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Tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD).

ICMS. Incidência

08/12/2006 às 00:00
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Suscitam-se dúvidas a respeito da incidência do ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição, antes exigida pela concessionária que explorava o sistema elétrico, hoje cobrada pela concessionária do segmento da distribuição.

A reestruturação do setor elétrico, inaugurada em 1995, como se sabe, provocou seu desmembramento em quatro segmentos distintos e autônomos (geração, comercialização, transmissão e distribuição da energia elétrica), e, ao introduzir profundas alterações em sua estrutura setorial, exigiu a definição das características dos diversos segmentos, de seus agentes e respectivas formas de titulação, e de seu regime econômico-financeiro-tarifário, segundo já teve oportunidade de observar David A. M. Waltenberg.

Para adequarem-se ao novo modelo, as concessionárias, que até então acumulavam a exploração das diversas atividades integrantes do sistema, viram-se obrigadas a cindi-las, sub-rogando-se as Distribuidoras, que as sucederam na exploração do segmento que lhes ficou afeto, nos direitos e obrigações dos Contratos de Uso do Sistema de Distribuição e de Conexão ao Sistema de Distribuição, em que se estabeleceram os termos e as condições para o uso da rede e das linhas de distribuição, possibilitando a seus usuários o acesso à energia elétrica adquirida da usina produtora.

É nesse contexto que alguns afirmam a ilegitimidade da incidência do ICMS sobre a Tarifa de Uso da Rede de Distribuição, ao fundamento de que o uso dos meios físicos de transporte não se inscreveria como elemento do aspecto material da regra-matriz do ICMS, eis que somente o valor da tarifa paga à concessionária pelo consumo efetivo da energia elétrica poderia integrar a base de cálculo do imposto, consoante a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça formada a propósito da demanda contratada, reservando-se a mesma sorte à tarifa paga pela conexão das instalações da unidade consumidora à rede de distribuição.

Essa a questão que se pretende examinar.

Extinta a estrutura vertical do setor elétrico, conferindo-se autonomia administrativa aos agentes que atuam no setor, sob o ponto de vista operacional persistiu a natural e recíproca dependência entre os diversos segmentos que integram o ciclo de produção/consumo da energia elétrica. Essa interdependência deve-se, naturalmente, à impossibilidade material de atuação autônoma e dissociada dos diversos segmentos, mesmo porque, como partes componentes de um sistema, o setor pressupõe sua atuação integrada.

Por isso mesmo, não obstante hoje segregadas as atividades que concorrem para o fornecimento da energia elétrica, no modelo atual o preço final é formado pelos mesmos custos incorridos com sua geração, transmissão e distribuição, com todos eles arcando o consumidor final, tal como ocorria no regime antecedente, quando o segmento ainda era verticalizado.

Ocorreu, então, apenas uma migração do custo de um segmento para outro, tornando assim mais transparentes os encargos que oneram toda a cadeia produtiva, desde a geração, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica


Incidência do imposto

No regime anterior, os custos incorridos com a distribuição da energia elétrica integravam o valor da tarifa de energia elétrica, compondo, então, a base de cálculo do ICMS – quanto a isso, inexistem divergências a registrar. Eliminada a verticalidade setorial, assegurou-se aos grandes consumidores a opção pela compra da energia elétrica junto a qualquer produtor, contratando com a distribuidora seu transporte até as instalações industriais consumidoras.

Conquanto a legislação em vigor (Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995 art. 15, § 6º) assegure aos grandes consumidores amplo acesso à rede de distribuição de energia elétrica, deles exige, como contrapartida, a satisfação de obrigação de ressarcir a concessionária pelos custos suportados com o seu transporte e com a manutenção do sistema por ela explorado, in verbis:

"É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente".

Diante da inequívoca dicção legal, parece certo afirmar então que, quando se refere ao transporte da energia elétrica, o legislador reconhece a ocorrência de um fenômeno físico de transmissão, de condução da energia elétrica, e, ao afirmar a existência de uma igualdade por semelhança com o transporte de coisas móveis, contemplado como um dos pressupostos da incidência do ICMS (CF, art. 155, II), dispensou-lhe, por arrastamento, igual tratamento jurídico, oferecendo com isso solução prática para eventuais e prováveis dificuldades que pudessem inibir a incidência do imposto sobre a prestação de um serviço que ganhou autonomia como novo modelo desenhado para o setor elétrico.

