, tem suas raízes como disciplina a partir dos trabalhos de Francisco de Vitória, Francisco Suarez e Hugo Grotius, no fim do século XVI e começo do século seguinte. Vitória cunhou a expressão Direito das Gentes, Ius Inter Gentes, como o ramo de direito aplicável a toda a humanidade, essencial para aquele momento posterior as grandes navegações e onde havia um contato constante entre a civilização europeia, herdeira do Ius Gentium romano, e os indígenas do Novo Mundo. Grotius escreveu a primeira obra sistêmica sobre o tema, intitulada De Jure Belli ac Pacis.

Ainda que estes autores tenham escrito seus trabalhos previamente, grande parte da doutrina reconhece o nascimento do Direito Internacional somente a partir da Paz de Westfália, que em 1648 deu fim a Guerra do Trinta Anos, conflito bélico que destruiu a Europa Central devido ao embate entre católicos e protestantes. Este marco é assim reconhecido pela gênese do Estado Nacional como se conhece modernamente, sedimentado nos conceitos de Estado e Soberania, lançando as do sistema internacional que prevaleceria no ocidente até o Congresso de Viena, em 1815.

O postulado da igualdade soberana entre os Estados traduziu-se no estabelecimento de vontades singulares dispostas numa sociedade descentralizada, onde prevalece primordialmente o consentimento. A autodeterminação pode ou não levar a uma eventual aquiescência diante de instrumentos jurídicos. Não há autoridade superior que dê causa a vigência da ordem jurídica. Cada Estado opta por adotar determinada ordem jurídica ou determinada jurisdição baseado no princípio do pacta sunt servanda. Propugna Mazzuoli (2011):

Pode-se dizer que a afirmação histórica do Direito das Gentes e, consequentemente, a prova de sua existência decorreu da convicção e do reconhecimento por parte dos Estados-membros da sociedade internacional que os preceitos do Direito Internacional obrigam tanto interna quanto internacionalmente, devendo os Estados de boa-fé respeitar (e exigir que se respeite) aquilo que contrataram no exterior. 

Ao fim do século XVII e início do século XVIII, germinaram na Europa ocidental pensamentos burgueses contrários ao absolutismo vivido até aquele momento. Este movimento conhecido como iluminismo, teve seu ápice com a revolução francesa em 1789, que disseminou os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade pelo continente e além, o que seria fundamental para o desenvolvimento futuro de subcampos do Direito Internacional, como o Direito dos Direitos Humanos e o Direito Humanitário. 

As revoluções liberais que transcorreram em seguida sedimentaram de uma vez por toda o pensamento burguês e iniciaram outro processo muito importante, o constitucionalismo, que foi de grande contribuição para o fortalecimento da ordem internacional. Neste período o Direito Internacional foi brindado de forma robusta com uma crescente positivação, com especial destaque para as duas Conferências de Paz de Haia que se realizaram em 1899 e 1907. O subsequente crescimento do nacionalismo, especialmente simbolizado nas unificações alemã e italiana, fortaleceu ainda mais a noção de Estado-Nacional, figura central do Direito Internacional. Some-se a isto o processo de independência das antigas colônias americanas, fato que expandiu o direito internacional, antes visto como um ramo essencialmente europeu do direito.

A corrida industrial e o neocolonialismo acirraram as disputas entre as grandes potências europeias, ao ponto do equilíbrio de poder e a realpolitik Bismarckiana eclodirem naquele que seria, até o momento, o maior conflito armado da história da humanidade (KISSINGER, 1994). A Grande Guerra, travada inicialmente entre a Tríplice Aliança, formada pelo Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e o Reino da Itália, e a Tríplice Entente, composta por Inglaterra, França e Rússia, duraria quatro anos e remodelaria a ordem internacional vigente. Os Estados Unidos da América entrariam posteriormente do lado vitorioso, a Rússia se retiraria do conflito e se tornaria a União Soviética, os impérios Austro-húngaro e Turco-Otomano seriam esfacelados e o Imperador Alemão seria deposto e a Alemanha sofreria pesados encargos de guerra que soterrariam sua economia. 

