4. A CONFIGURAÇÃO DA LESÃO DE CONSUMO NOS JUROS BANCÁRIOS
4.1 A Teoria da Lesão
A teoria da lesão havia sido prevista nas Ordenações Filipinas e configurava-se na onerosa desproporção entre as partes ocasionada posteriormente ao contrato.
O Código Civil de 1916, inspirado pela corrente privatista, privilegiou o principio pacta sunt servanda e neste sentido não previu reprimenda a este tipo de lesão. Porém quando tal desproporção ocorria, aplicava-se a teoria da imprevisão, invocando-se a cláusula rebus sic stantibus.
A teoria da lesão foi reconstruída no Brasil na década de 50 por Caio Mário com base em uma norma penal e para sua configuração haveriam de estão presentes os seguintes requisitos: objetivo (desproporção superior a 1/5); subjetivo relacionada à vítima (inexperiência, leviandade ou premente necessidade da vítima); e subjetiva relacionada ao autor (dolo de aproveitamento, ciência de um dos elementos subjetivos da vítima)
O Código Civil de 2002 positivou a teoria da imprevisão no seu art. 478 e em seu art. 157 estabeleceu que se configura a lesão quanto presentes: a desproporção (não mais tarifada em 1/5); premente necessidade ou inexperiência da vítima. Não mais está presente o dolo de aproveitamento, muito embora parte da doutrina afirme havê-lo implicitamente. Esta visão da teoria da lesão foi denominada de lesão civil ou onerosidade excessiva superveniente, e quando verificada. Nesta hipótese o negocio jurídico nasce válido e pode ou não ser invalidado.
O CDC premiou o consumidor com uma visão mais ampla da teoria da lesão, que aqui foi denominada de lesão de consumo ou onerosidade excessiva concomitante. Não adotou a teoria da imprevisão, mas sim a teoria da quebra da base objetiva do negócio. Neste sentido a lesão de consumo não é vício de consentimento, sua natureza jurídica é um vício de apuração objetiva, ou seja, basta a apuração da desproporção, sem quaisquer necessidades de que seja perquirida a inexperiência ou premente necessidade. Nesta hipótese, o negocio jurídico nasce inválido e significa que o juiz pode intervim no contrato independentemente da vontade do fornecedor de maneira a restabelecer o equilíbrio entre as partes. A lesão de consumo, em regra, enseja a revisão dos contratos e em exceção a resolução (aplicação do art. 51 $2º do CDC por analogia).
Neste sentido é importante a lição de Arnaldo Rizzardo [17](pg 20)
Não se cuida de dificuldades surgidas no curso de um contrato de empréstimo bancário, muito menos de modificações operadas pela desastrada inflação, velha e revelha, antiqüíssima, mas do desrespeito e da infidelidade do credor, já no momento mesmo da celebração do ´contrato´, ávido pela exploração consciente da desgraça alheia, rompendo-se, no seu nascedouro, a noção de boa-fé e dos bons costumes.
Ainda sobre o assunto lecionou Nelson Nery Jr. [18] :
[...] a doutrina alemã construiu e delineou a teoria da base objetiva do negócio, como evolução das teorias da pressuposição e da imprevisão (fundada na cláusula rebus sic stantibus), [...] ao contrário da base subjetiva, nada tem a ver com aspectos psicológicos dos contratantes, isto é, não se situa no campo das invalidades (vícios da vontade ou sociais do negócio jurídico).[...] a aliteração da base negocial pode ocorrer quando houver falta, desaparecimento ou modificação do condicionalismo que formou e informou a base do negócio.
4.2 Configuração da Lesão de Consumo nos Juros Bancários
O diploma consumerista positivou a lesão de consumo em seu art. 6º, V:
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas
Não obstante, observemos ainda os seguintes dispositivos da Lei 8078/90, que repudiam igualmente a prática destes juros diante do seu caráter abusivo, excessivamente oneroso, desleal, oportunista e sobretudo contrário aos princípios da boa-fé da equidade:
Art. 6º, inciso IV, que considera como direito básico do consumidor "a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços"
Inciso IV do art. 39 que considera prática abusiva o fato de o fornecedor "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe produtos ou serviços.
O inciso V do seu art. 51, que considera cláusula abusiva aquela que "estabelece obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".
Da leitura sistemática desses dispositivos, podemos evidenciar que a lesão de consumo se configura de maneira clara. A Lei é expressa em afirmar que é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais. Ora, o contrato como já visto, nasce oneroso e imodificável posto que sua natureza é de contrato de adesão. Aproveitam-se as instituições financeiras do seu oligopólio neste mercado, da fragilidade e necessidade do consumidor hipossuficiente e lhe impõe uma clausula de estipulação de juros abusiva que em nada se justifica no marcado econômico brasileiro, tão pouco se compara diante da extorsão escancarada como é praticada.
Não é necessário muito conhecimento, quer seja na seara jurídica quer seja na econômica, para se ver sobressaltar o quão onerosos e excessivos são estes juros. Gigantesca é a desproporção entre o custo de captação de crédito para as instituições financeiras e o custo do capital tomado em suas carteiras ativas pelos seus clientes. Nestas condições, o contrato resta desequilibrado ensejando todos os elementos citados anteriormente para configuração da lesão e garantia da plena revisão dos contratos com a adequação de juros moderados e justos, os quais deverão ter como padrão a própria taxa estipulada como taxa-meta ou Selic pelo COPON.
5. CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi exposto, concluímos que:
Diante da plena aplicabilidade de todos os dispositivos da Lei 8078/90 na disciplina da relação de consumo entre os clientes bancários e as instituições financeiras, dificilmente mais claro pode ficar evidente, a imensa desproporção entre os custos de captação e as taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras. Igualmente foi demonstrado que em nada se justificam estas altas. Seja sob o ponto de vista da política monetária e estruturação do sistema financeiro, seja sob o ponto de vista do cenário macroeconômico, muito menos da alegada inadimplência.
Posto isso, é claro que se o CDC se aplica a estes tratos, inclusive abarcando, conforme nosso entendimento, as taxas de juros, diante desta expressiva onerosidade que gera o desequilíbrio entre as partes, é logicamente aplicável a lesão de consumo e por isso enseja a aplicação de todos os dispositivos já citados, na defesa do restabelecimento da equidade atendendo aos princípios igualmente comentados. Concluímos, portanto, pela expressa lesão de consumo evidenciada nos contratos bancários creditícios passível de disciplina nestes termos.
BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
01
ABRÃO, Nelson. Direito Bancário, cit., p. 4802
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed., p.5203
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6ª edicao. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 1904
Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed., p.54-5505
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6ª edicao. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 2106
Idem. p. 4307
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil – parte geral das obrigações. Saraiva, 1986.08
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Forense, 1987. p. 35.09
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RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6ª edicao. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 2018
NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. O novo código e Legislação Extravagante Anotados, Editora Revista dos Tribunais, 2002.