Segundo a dogmática jurídica, quando determina uma equiparação numa situação dada, o legislador está se valendo de uma técnica material de assimilação, premido pela necessidade de manter a coerência da ordem normativa e evitar antinomias. Como técnica, a equiparação pressupõe naturalmente alguma dissociação dada entre os elementos equiparados, que, então, por força dela, passam a ser tomados como iguais. Tal é a hipótese.

Tércio Sampaio Ferraz Jr. já teve oportunidade de se expressar sobre o tema. É seu o magistério:

"A equiparação é ato de equiparar. Por seu étimo, aequiparare invoca aequus (igual) e par (parelho, semelhante). Assim, equiparar significa pôr em relação de igualdade o que é parelho, semelhante. O instrumento básico da equiparação, nesse sentido, é a analogia. A analogia, como meio de interpretação (e de integração) do direito define-se como a subsunção de um fato para o qual não há norma à facti species de outra, no pressuposto de que entre ambos os supostos fáticos exista uma semelhança, isto é, que sejam essencialmente iguais nos aspectos importantes e diferentes, nos secundários.

No caso da equiparação, como técnica legislativa, a analogia pressupõe a igualdade essencial (e a desigualdade secundária) em relação a uma categoria. Assim, a equiparação tem por fundamento uma similitude essencial, que é também seu limite. A equiparação, portanto, obedece a uma necessidade interna, inerente à própria técnica, que constitui também um freio ao voluntarismo do poder, à arbitrariedade: a possibilidade de uma similitude essencial entre os elementos a equiparar.

Como consequência, a equiparação autoriza uma subsunção (de uma espécie a uma categoria), subsunção restrita aos casos que elenca, mas, de qualquer modo, uma subsunção (enquadramento de uma espécie a um género). Isto é, ela não procede a uma igualação artificial entre dados essencialmente desiguais, mas afirma a existência de uma igualdade por semelhança, à qual se subsumem situações, apesar da existência de dissemelhanças secundárias. Por exemplo, uma pessoa desaparecida por um largo lapso de tempo é tomada como se tivesse falecido: a longa ausência e a morte se assemelham, essencialmente, pelo desaparecimento que ambas provocam".

No caso, mostra-se inequívoca a intenção externada pelo legislador de, por efeito da equiparação, inscrever o transporte como pressuposto material do fato gerador do imposto, não havendo, por conseguinte, como negar a admissibilidade de que o transporte possa constituir fato gerador autônomo do ICMS. O direito, como se sabe, cria suas próprias realidades.

Nesse novo ambiente, quando a distribuidora atua como mera transportadora da energia elétrica que o consumidor adquire de terceiros, a incidência do imposto se impõe, pois a Lei Complementar nº 87/96 é suficientemente esclarecedora ao dispor que o ICMS incide "prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores" (LC nº 87/96, art. 2º, II). E parece natural que assim seja, uma vez que "na definição do valor das tarifas para os contratos de conexão e de uso do sistema de distribuição serão consideradas as parcelas apropriadas dos custos de transporte da energia elétrica" (Decreto nº 4.562, de 31 de dezembro de 2002).

No caso, com a segregação das atividades, o faturamento dos encargos de transporte da energia elétrica passou a ser feito em nota fiscal/fatura distinta emitida pela distribuidora, segundo a informação inserida no relatório da CEMIG, dirigido a seus acionistas, em que analisa o resultado do primeiro semestre de 2005: "Para efeito de comparação, deve ser evidenciado que, a partir de janeiro de 2005, parcela representativa dos grandes consumidores industriais passaram à condição de "livres". Desta forma, os encargos referentes ao uso da rede de distribuição (TUSD) desses consumidores livres passaram a ser cobrados separadamente, com o registro na rubrica de "Receita de uso da rede". Em 2004, os valores da TUSD compunham a receita total com fornecimento de energia elétrica".

Por outro lado, nas hipóteses em que a concessionária do serviço de distribuição também fornece a energia elétrica, os custos de distribuição, porque associados ao fornecimento, devem integrar a base de cálculo ICMS.

Nesse sentido, o magistério de Ives Gandra da Silva Martins (ICMS. Exegese do art. 155, II, § 2º, "b" da CF", in RDA nº 234, p. 412), que, ao examinar o critério da partilha constitucional da competência impositiva entre os estados e municípios, assim se pronunciou:

"No tocante à competência dos Estados, entre as situações descritas no art. 155, da CF estão contempladas, no inciso II:

"II – as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior".

