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Breve introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos

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10/12/2006 às 00:00
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Os Grandes Pactos Internacionais.

A proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos impulsionou a elaboração de novos instrumentos normativos que, dotados de maior grau de especificidade e cogência, implementassem, efetivamente, os dispositivos nela inscritos. Assim, em 1966, após um longo processo de elaboração, a ONU aprovou dois grandes pactos internacionais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.


O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos - PIDCP reforça, consolida, complementa, especifica, detalha, aperfeiçoa e amplia o rol dos direitos civis e políticos inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O PIDCP, quanto à organização dos dispositivos, é composto por um preâmbulo e 47 (quarenta e sete) artigos, divididos estes em cinco partes.

Em seu Preâmbulo o Pacto reconhece a universalidade, a inalienabilidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, sendo estes decorrentes da dignidade inerente à pessoa humana.

Na Parte I (art. 1º), o Pacto dispõe sobre o direito à autodeterminação dos povos, os quais, em virtude desse direito, podem determinar livremente seu estatuto político e assegurarem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Na Parte II (arts. 2º ao 5º), o Pacto impõe aos Estados-partes o compromisso de respeito e garantia a todas as pessoas que se achem em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição, os direitos reconhecidos no Pacto, sem qualquer tipo de discriminação; assegura a igualdade de direitos entre homens e mulheres; a hipótese excepcional de suspensão temporária do exercício de direitos; o impedimento de agir-se contra os direitos humanos e o princípio da prevalência da norma mais favorável.

Na Parte III (arts. 6º ao 27), o Pacto explicita o direito à vida, proíbe a tortura e as penas cruéis, desumanas e degradantes; proíbe a escravidão, a servidão e o tráfico de escravos; estabelece o direito à liberdade e à segurança pessoais; estabelece garantias às pessoas presas/acusadas; consolida o direito de toda pessoa à sua personalidade jurídica; reforça o direito à intimidade e à vida privada; protege as liberdades de consciência, pensamento, religião, opinião, reunião e expressão; proíbe qualquer propaganda em favor da guerra e qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso; reforça a família como elemento natural e fundamental da sociedade; especifica direitos e garantias às crianças; explicita os direitos políticos; estabelece garantias antidiscriminatórias.

Na Parte IV (arts. 28 ao 45), o Pacto institui e constitui o Comitê de Direitos Humanos, órgão de supervisão, monitoramento e fiscalização da implementação dos dispositivos nele contidos, bem como regulamenta todo o processo de apuração de eventuais denúncias de violações.

Na Parte V (arts. 46 e 47), o Pacto indica os critérios de interpretação.

Registre-se ainda que ao Pacto vem adicionado o Protocolo Facultativo, o qual estabelece um sistema de petições individuais, habilitando o Comitê a receber petições encaminhadas por indivíduos, eventualmente vítimas de violações de direitos enunciados pelo Pacto, bem como um Segundo Protocolo, estabelecendo medidas necessárias à abolição da pena de morte.

Os direitos consignados no PIDCP constituem-se, historicamente, em instrumentos de proteção e defesa contra eventuais abusos de poder dos Estados, sendo, pois, direitos auto-aplicáveis e passíveis de exigibilidade imediata.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos entrou em vigor em 1976, quando atingido o número mínimo de adesões – 35 Estados. No Brasil, o Pacto foi ratificado, entrando em vigor em 1992.


O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, por sua vez, reforça, consolida, complementa, especifica, detalha, aperfeiçoa e amplia o rol dos direitos econômicos, sociais e culturais inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O PIDESC é composto por um preâmbulo e 25 (vinte e cinco) artigos, divididos estes em quatro partes.

Em seu Preâmbulo o Pacto igualmente reconhece a universalidade, a inalienabilidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, estes decorrentes da dignidade inerente a todos os membros da família humana, tal qual o fez o PIDCP.

Na Parte I (art. 1º), o PIDESC também reitera o direito à autodeterminação dos povos, nos mesmos termos do PIDCP.

Na Parte II (arts. 2º ao 5º), o PIDESC impõe aos Estados-partes o compromisso de adotarem medidas, principalmente econômicas e técnicas, com o objetivo de assegurar, progressivamente, a todas as pessoas, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto, sem qualquer tipo de discriminação; assegura também a igualdade de direitos econômicos, sociais e culturais entre homens e mulheres; a hipótese excepcional de limitação temporária do exercício de direitos declarados no Pacto e o impedimento de restrições ou suspensões de tais direitos.