Sob a égide do Direito das Gentes, o fim da Grande Guerra abarcou novos instrumentos e cenários a seu arcabouço. Foram celebrados diversos tratados que formalmente deram fim ao conflito e estabeleceriam as bases geográficas e militares da Europa nas décadas vindouras, sendo o mais icônico destes o Tratado de Versalhes, que estabeleceu os termos da rendição alemã. Além disto, Instituiu-se a Corte Permanente de Justiça Internacional de Haia, em 1920, e constituiu-se aquela que pretendia ser a primeira organização internacional de caráter universal: a Sociedade das Nações, capitaneada pelo então presidente estadunidense, Woodrow Wilson (BULL. 2002). Ainda que estes marcos não tenham logrado êxito em suas funções precípuas, uma vez que a humanidade se veria imersa num conflito ainda maior a partir de 1939, não se deve descartar a importância histórica destas instituições, até porque a lógica das mesmas seria reportada mais à frente.

Os tratados internacionais assinados no Pós-Grande Guerra mostraram-se insuficientes para conter o ímpeto belicoso da Alemanha Nazista, que acabaria por invadir a Polônia no fim do verão de 1939, levando a uma guerra generalizada que se espalharia por diversos continentes e deixaria um saldo de mais de 50 milhões de mortos durante seis anos de conflito global. De um lado estavam os Aliados, Inglaterra, França, União Soviética e Estados Unidos da América, do outro os países do Eixo, liderados por Alemanha, Itália e Japão. O teatro de operações europeu e japonês foram destruídos, a Alemanha foi dividida e Estados Unidos da América e União Soviética despontaram como as primeiras superpotências da história da humanidade.

A destruição gigantesca acarretada pela Segunda Guerra Mundial, alinhada ao temor da confrontação nuclear entre o mundo capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América, e o bloco comunista, encabeçado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, além das inúmeras atrocidades perpetuadas principalmente pelo Nazismo, foram um divisor de águas na história da humanidade e também do Direito Internacional. A aparente ineficiência deste diante da eclosão do segundo conflito mundial, levou a uma conscientização maior da necessidade de fortalecer as discussões em âmbito multilateral e a importância do princípio do pacta sunt servanda. 

Neste escopo, o marco primordial deste novo momento do Direito Internacional foi a assinatura em 26 de junho de 1945 da Carta das Nações Unidas, também conhecida como Carta de São Francisco, a qual criou a Organização das Nações Unidas (ONU), instituição supranacional depositária do Direito Internacional Público. A própria carta já continha, também, em seu bojo, a previsão de um órgão jurisdicional supranacional, a Corte Internacional de Justiça. A Carta das Nações Unidas foi elaborada pelos representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional, que se reuniu em São Francisco de 25 de abril a 26 de junho de 1945.

Com a instituição da ONU vemos uma multiplicação de foros multilaterais e regionais. São criadas agências dentro do sistema ONU, como o PNUD, PNUMA, UNICEF, OMS, ECOSOC, CDH, ACNUR, FAO, UNESCO, OIT, AIEA, que cuidam de temas diversos de interesse universal como desenvolvimento, meio ambiente, direitos das crianças, saúde, educação, economia, direitos humanos, refugiados, alimentação e outros mais. Além disto, assistimos à criação ou o reforço de outras instâncias multilaterais impulsionadas especialmente pelo crescimento do comércio internacional, tendo destaque neste quesito a Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como um fortalecimento da estrutura jurisdicional internacional com o estabelecimento da Corte Internacional de Justiça, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, Tribunais Penais Especiais Ad Hoc para Ruanda e para a Antiga Iugoslávia, e o Tribunal Penal Internacional.

Hodiernamente, o Direito Internacional define as prerrogativas legais dos Estados em sua conduta uns com os outros e uma parte considerável do tratamento dispensado aos indivíduos dentro de suas fronteiras. Este campo do Direito hoje concentra uma ampla gama de questões de interesse internacional como os direitos humanos, o desarmamento, a criminalidade internacional, os refugiados, a migração, problemas de nacionalidade, o tratamento dos prisioneiros, o uso da força e a conduta de guerra, entre outros. Também regula os bens comuns da humanidade, como o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, as águas internacionais, o espaço sideral, as comunicações e o comércio mundial. Atualmente, mais de 500 tratados multilaterais estão depositados junto ao Secretariado-Geral das Nações Unidas, bem como milhares de tratados foram celebrados regional ou bilateralmente nas últimas décadas.

2. O DIREITO DOS TRATADOS

Segundo Francisco Rezek (2011), “tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. Já a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 assim estabelece:  

1. Para fins da presente Convenção:

a) Tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.