De pronto se verifica que o dispositivo constitucional não descreve apenas uma situação material, mas pelo menos três, a saber: 1º) a prática de operações relativas à circulação de mercadorias; 2º) a prestação de serviços de transporte intermunicipal e interestadual; e 3º) a prestação de serviços de comunicação.

Examinando, entretanto, o § 2º desse mesmo art. 155, da CF, verificamos que o espectro de abrangência da competência estadual é ainda mais amplo, e, além de abranger a prestação dos serviços indicados no inciso II, abrange outros que, ligados ao fornecimento de mercadorias, não estejam compreendidos na competência dos municípios – que, tradicionalmente, em nosso direito, são titulares da competência para instituir imposto sobre a prestação de serviços."

É o que se constata do inciso IX, "b" do § 2º do art. 155 da CF, segundo o qual o ICMS:

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"IX – incidirá também:

a) ...

b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (grifamos)."

Passo seguinte, deixou expresso:

"Diante disso, a conclusão que se extrai após a interpretação do art. 155, § 2º, IX, "b" da CF, quer pelo método sistemático, é que a norma está a autorizar a integração à base de cálculo do ICMS do valor de outros serviços que não os do inciso II do mesmo dispositivo, prestados com fornecimento de mercadorias e não sujeitos à competência municipal."

E, como o fornecimento de mercadorias implica, freqüentemente, a prestação de algum serviço, conclui:

"Daí que o sentido a norma inserta na alínea "b" do inciso IX do § 2º deste artigo só pode ser o de instituir regime adequado a situações híbridas, ou seja, quando o fornecimento de mercadorias esteja umbilicalmente ligado a algum serviço não especificado na lei complementar como de competência municipal."

Diante do novo modelo, mostra-se esclarecedora a observação formulada por Antônio Ganim (Setor Elétrico Brasileiro, Editora CanalEnergia, Rio, 2003, p. 224):

"É importante também ressaltar que antes da determinação da lei, para que houvesse essa separação de faturamento, a concessionária/permissionária de distribuição emitia uma única nota fiscal para essa operação de venda de energia elétrica ao consumidor do "Grupo A". Todos os custos de conexão, transmissão e distribuição integravam a tarifa a ser cobrada. (...)

Apesar da imposição desses contratos junto aos consumidores do "Grupo A", na essência, esses valores a serem faturados pelas concessionárias/permissionárias de distribuição, como encargo de conexão, uso do sistema de transmissão e de distribuição, continuam sendo custos agregados ao fornecimento da energia, pois são elementos essenciais para que ocorra a circulação da mercadoria (energia elétrica). Nesse sentido, entendemos que a operação deve ser considerada no seu todo. Assim, o faturamento desses encargos realizados pela empresa distribuidora, que vende a sua própria energia elétrica, receberá o mesmo tratamento tributário dispensado nas operações com a venda da energia elétrica, ou seja, se a venda de energia estiver sujeita à tributação, os encargos também estarão".

A Resolução Aneel n° 666, de 29.11.2002, confirma esse entendimento quando, em seu art. 9°, fixa um prazo para que as concessionárias/permissionárias de serviço público de distribuição informem na fatura de energia elétrica dos consumidores do "Grupo B", a parcela correspondente à energia elétrica com base na tarifa de fornecimento, bem como a parcela correspondente aos encargos de uso dos sistemas de distribuição e transmissão, e o preço final, ou seja, o todo da operação será fato gerador do ICMS."

No plano infraconstitucional, a exigência de que se cuida encontra fundamento legal no art. 13, § 1º, II, b, da Lei Complementar nº 87/96, ao teor do qual integra a base de cálculo do imposto o valor correspondente a frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.

A jurisprudência dos tribunais é uniforme, tendo se consolidado, de há muito, o entendimento de que "os dispositivos do inc. I, b e do § 2º, inc. IX, do art. 155 da CF/88 delimitam o campo de incidência do ICMS: operações relativas á circulação de mercadorias, como tais também consideradas aquelas em que mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (caso em que o tributo incidirá sobre o valor total da operação)" (RE nº 144.795).

Assim, na ocorrência de operações mistas, isto é, nas operações que envolvam o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não tributados pelos Municípios, a base de cálculo do ICMS deve compreender o valor das mercadorias e da prestação de serviços com que envolvida (REsp 884.705, Rel. Min. Francisco Falcão; REsp 596.873, Rel. Min. Franciulli Netto; RMS 5938, Rel. Min. Laurita Vaz; AG 318.523, Rel. Min. Milton L. Pereira, inter plures), mesmo porque nesse sentido é inequívoca a dicção do art. 13, IV, da Lei Complementar nº 87/96.

