Prédios abandonados e direito à moradia.

Conflitos e contradições

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Resumo:


  • O direito à moradia é assegurado pela Constituição Federal de 1988 e representa um direito social fundamental ligado à dignidade da pessoa humana, mas enfrenta desafios práticos relacionados à desigualdade social e à presença de prédios abandonados.

  • Existe uma contradição entre a existência de prédios públicos e privados não utilizados, que não cumprem sua função social, e a quantidade crescente de pessoas desabrigadas ou em moradias precárias, revelando falhas na gestão de políticas públicas habitacionais.

  • A desigualdade social no Brasil, com raízes históricas e agravada pelo sistema capitalista, reflete-se na má distribuição de renda e falta de investimento adequado em áreas essenciais, perpetuando o problema da falta de moradia digna para uma parcela significativa da população.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 CONFLITOS E CONTRADIÇÕES

3.1 Pessoas Desabrigadas e a Função Social da Propriedade

De acordo com a pesquisa publicada em 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima-se que o Brasil possui 101 mil moradores de rua Este dado em questão acaba por revelar a problemática no que tange a situação de pessoas desabrigadas, visto que, conforme observado e apresentado no presente trabalho, ao longo dos anos houve um crescente aumento da população em vulnerabilidade socioeconômica, ainda mais agora com o agravamento da crise sanitária no país com a instalação da pandemia por conta da Covid-19.

Desta forma, há de se relacionar a problemática da situação das pessoas desabrigadas com o instituto da função social da propriedade. Este instituto, apesar de ser um conceito jurídico, discute que a propriedade de uma pessoa deve se comunicar com a necessidade da sociedade, visando, em conjunto, o bem comum.

A legislação brasileira é clara quanto ao papel da função da propriedade no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.

Visto que ao direito à propriedade faz parte do artigo que elenca os direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão brasileiro, pode-se, por óbvio, entender a importância do instituto. Relevância esta que é concretizada desde os tempos mais remotos da cidadania brasileira e mundial, conforme remete a doutrina do estimado filósofo Jean Jacques Rousseau, o qual considera a propriedade como marco fundador da sociedade civil.

Sendo assim, podemos considerar que o legislador brasileiro adotou a percepção de que a propriedade não deveria ser absoluta, porém deveria servir a um fim. Portanto, qual é a finalidade a ser atingida pelo instituto?

Nas palavras do doutrinador Flavio Tartuce a propriedade deve ter sua finalidade direcionada em prol do coletivo e preencher os atributos que constam no artigo 1.228 do Código Civil:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Nota-se, desta forma, que são necessários dois requisitos para que seja alcançada a função social da propriedade: deve-se atender os interesses de ordem pública e privada. A propriedade cumpre seu pleno papel ao permitir o seu uso social pelos cidadãos brasileiros, o que acaba por evidenciar que o instituto em questão está intimamente interligado com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Se a propriedade faz elo essencial à dignidade da pessoa humana, pode-se dizer que o instituto não cumpre sua função quando este não está disponível para gozo da população, remetendo-se diretamente à situação de extrema vulnerabilidade das pessoas desabrigadas, a qual cresce diariamente com a tamanha desigualdade social que atinge o país.

Diante de todo contexto exposto, levando em consideração as diretrizes socioeconômicas brasileiras que forçam cidadãos a ficaram desabrigados, muitas vezes por conta da falta de condições financeiras para manter um imóvel ou pela força das desapropriações, pode-se notar que há um número expressivo de brasileiros que vivem em situação de rua enquanto há propriedades, em poder do governo, desocupadas. Ou seja, evidencia-se a disparidade no que tange a divergência entre os imóveis públicos e privados que não cumprem sua função social enquanto há o aumento diário de pessoas desabrigadas e sem o direito básico e fundamental de propriedade garantido em lei.

3.2 Direitos Humanos, Dignidade da Pessoa Humana (Vida Digna), Constituição Federal e Direito à Moradia

A luta para que todos tenham qualidade de vida é algo muito falado dentre as diversas nações que compõem o mundo, o qual vivemos. Mas nem sempre a percepção de Direitos Humanos foi respeitada e associada ao bem-estar dos indivíduos. As guerras, por exemplo, sempre contribuíram com a assolação de povos, culturas, terras, causado extermínios em massa. E para isso, após o final da horrenda 2ª Guerra Mundial, marcada por todas suas barbáries, como holocausto comandado por Adolf Hitler, atentados com bombas atômicas a Hiroshima e Nagasaki, que a Organização das Nações Unidas (ONU) se juntou em 1948 com os governantes de diversas das nações propuseram a Declaração Universal do Direitos Humanos do mesmo ano, onde o Brasil por sua vez foi signatário dentre os 58 Estados- Membros.

