CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme destacado no desenvolvimento do presente artigo, considerando que o ordenamento jurídico brasileiro adota o modelo de jurisdição una, conclui-se que o Poder Judiciário tem o poder de anular decisões oriundas das Cortes de Contas tanto por questões de mérito quanto por vícios advindos durante o processo administrativo.
No caso de vícios formais que brotam no transcorrer do processo administrativo, a doutrina e a jurisprudência convergem no entendimento de que poderá a decisão ser anulada por determinação judicial.
No que tange aos vícios materiais contidos nas decisões dos Tribunais de Contas — em outras palavras, as ilegalidades ou inconstitucionalidades que maculam o próprio mérito da decisão, escondidas sob o manto da “discricionariedade administrativa” —, prevalecia na jurisprudência o entendimento de que o Poder Judiciário só poderia se manifestar em caso de ilegalidade manifesta, sem adentrar na conveniência e oportunidade da emissão do ato administrativo.
Não obstante, os tribunais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm modificado tal entendimento, no sentido de que as decisões dos Tribunais de Contas podem ser objeto de controle judicial não apenas quanto à formalidade de que se revestem, mas inclusive quanto à legalidade do seu mérito. Isso se justifica pelo fato de que tais decisões não fazem coisa julgada — qualidade exclusiva das decisões judiciais —, bem como pela determinação da Constituição Federal de que o controle judicial de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito é inafastável, conforme prevê o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988.
Dessa forma, conclui-se que o Poder Judiciário, com base no princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, pode rever decisões dos Tribunais de Contas, analisando tanto aspectos formais quanto materiais das referidas decisões.
Assim, seguindo esse raciocínio, as razões de decidir dos Tribunais de Contas, ao determinar a condenação de ordenador de despesa, servidor público ou mero responsável, podem ser alvo de revisão pelo Judiciário, com o objetivo de se averiguar a existência de eventuais erros na aplicação de penas e multas por tais Cortes de Contas em seus julgamentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Arruda. Os limites existentes ao controle jurisdicional dos atos administrativos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, p. 152, 2000.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
CRETELLA JÚNIOR, José. Natureza das decisões do Tribunal de Contas. Revista dos Tribunais. a. 77, v. 631, p. 14-23, maio 1988.
CRETELLA JUNIOR, José. Dos atos administrativos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 448. Rev. Jur., Brasília, v. 9, n. 84, p.171-194, abril./maio, 2007.
DE CARVALHO, Lucas Borges. Os Tribunais de Contas e a construção de uma cultura da transparência: reflexões a partir de um estudo de caso. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 231: 193-216, jan/mar 2003.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo . 26 ed. São Paulo: Atlas. 2013.
FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. O poder constituinte. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo. RT. 1992.
LEAL, Victor Nunes. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2003.
MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública . São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1993.
MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Eficácia das decisões dos Tribunais de Contas. Revista dos Tribunais, a. 81, v. 685, p. 7-14, nov. 1992.
NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil em vigor . 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.
TORRES, Ricardo Lobo. O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, economicidade e legitimidade. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 13, n. 22, jul. 1991.
Notas
1 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.25ed.São Paulo: Atlas. 2012, p. 1003.
2 Acerca do tema, vide decisão do STF no REsp nº 69.735 (6ª Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, publ. DJ de 15.4.1996. Em que sentido?
3 Critérios de conveniência e oportunidade privativos do administrador público.
4 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas. 2013, p. 817.
5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 1007-1008.
6 “Depois de ultrapassada a fase recursal, quer porque não se recorreu, quer porque o recurso não foi conhecido por intempestividade, quer porque forma esgotados todos os meios recursais, a sentença transita em julgado. Isso se dá a partir do momento em que a sentença não é mais impugnável.” NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil em vigor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 677.
7 O presente trabalho não adentrará na controvérsia doutrinária existente sobre o conceito de coisa julgada.
8 TRF5 - Apelação Civel: AC 380126 PE 2005.83.02.000431-8. Relator(a): Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho (Substituto). Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 11/07/2007.
9 Fonte: https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=151918. Acesso: 05/01/2016.
10 CARVALHO FILHO, José dos Santos, ob.cit., p. 995.
11 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.1211.
12 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.639.
13 Nesse sentido: REsp 1.032.732/CE, 1ªT., rel. Min. Luiz Fux, j. 19.11.2009, DJe 03.12.2009; REsp 285.305/DF, 1ª. T., rel. Min. Denise Arruda, j.20.11.2007. DJ 13.12.2007.
14 “Art. 70. [...] Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ...” (Constituição Federal de 1988)
15 Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
[...]
XII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. (Código de Processo Civil de 2015)
16 STJ - RMS 21259 / SP RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2006/0026257-4.
17 RE 595.553-AgR-segundo, voto do rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 8-5-2012, Segunda Turma, DJE de 4-9-2012.