Nesse ponto, não custa lembrar, que o Superior Tribunal de Justiça já deixou assentado o entendimento de que não é possível a exclusão do valor do frete da base de cálculo do ICMS, excepcionando, apenas, a hipótese em que o próprio adquirente, com meios próprios, efetua o transporte da mercadoria" (REsp nº 115.472).

Nesse sentido, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado a legitimidade da exigência fiscal formulada em face do dever inobservado de inclusão do valor do frete na base de cálculo do ICMS (REsp 777.730, Rel. Min. Luiz Fux; REsp 884.705, Rel. Min. Francisco Falcão; ROMS nº 16.467, Rel. Min. Eliana Calmon; REsp 596.873, Rel. Min. Franciulli Netto e MC nº 11.966, Relator Min. João Otávio Noronha, inter plures). E nem poderia ser de outra forma, pois, se o frete é a remuneração de serviço de transporte efetivado pelo agente da operação mercantil, pago em seu proveito a título da mesma operação, então, o valor desse frete há de incluir-se na base de cálculo do ICMS, induvidosamente.

Lembra-se que já no regime anterior as despesas incorridos com a distribuição compunham o valor da tarifa da energia elétrica, concorrendo assim para a formação da base de cálculo do ICMS sobre ela incidente, na forma do disposto no art. 9º, § 1º, II, da LC 87/96, no art. 13, IX, da Lei estadual nº 6.763/75 e no art. 34, § 9º, do ADCT.

Verdade é que o transporte da energia elétrica até a unidade consumidora integra os custos de aquisição da energia, pois constitui elemento essencial para que ocorra a circulação da mercadoria, devendo, por conseguinte, compor a base impositiva do imposto, a ele dispensando-se o mesmo tratamento tributário a que se submete o ato negocial de aquisição da energia elétrica, a que se acha associado.

Existe, ademais, uma perfeita coincidência entre as parcelas que hoje compõem os encargos tarifários devidos pela conexão à rede e pelo uso do sistema de distribuição e aquelas que no regime anterior, embora não fossem discriminadas – concorreriam para a formação do preço do fornecimento cobrado pela empresa cindida, mesmo porque todas as parcelas do custo de acesso aos sistemas de rede foram extraídas do preço da energia aplicável aos consumidores livres e incluídas nas tarifas que visam à remuneração da disponibilização do uso das redes.

Por outro lado, não causa espécie que contratação do acesso à rede de distribuição esteja associada à demanda de potência contratada com o fornecedor da energia, diante da necessidade de compatibilizar a capacidade da rede com a demanda de potência elétrica que vai por ela transitar, e evitar, com isso, possível colapso do sistema de distribuição.

Enquanto a demanda contratada expressa a potência solicitada pelo consumidor ao fornecedor da energia elétrica para garantir o satisfatório funcionamento do conjunto dos equipamentos instalados, os "montantes de uso" contratados para os valores consignados no contrato relacionam-se à espessura (diâmetro) dos cabos utilizados na rede para comportar o transporte da energia até a demanda de potência de máxima contratada pelo usuário do serviço com o seu fornecedor. A concessionária serve-se dos valores de demanda máxima contratada para dimensionar a capacidade da rede de distribuição.

É intuitivo, exemplifica a ANEEL, que os circuitos para suprirem uma pequena lâmpada doméstica que consome uma certa quantidade de energia por mês, estando ligada oito horas por noite, não serão iguais àqueles usados para suprir um canhão de luz que consome a mesma quantidade de energia por mês operando apenas alguns minutos durante esse período.

A "bitola" em um caso será diferente daquela empregada no outro, mesmo que a quantidade global de energia consumida em um mês seja a mesma. Para atender um intenso consumo de energia, é necessária uma rede ele alta potência, com linhas de transmissão que operam em alta tensão e que têm condutores com grandes bitolas.

Para ilustrar essa diferença, estabelece um paralelismo entre uma estrada que permite o tráfego de 2.400 veículos por dia, a uma taxa constante de 100 veículos por hora, e uma outra estrada em que trafegam 2.400 veículos por dia, mas cujo tráfego seja concentrado em duas horas de "rush" de manhã e duas de tarde. Parece evidente que o número de pistas, o custo de construção e de manutenção da estrada que suporta um máximo de 100 caros por hora serão diferentes daqueles da estrada projetada para 600 carros por hora, mesmo que a quantidade de carros trafegando no período de um mês seja a mesma. E se pedágio for cobrado, o preço do pedágio também será diferente entre a estrada que tem picos de tráfego e a que não tem.