É muito claro o objetivo buscado na Declaração Universal, a dignidade da pessoa humana, e podemos ver isso ao longo de todo seu texto redigido, como por exemplo a proclamação:

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Nesse contexto o que se percebe, é a necessidade da criação de um documento para fortalecer e defender os direitos de todos os indivíduos que vivem no mundo, direitos esses essenciais para a dignidade da pessoa humana, como o de moradia, afinal como um indivíduo terá uma vida digna sem o amparo de um “teto”.

Em seus artigos é evidente a preocupação em estabelecer diretrizes que regem todo o conceito de cidadania, paz e democracia. O respeito, entretanto, a esses direitos deve ser posto na norma maior de cada nação.

Relacionando ao tema central dessa dissertação, cita se um importante artigo do documento redigido pela ONU:

Artigo XXV: Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

É evidente que ao tratar de habitação, fica explícita a necessidade de se criar e pensar em programas governamentais de cada nação que facilitem o acesso dos indivíduos à essas propriedades. Porém é de conhecimento que na prática isso não acontece em sua maioria, usando o Brasil como exemplo, país que favorece os mais ricos e desampara os mais pobres, por mais que esteja elencada em sua Constituição Federal, não possui muitas políticas de habitação, mesmo com inúmeros imóveis desocupados, fato esse que gera milhares de desabrigados

Considerada a mais humana das que já vigoraram no Brasil, a Constituição Federal de 1988 aborda em um de seus títulos, o tema de Garantias e Direitos Fundamentais, título esse de suma importância para o ordenamento jurídico na criação e base das políticas sociais. É nesse texto que encontramos os artigos mais sociais, que regem todas as demais legislações infraconstitucionais, dentre eles os arts 5º e 6°:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Grifo nosso)

É notável a preocupação social elencada na Lei Maior do país, seguindo como parâmetro a Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém sabe se que na prática essas condições não são respeitadas, nem todos possuem esse direito à moradia, muito menos a propriedade e acabem “vivendo” em situações precárias. Não podemos considerar essa situação como vida, afinal vai totalmente na contramão do princípio de vida digna, pois um ser humano não consegue ter dignidade se não possuir um abrigo.

Diante do exposto e da base legal que garante a vida digna de todo indivíduos, é necessário que no Brasil sejam elaboradas políticas de moradia mais efetivas e de amparo real à sua população, respeitando o direito fundamental de acesso à moradia instituído constitucionalmente, pois o que se vê hoje são cada vez mais pessoas vivendo em situação de miséria.

3.3 Desigualdade

A desigualdade social é um problema persistente no Brasil, tratando-se de um tema com raízes históricas coloniais, que reflete atualmente na má distribuição de renda e falta de investimento nas áreas sociais e culturais; além de educação e saúde. Isso é favorecido pela lógica de acumulação do mercado capitalista, que beneficia classes econômicas em detrimento do bem-estar social. Assim, a população mais carente encontra-se desassistida pelo individualismo de governantes que abusam do poder público para manifestar seus interesses pessoais.

Por esses motivos, a equidade social está longe de ser alcançada, seja no âmbito social ou econômico, e seus reflexos são demonstrados através da pobreza, miséria e favelização.

Segundo o artigo 6º da Constituição Federal (CF) de 1988:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

O direito à propriedade é um dos cinco princípios fundamentais inerentes a pessoa humana, sendo o Estado responsável por garanti-lo. Dessa forma, a falta de moradia representa a privação do acesso a lugares com condições mínimas para serem utilizadas como habitação, seja em situação de rua ou habitando casas inadequadas. De acordo com dados colhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 11 milhões de pessoas vivem em favelas ou em moradias improvisadas. Isso inclui locais sem saneamento básico, fornecimento de água potável, esgoto tratado, coleta de lixo ou no máximo duas pessoas por dormitório.

Ainda segundo esse estudo, apenas 52% da população brasileira vive em condições regulares de residência, ainda que em centros urbanos. Isso porque os problemas de moradia manifestam-se de maneira intensa em países subdesenvolvidos, como o Brasil, pois possuem maior nível de pobreza e desigualdade acentuada. Soma-se a isso o processo de urbanização, que forma cidades grandes, porém sem infraestrutura adequada, além de encarecimento de imóveis nessas regiões, o que favorece o processo de favelização.

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Essa desigualdade é evidenciada quando a população que vive em áreas periféricas da cidade (comunidades), demonstram menores índices de escolaridade, menor salário e trabalhos sem carteira assinada, como demonstrado a seguir pelo estudo:

“Em relação aos rendimentos, 31,6% dos moradores dos aglomerados subnormais tinham rendimento domiciliar per capita até meio salário mínimo, ante 13,8% nas outras áreas urbanas. Apenas 0,9% dos moradores de comunidades carentes tinham rendimento domiciliar per capita de mais de cinco salários mínimos, ante 11,2% nas demais áreas da cidade. Quase 28% dos trabalhadores moradores dessas comunidades não tinham carteira assinada em relação às outras áreas da cidade (20,5%).”