Para a consecução dos fins desta publicação, adotar-se-á a definição colocada pela supracitada Convenção, tendo sido a mesma, ainda que tardiamente, ratificada e promulgada pela República Federativa do Brasil em 2009, servindo de parâmetro para a negociação, celebração e internalização de tratados internacionais no âmbito do Brasil.

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Conforme o professor Valério Mazzuoli leciona, a definição estabelecida pela Convenção de Viena, embora concisa apresenta elementos configurativos essenciais que delineiam a profundidade necessária diante da celebração de atos de tamanha importância. A saber:

A) Acordo Internacional. Existe a essencialidade do livre consentimento, da convergência de vontades entre as partes, havendo um elemento volitivo de repercussão jurídico-internacional, criando-se uma vinculação juridicamente exigível em caso de não cumprimento. 

B) Celebração por Escrito. Diferentemente dos costumes, os tratados implicam-se de uma formalidade obrigatória, que se traduz em sua escritura. Além disto, a escrituração, e subsequente publicidade, permite que os povos dos Estados envolvidos tenham conhecimento da conclusão daquele acordo, o que não se daria, integralmente, em caso de mera celebração verbal de vontades pelos plenipotenciários.

C) Conclusão entre Estados. Sendo o Estado o único sujeito pleno de Direito Internacional Público, uma vez que pode pactuar sobre qualquer matéria, condição não presente no que tange às organizações internacionais, somente estes podem assumir direitos e obrigações no âmbito externo. 

D) Regido pelo Direito Internacional. Há a intenção de contrair entre si obrigações jurídicas sob a égide do Direito Internacional Público, estando fora do governo do direito interno de um dos Estados contratantes.

E) Celebrado em Instrumento único ou em Dois ou Mais Instrumentos Conexos. Além do documento central de um tratado, este pode contar com instrumentos que o cercam como anexos ou protocolos, firmados ou não num mesmo momento.

F) Ausência de Denominação Específica. Há denominação “tratado” é, pois, genérica, existindo outras a depender da matéria, objeto ou fim presentes, cabendo apenas a análise quanto a presença dos elementos configurativos acima mencionados, para assim postular ao referido documento a denominação de tratado.

A partir deste entendimento pode-se destrinchar de que forma são estruturados os tratados, uma vez que em geral estes seguem um padrão de formatação estabelecido costumeiramente. Hildebrando Accioly (2009) elenca que o constructo de um tratado internacional se divide, basicamente, em seis partes: Título; Preâmbulo; Dispositivo; Fecho; Assinatura; e Selo de lacre. Especial destaque se dá as partes preambulares e ao dispositivo, sendo estas duas o cerne do tratado per se.

Ainda quanto a catalogação dos tratados internacionais, embora a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 tenha tido parcimônia em relação a constituir algum rol classificativo sobre os tratados internacionais há na doutrina ensaios que versam sobre o arrolamento dos tratados em classificações e subclassificações diversas. Para os fins deste trabalho, utilizar-se-á a classificação construída pelo professor Valério Mazzuoli.

Mazzuoli inicia seu estudo diferenciando os tratados internacionais no que tange ao seu número de partes, separando-os entre os bilaterais, acordados entre duas partes, e os multilaterais, também conhecidos como coletivos, negociados entre diversas partes, geralmente no âmbito de organismos internacionais. 

Uma segunda classificação se daria quanto ao tipo de procedimento utilizado para a sua conclusão. É salutar conhecer, por este locus classificatório, se, para que ocorra a expressão de consentimento pelo Estado-Parte, a conclusão do respectivo instrumento jurídico internacional dá-se através de duas fases, a assinatura e a ratificação, hipótese em que o tratado é classificado como bifásico ou stricto sensu. Sendo suficiente apenas uma fase para criar condições de vigência e validade ante a pactuação efetivada, tendo-se consentimento definitivo, o tratado é classificado como unifásico ou tratado em forma simplificada. Denote-se que o fato de se prescindir ou não da ratificação, envolve o direito interno de cada Estado e, muitas vezes, o grau de relevância a matéria elencada no respectivo tratado. Tratar-se-á novamente deste ponto mais a frente neste trabalho, quando forem aprofundadas as questões relacionadas ao iter procedimental de internalização dos tratados internacionais.

Os tratados podem ser também classificados como transitórios, territoriais ou executados. Esta categoria versa sobre instrumentos que tem sua execução exaurida simplesmente pela própria publicidade do ato internacional em questão. Entende-se que criam situações jurídicas estáticas, como o estabelecimento de fronteiras ou a tradição em definitivo de bens ou direitos. Em oposição a estes tem-se os tratados ditos permanentes, nos quais os compromissos não se executam num dado momento, pelo contrário, prolongam-se no tempo de vigência do ato internacional. Ressalta-se que é plenamente possível que um único tratado envolva partes que se identifiquem em cada uma das categorias citadas neste parágrafo.