Por isso, como a intensidade do consumo é ditada pela potência dos aparelhos elétricos, a medição da demanda dos dois consumidores acusará valores distintos, implicando uma tarifação também distinta, pois, como o consumo intensivo implica em demanda maior, requisita do sistema distinta capacidade de distribuição, pois, para atender um intenso consumo de energia, é necessária uma rede de alta potência, com linhas de distribuição que operam em alta tensão e condutores com grandes bitolas.

Disso resulta que os próprios consumidores, tendo em consideração a soma das potências nominais dos equipamentos elétricos instalados na unidade, devem dimensionar e contratar os montantes de uso, em KW, prováveis que deverão ser transportados e que a rede deverá estar capacitada para atender.

Por isso, mostra-se adequada, no particular, a analogia que feita com o fornecimento de água, bastante ilustrativa e apropriada que é, mormente no ponto em que afirma que o "montante de uso" fixado no contrato equivale à bitola da tubulação necessária para suprir o consumo de água no volume pretendido pelo consumidor.

A tubulação equivale ao sistema de rede, aparelhada com cabos de distribuição, como se o consumidor contratasse a disponibilização do uso de determinada tubulação, cuja bitola seria estabelecida pelo volume de água a ser fornecida.

A analogia entre as redes de distribuição de energia elétrica e de água canalizada permite comprender que a rede elétrica é dimensionada pelos montantes de uso contratados, em função dos quais a rede deve se aparelhada para assegurar o transporte da energia na potência contratada até o ponto de sua entrega.

Em última análise, os encargos contratuais são assim ajustados aos montantes de usos necessários para cobrir os custos de serviço do sistema de distribuição, que variam segundo as condições de acesso objeto da solicitação formulada pelo usuário, sendo que o seu valor é obtido do produto da tarifa, aprovada pela ANEEL, pelo montante de uso contratado ou verificado (dos dois o maior) e é devido por todos os usuários da rede, indistintamente, inclusive pelos consumidores residenciais, cativos que são também do sistema explorado pela distribuidora.

Garantindo o transporte da energia com a potência contratada, é razoável então que a concessionária, ainda que o usuário não se utilize de toda a capacidade disponibilizada pela rede, pretenda se ressarcir dos elevados investimentos e dos dispendiosos custos de manutenção com sua colocação à disposição de quem dela embora não venha a se utilizar de forma contínua, uma vez que, tratando-se de um serviço público concedido, tais inversões de capital devem ser necessariamente amortizadas, mediante ressarcimento a cargo dos usuários do serviço.

Por conseguinte, os encargos de conexão e de uso do sistema de distribuição, custos específicos do segmento, integram, por indissociáveis que são, o custo do transporte da energia elétrica, com eles arcam todos os consumidores, inclusive os residenciais, mesmo porque "para o consumo é necessária a transmissão e não há transmissão para estocagem, ou seja, sem que haja o consumo. Logo, a transmissão, sendo elemento essencial para a realização do consumo, faz parte da operação que destina a outro Estado energia...". (AgRg nº 282.925/PR). O mesmo raciocínio se aplica no caso de distribuição de energia elétrica.

Não se pode esquecer, a propósito, que o fornecimento de energia elétrica resulta do encadeamento sucessivo de diversos fatos, compreensivos da geração e da transmissão, culminando com o seu transporte e entrega no ponto de conexão da rede com as instalações da unidade consumidora, constituindo o conjunto dessas atividades objeto da concessão anteriormente outorgada à empresa holding do grupo.

É inegável, portanto, o caráter de essencialidade de que se reveste o transporte no contexto da operação que envolve a aquisição da energia elétrica, uma vez que não é só necessário, como também indispensável ao aperfeiçoamento da operação. Daí porque não é um serviço acessório, que pudesse ser dispensado sem comprometimento da realização da operação. É, ao contrário, um serviço essencial desse sistema de fornecimento.