Somente 1,6% dos moradores de aglomerados subnormais (favelas, invasões, assentamentos etc.) tinha diploma universitário no Brasil, ante 14,7% da população residente de outras áreas das cidades, em 2010.

Outro fator discrepante é que parte dessa população leva mais de uma hora para chegar em trabalhos nos centros urbanos, afetando a mobilidade urbana e reduzindo sua qualidade de vida.

“Em São Paulo, 37% da população residente em aglomerados subnormais levavam mais de uma hora para chegar ao local de trabalho, em contraste com 30% dos moradores das demais áreas da cidade.”

Dessa forma, é possível inferir que os problemas de moradia são intensos e refletem a desigualdade brasileira, sendo necessário que o governo ofereça auxílios e programas residenciais que ajudem essa problemática, além de implementar medidas de distribuição de renda.


CONCLUSÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou a entender as diretrizes no que tange o direito à moradia como uma garantia constitucional que foi conquistada em razão de diversas lutas sociais ao longo da história mundial e brasileira, de modo que se percebe que sua problemática remonta desde a época da escravidão e persiste até os dias atuais.

Vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 é declarada como a mais humana de todas, pois segue como base os princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos criada pela ONU em 1948 e conquistada através de muitas lutas e revoluções. Diante disto, temos como garantia o direito social à moradia, este que deve ser respeitado e usado como exemplo para políticas públicas de desenvolvimento, as quais devem visar retirar o povo da situação de desigualdade. Para tanto, faz-se necessário que essa política inclua os prédios abandonados pelo próprio Poder Público, já que atualmente milhares de pessoas estão sem abrigo, ferindo sua dignidade, enquanto há muitos prédios desocupados que não cumprem sua finalidade.

Muito embora o direito à moradia esteja elencando na Constituição Federal de 1988 como um direito social fundamental, visto que persegue à dignidade da pessoa humana, evidencia-se que sua validade e eficácia são colocadas em pauta quando são observadas com a realidade brasileira.

Desta forma, mostra-se uma contradição quanto à problemática dos prédios abandonados. Esta divergência se justifica tendo em vista o conceito da expressão “prédios abandonados”, já que para se abandonar alguma coisa é necessário ter a intenção. Deste modo, assim como um particular abandona seu bem por livre espontânea vontade não é diferente com os prédios públicos, pois se estão abandonados é porque houve intenção por parte do Poder Público, o que representa uma hipocrisia, uma vez que enquanto o governo abandona intencionalmente os seus bens existem pessoas que não possuem imóveis para chamar de lar.

Outro ponto que se mostra em conflito é que apesar de existirem legislações que visam garantir moradia a todos, esta é apenas uma garantia formal, não sendo observada a garantia em âmbito material. Tal contradição pode ser explicada pela má gestão advinda dos administradores públicos, que acabam por não cumprir com a sua função em prol da sociedade.

A má gestão do Poder Público comprova-se justamente na questão que engloba a função social da propriedade e o número expressivo de pessoas desabrigadas. Há uma problemática quanto ao desuso de prédios públicos abandonados que não estão cumprindo a finalidade de suprir as necessidades do bem comum. A desigualdade social acaba por agravar o cenário do país ao obrigar os cidadãos de baixa renda a se exporem em situações de vulnerabilidade enquanto existe uma parcela da população que detém o poder capital e que não oferece assistência socioeconômica governamental para a solução do conflito.

Portanto, diante de toda crítica tecida em relação a falta de moradia, verifica-se um problema que já perdura há anos e continua a existir sem que haja uma solução efetiva e plausível. Muito embora a criação de políticas públicas e leis visem sanar o conflito, percebe-se que este foi resolvido apenas formalmente, sendo que na prática o objetivo não foi alcançado, visto que o paradoxo entre pessoas desabrigadas e o mau uso dos prédios abandonados continua em exponencial crescimento. Conclui-se que é necessário o desenvolvimento de uma gestão efetiva e estrutural que possa tornar essas políticas eficazes diante da situação socioeconômica que assola o Brasil, permitindo, desta forma, o pleno exercício dos direitos fundamentais.

Sobre os autores
Pedro Henrique Modolo Cones

Estudante de Direito - UNIMEP (UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA)

Guilherme Torres Caetano

Estudante de Direito - UNIMEP (UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA)

Julio Cesar dos Santos Arruda Cardena

Estudante de Direito - UNIMEP (UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA)

Maria Júlia Camargo Quadros

Estudante de Direito - UNIMEP (UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA)

Douglas da Conceição

Estudante de Direito - UNIMEP (UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA)

Vitor Roberto da Silva

Estudante de Direito - UNIMEP (UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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