No escopo dos tratados multilaterais, pode-se ainda classificar os mesmos quanto à sua estrutura de execução, diferenciando-os em mutalizáveis e não mutalizáveis. Os de tipo mutalizável caracterizam-se pelo fato de que um eventual descumprimento por algumas das partes não acarreta o comprometimento da execução do tratado como um todo. Já os imutalizáveis não possuem compartilhamento o plano de sua execução, ou seja, havendo descumprimento do acordo por alguma das partes o todo estaria comprometido, não sendo exequível a não aplicação somente em relação a parte violadora.

É de especial relevância a classificação atribuída quanto à natureza jurídica dos tratados. De um lado se tem os tratados-lei ou tratados normativos, que tem o condão de estabelecer normas gerais e abstratas de Direito Internacional Público, sendo pactuados normalmente por um número grande de Estados. A vontade convergente das partes nos tratados-lei concebe, portanto, uma regra objetiva de Direito Internacional, tendo-se, de facto, a codificação do Direito Internacional Público. Neste escopo encontram-se as grandes convenções coletivas, como as de Haia e Genebra, bem como a própria Convenção de Viena de 1969. Nos chamados tratados-contratos, por outro lado, não se concebe a criação de uma regra geral e abstrata de Direito Internacional, uma vez que as vontades das partes são divergentes, estando cada parte interessada no que pode angariar no acordo com a outra, não existindo uma finalidade comum, mas um acordo de vantagens recíprocas. Denote-se que este tipo de tratado se assemelha muito a um tipo contratual de Direito Interno, daí sua alcunha.

Por fim, os tratados podem ainda ser classificados quanto à possibilidade de adesão posterior ao seu escopo, podendo ser arrolados como tratados abertos ou tratados fechados. No âmbito dos tratados abertos encontram-se aqueles que estão sujeitos a participação de Estados terceiros que não participaram de seu processo negociador preliminar. De outra forma estão os tratados fechados, nos quais encontra-se vedada a possibilidade de participação além da consignada a seus membros originais, a não ser que um novo tratado seja celebrado entre as partes originárias e as partes aspirantes.

Após esta breve elucidação sobre o conceito, a estrutura e a classificação dos tratados internacionais, nos resta adentrar o iter procedimental de sua celebração a fim de explanar as fases inclusas na construção e posterior internalização deste instrumento jurídico, de forma a examinar as implicações ao arcabouço jurídico do direito interno de cada nação.

3. O ITER PROCEDIMENTAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS  

Em verdade, um tratado internacional é composto por uma cadeia de atos jurídicos que transcorrem sucessiva ou concomitantemente, a depender das fases em curso. Mariângela Ariosi (2004) aponta quatro principais fases, a saber: negociação; assinatura; referendum e; ratificação e promulgação.

A negociação, geralmente conduzida pelas respectivas legações diplomáticas e corpos técnicos concernentes, existindo um constante ajuste da terminologia adotada, bem como um controle prévio saneador. Havendo assentimento pela equipe negociadora, eventual plenipotenciário, ou seja, aquele que detiver plenos poderes estabelecidos pelo Chefe de Estado, procede com a assinatura do ato. No caso do Direito Brasileiro, já há a partir da assinatura a geração de obrigações ante os demais signatários, sem que, contudo, essas existam no âmbito interno.

Em seguida, passa-se ao debate no âmbito interno, com a consecução do referendum. No Brasil esse processo é descrito no Art. 49, I, da Constituição Federal. O Congresso Nacional deverá deliberar sobre a matéria e, caso aprove o tratado, emitir Decreto Legislativo, promulgado pelo Presidente do Senado Federal. Este decreto será então apreciado pelo Presidente da República, que em ato único, a edição de Decreto Executivo, realizará a ratificação e promulgação.

Denote-se que são conjugadas fases eminentemente internacionais e nacionais que são desdobramentos do ímpeto do Poder Executivo e do Poder legislativo, revestindo-se, assim, o tratado de legitimidade e viés democrático. Neste escopo, esclarece Mazzuoli (2011):

Quando regularmente concluídos os tratados ingressam no ordenamento jurídico interno com vida própria e com sua roupagem original de tratados, e nessa qualidade revogam a legislação anteriormente incompatível, tal como faria uma lei superveniente. E além de revogarem a legislação interna incompatível, tal como faria a norma posterior em relação à anterior, devem também os tratados serem observados pelas demais leis que lhe sobrevenham.