Conclusão

Por decorrência da segregação das atividades do setor elétrico, os custos da distribuição, que antes integravam a base de cálculo do fornecimento da energia elétrica, passaram a integrar exigência fiscal distinta e autônoma, a cargo da distribuidora, tendo ocorrido então uma simples migração de custos de um segmento do setor elétrico para outro, não influenciando, portanto, o preço pago pelo consumidor na operação final, que, segundo dispõe o art. 9º, § 1º, II, da LC 87/96, é a base de cálculo do ICMS, pois esse é o valor de que decorre a entrega do insumo ao consumidor final, a que alude o art. 34, § º, do ADCT.

Nada mais correto, pois se a energia é, para efeitos fiscais, considerada coisa móvel, seu deslocamento do centro de produção até a instalação consumidora há que ser feito por meios físicos que possibilitem seu transporte. E o custo do transporte outra coisa não é senão o valor do frete sobre o qual incide o ICMS (CF, art. 155, II).

Nas hipóteses em que a própria Distribuidora fornece a emergia elétrica, a base de cálculo da operação deve compreender o valor do fornecimento acrescido do preço da prestação do serviço de distribuição, representado pelos encargos cobrados (LC 87/96, art. 13, IV).

O ICMS deve então incidir sobre os custos do sistema elétrico de distribuição explorado pela concessionária, uma vez que na definição do valor das tarifas para os respectivos contratos são considerados os encargos de conexão e os encargos setoriais de responsabilidade do segmento de distribuição, cabendo à distribuidora, cuja atuação se limita a interligar a usina geradora ao consumidor da energia elétrica, a retenção e o recolhimento do imposto devido pelo usuário do serviço.

Aliás, a inclusão de todos esses custos na base de cálculo do imposto resulta imediatamente do que se contém no art. 34, § 9º, do ADCT, quando estabelece que a base de cálculo das operações com energia elétrica é o preço praticado na operação final, sabedor o constituinte, sem dúvida, de que o preço final cobrado incorpora, naturalmente, todos os custos agregados desde a geração até sua entrega ao consumidor.

Nesse sentido, dispunha também o art. 19, do Convênio 66/88, e é o que estabelecem o art. 9º, § 1º, II e o art. 13, § 1º, II, "a", ambos da Lei Complementar nº 87, de 1996, e, no plano local, o art. 13, IX, da Lei Estadual nº 6763/75. Por isso, "O ICMS deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor" (AgRg/REsp nº 625.001, Relator Min. Castro Meira).

Sendo assim, a contratação do uso da rede em montantes de uso não guarda pertinência temática com a jurisprudência oriunda do STJ, que, inexplicavelmente e em razão da falta de melhor compreensão do tema, repudia o valor da demanda contratada para fins de incidência do ICMS, embora, como mencionado, a rede seja dimensionada tendo em vista a demanda de potência que por deve transitar.

De resto, atenta às peculiaridades com que envolto o tema, pela legitimidade de tal inclusão já teve oportunidade de pronunciar-se a 4ª Câmara do Tribunal de Justiça, ao dirimir controvérsia substancialmente idêntica, afirmou a legitimidade da incidência do ICMS sobre os custos do transporte da energia elétrica adquirida em operação interestadual (AC nº 1.0251.04.011542-9/002). O acórdão, embora sucinto, mas suficientemente esclarecedor, é da lavra do eminente Desembargador Almeida Melo, está assim ementado:

"MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. ICMS. CABOS E CONDUTORES. MANUTENÇÃO. ADMISSIBILIDADE. VALOR TOTAL DA OPERAÇÃO.

A concessionária de energia elétrica, ao incluir na base de cálculo do ICMS a tarifa de uso do sistema de distribuição de energia elétrica, respeitou o disposto nos art.s 12, XII, e 13, VIII da Lei Complementar nº 87, de 13.09.96, por ser componente do valor total da operação da qual decorra a entrega da mercadoria ao consumidor final".

Entendimento em contrário significaria, em última análise, assegurar aos grandes consumidores, que já adquirem a energia por preço bem mais competitivo no mercado, um privilegiado tratamento fiscal, que o próprio legislador negou-se a outorgar aos consumidores residenciais, que, cativos da concessionária, arcam com os custos da distribuição, embutidos no valor da tarifa, que representam cerca de 34% do custo do fornecimento, segundo informa a concessionária ao discriminar sua composição na conta de energia elétrica.

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Sobre o autor
José Benedito Miranda

procurador do Estado em Belo Horizonte (MG), ex-procurador-geral da Fazenda Estadual de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, José Benedito. Tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD).: ICMS. Incidência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1255, 8 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9217. Acesso em: 5 nov. 2024.

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