No que tange ao direito brasileiro, um tratado é incorporado ao arcabouço jurídico apenas através de sua promulgação pelo Presidente da República, recebendo, via de regra, status de lei ordinária. Cabe destacar que a partir da emenda constitucional nº 45/2004 “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (EMERIQUE, GUERRA, 2008). 

Há especial relevância quanto a posterior classificação da legislação gerada a partir da internalização do respectivo tratado internacional, procurando-se saber se essa se enquadra como norma programática, necessitando de regulamentação posterior, ou se reveste de auto-executoriedade, sendo plenamente exigível. Esta diferenciação não afeta a obrigatoriedade do tratado em si, mas desdobra-se em sua posterior interpretação, especialmente quanto a sua forma de execução, ou seja, sua eficácia e internalização na realidade daquele Estado-Parte. 

Não se deve olvidar que com o consentimento assentido através da promulgação de um tratado internacional cria-se uma responsabilidade do Estado em relação ao pleno cumprimento de suas obrigações internacionais, que se dá, no caso de normas programáticas, pela criação e implementação de legislações convencionadas no âmbito do ordenamento interno (execução indireta de obrigações de meio).

A implementação de medidas de efetivação do respectivo tratado fica dependente, conforme anteriormente elucidado, da natureza jurídica que o tratado adquire no direito interno (norma programática ou norma auto executável) e da existência de instrumentos no arcabouço jurídico nacional (infraestrutura e legislação) que o torne adequado à normativa constitucional. 

4. CONFLITOS ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO

Na transformação do instrumento de direito internacional em uma legislação de direito interno é usual que ocorram diversas problemáticas entre o que propugna o tratado ou convenção internacional e o arcabouço normativo de cada Estado. Desta forma, é importante que este trabalho explane, ainda que brevemente, sobre como se dá a recepção jurídica dos tratados internacionais pela lex patriae. Uma vez que já se falou sobre a incorporação pelo Poder Legislativo (aprovação pelo Congresso Nacional) e ratificação pelo Poder Executivo, passar-se-á ao que tange ao Judiciário.

A doutrina tem se dividido entre duas visões quanto a internalização dos tratados, que se distinguem por sua oposição mútua: monistas e dualistas. Cabe ressaltar, contudo, que dentro destas duas rotulações temos expressões que dão gradações diferentes as distintas aplicações na prática. Infelizmente, pouco se encontra na Carta Constitucional de 1988 que reflita de forma clara o que pensava o constituinte quanto a relação entre o direito internacional e o direito interno.

O pensamento dualista tem como seu principal doutrinador o jurista alemão Carl Heinrich Triepel. Para o autor, a norma jurídica é fruto de uma ordem superior que é imposta com objetivo de limitação das vontades humanas. No Direito das Gentes, não sendo possível a vontade coletiva impor-se, nota-se que a vontade fundamentadora normativa só é possível pela união das vontades dos diferentes Estados.

Para Triepel, Direito Internacional e Direito Interno “são dois círculos em contato íntimo, mas que não se sobrepõem jamais” (LUPI, 2009). O doutrinador alemão afirma também que, por gozarem de vontades diferentes, não há nulidade de norma interna que esteja em descompasso com norma jurídica de direito internacional, tendo, também, sujeitos diferentes. O judiciário deve aplicar o direito interno ainda que este esteja em desacordo com norma jurídica internacional.

O maior adversário do dualismo foi o jurista austríaco Hans Kelsen. De fato, o monismo jurídico, concebido por Hans Kelsen, explana que o direito constitui um sistema único, do qual são partes integrantes o direito internacional e o direito interno, podendo, a partir daí, surgir alguma possibilidade de conflito entre ambos e a necessidade de normas para soluciona-los. Kelsen elaborou, na realidade, um sistema em que a validade do direito interno é desdobrada a partir do reconhecimento do direito internacional. 

No caso brasileiro, as incursões antagônicas ocorridas nas versões puras de ambas as correntes, levaram a uma gradual mitigação mútua, de forma que a simples adoção de determinadas vias de solução de conflitos não imputam, necessariamente, a opção por uma ou outra corrente. Conforme elucidam Nádia Araújo e Inês Andeiuolo (1999): “Enquanto o dualismo utiliza o critério da necessidade de mecanismo de internalização dos tratados para distinguir fontes do direito interno de fontes do direito internacional, o monismo preocupa-se com a admissibilidade da existência de conflitos entre tratados e a ordem jurídica nacional, para saber qual deles deve prevalecer”.

A doutrina brasileira é, em sua maioria, monista (BINEMBOJM, 2000), optando pelo primado do direito internacional ante a legislação interna, podendo o tratado gerar impactos em legislações pretéritas, mas sendo indiferente a leis futuras que venham a dele diferir. Ressalta-se que tal pensamento encontra-se positivado no atual direito tributário nacional. Contudo, no que tange a eventual conflito com a Carta constitucional, a doutrina pátria posiciona-se pela primazia do texto constitucional. Sobre isto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é clara ao prever em seu art. 102, III, “b”, a competência do Pretório Excelso para julgar, mediante eventual recurso extraordinário, recurso que verse sobre causa lavrada em instâncias únicas ou últimas quando houver, a partir da respectiva decisão, declaração de inconstitucionalidade de tratado ou legislação federal. 

Destaca-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal foi ao encontro desta via de pensamento, tendo por diversas vezes (Representação n° 803-DF, RTJ 84/724, 1977; RE n° 109.173-SP, RTJ 121/270, 1987; RE n° 114784- SP, RTJ 126/804, 1987; RE n° 172720-RJ, 1996; ADIN n° 1480-3, 1996.) reiterado seu parecer favorável ao primado da Constituição Federal ante os tratado internacionais.

Cabe destacar que, embora intitulando-se monista, por muitas vezes utilizando, inclusive, o termo “monista radical”, a doutrina brasileira evitou construir questionamentos a exigibilidade, no direito brasileiro, da internalização dos tratados internacionais, como pressuposto de sua vigência e executoriedade no território brasileiro. A jurisprudência do STF e do Superior Tribunal de Justiça, por tempos reiteraram a interpretação que os tratados se incorporam em nível hierárquico semelhante à das leis ordinárias, estando sujeito aos postulados usuais de solução de conflitos entre normas de mesmo escopo hierárquico: lei posterior derroga lei anterior; e lei específica derroga lei geral, no que dela diferir.

Havia, portanto, uma posição jurisprudencial clara em favor do assim chamado “monismo moderado”. Todavia, faz-se necessária a reiteração que, conforme será visto mais especificamente na próxima seção, os tratados internacionais só operam efeitos no território nacional após percorridas as fases de seu iter procedimental para sua incorporação. Esta feita, cabe observar, também, que segundo já discutido nesta mesma seção, este tipo de situação configura uma característica de um sistema dualista per se. 

Desta forma, acercou-se um conflito interpretativo entre a configuração normativo-jurídica e a práxis da jurisprudência pátria. Atentando-se a este fato o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Celso de Mello, nos julgados da ADIN n° 1.480-3-DF e da Carta Rogatória nº 8.279, assim manifestou: 

Torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República. (...) Não obstante tais considerações, impende destacar que o tema à definição do momento a partir do qual as normas internacionais tornam-se vinculantes no plano interno excede, em nosso sistema jurídico, à mera discussão acadêmica em torno dos princípios que regem o monismo e o dualismo, pois cabe à Constituição da República - e a esta, somente - disciplinar a questão pertinente à vigência doméstica dos tratados internacionais. Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro - que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada).

Ante o até aqui explanado, este estudo compartilha da visão que o conflito, per se, entre monistas e dualistas, especialmente após a mitigação de ambos nas últimas décadas, perdeu grande relevância, uma vez que há posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais para ambos os lados. O fato é que, em ambos os casos, o apontamento é para versões híbridas, mitigadas, de ambas as correntes, seja o monismo moderado ou o dualismo moderado. Qual seja a nominação, há de fato critérios sólidos de resolução de conflitos entre os tratados e a legislação nacional, como explicado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Luis Paulo Mendes Dias

Bacharel em Direito pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS). Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). Especialista em Direito Internacional pelo Centro Universitário Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Especialista em Direito Público Aplicado pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Servidor público federal da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais - Analista Técnico de Políticas Sociais. Atuante nas áreas de Direito Público, Direitos Sociais, Direito Internacional e Direitos Humanos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Luis Paulo Mendes. A internalização de tratados internacionais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6606, 2 ago. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92133. Acesso em: 22 dez. 2024.

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