Na Parte III (arts. 6º ao 15), o Pacto inclui especificações referentes ao direito ao trabalho; à sindicalização; à greve; à previdência social; à proteção à família; à maternidade; à alimentação; à moradia; à vestimenta; à saúde; à educação; à participação da vida cultural e ao progresso científico.

Na Parte IV (arts. 16 ao 25), o Pacto disciplina acerca dos instrumentos de monitoramento e supervisão estabelecidos para assegurar a observância dos direitos reconhecidos (um sistema de relatórios a serem encaminhados pelos Estados-partes). O PIDESC não inclui em seu conteúdo a criação de um Comitê próprio, o que somente foi estabelecido posteriormente.

Vale destacar, por oportuno, que, enquanto os direitos civis e políticos são auto-aplicáveis, o PIDESC concebe os direitos econômicos, sociais e culturais como programáticos, de aplicação progressiva, já que demandam um mínimo de recursos econômicos disponíveis para sua efetivação.

Todavia, o vínculo de reciprocidade de causa e efeito dos diferentes grupos de direitos humanos, caracterizadores da indivisibilidade e interdependência de todo o conjunto de direitos, impõe a obrigação de protegê-los, respeitá-los, garanti-los, implementá-los, igualmente.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também entrou em vigor em 1976, quando atingido o mesmo número mínimo de adesões do PIDCP. No Brasil, o PIDESC entrou em vigor em 1992.


As Convenções Internacionais.

Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Direito Internacional dos Direitos Humanos alimenta-se, normativamente, de diversas convenções internacionais.

As convenções internacionais são tratados multilaterais de direitos humanos de proteção especial, dotados, pois, de força normativa vinculante. São elaboradas com a vocação normativa de promover a proteção não da pessoa humana de forma genérica, abstrata, como a Declaração Universal e os grandes Pactos, mas de determinadas pessoas ou grupos de pessoas, sujeitos historicamente situados, concretos e em situação de especial vulnerabilidade.

Para exemplificar, apresenta-se, a seguir, uma lista com as principais Convenções Internacionais de Direitos Humanos:

1.Convenção contra o Genocídio, de 09 de dezembro de 1948;

2.As Convenções de Genebra sobre a Proteção das Vítimas de Conflitos Bélicos, de 12 de agosto de 1949;

3.Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951;

4.Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, de 21 de dezembro de 1965;

5.Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa Humanidade, de 26 de novembro de 1968;

6.Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969;

7.Convenção Internacional sobre a Repressão e o castigo ao Crime de Apartheid, de 30 de novembro de 1973;

8.Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, de 18 de dezembro de 1979;

9.Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10 de dezembro de 1984;

10.Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 09 de dezembro de 1985;

11.Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989;

12.Convenção sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migratórios e de seus Familiares, de 18 de dezembro de 1990;

13.Convenção sobre a Diversidade Biológica, de 05 de junho de 1992.

Como se vê, as Convenções Internacionais são instrumentos de expansão e enriquecimento dos direitos humanos, além de estabelecerem novos mecanismos específicos de supervisão, conforme enfatiza TRINDADE:

Os tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos vieram a mostrar-se dotados, no plano substantivo, de fundamentos e princípios básicos próprios, assim como de um conjunto de normas a requerer uma interpretação e aplicação de modo a lograr a realização do objeto e propósito dos instrumentos de proteção. E, no plano operacional, passaram a contar com uma série de mecanismos próprios de supervisão. Esse corpus júris em expansão veio enfim a configurar-se, ao final de cinco décadas, como uma nova disciplina da ciência jurídica contemporânea, dotada de autonomia, o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

(...)

Nos últimos anos, o corpus júris normativo do Direito Internacional dos Direitos Humanos se enriqueceu com a incorporação de "novos" direitos, como, por exemplo, o direito ao desenvolvimento como um direito humano e o direito a um meio ambiente sadio. (...)

O direito ao desenvolvimento encontra-se hoje consagrado tanto na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, que situa a pessoa humana como "sujeito central do desenvolvimento", como na Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos de 1981. E o direito a um meio ambiente sadio recebeu reconhecimento expresso tanto na referida Carta Africana (artigo 24) como no I Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988 (artigo 11). Um e outro ingressaram, assim, no Direito Internacional convencional dos Direitos Humanos.

(...)

Os tratados de direitos humanos das Nações Unidas têm, com efeito, constituído a espinha dorsal do sistema universal de proteção dos direitos humanos, devendo ser abordados não de forma isolada ou compartimentalizada, mas relacionados uns aos outros. [27]

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O Brasil aderiu a quase todas as Convenções Internacionais supramencionadas, as quais, após a devida ratificação, passam a receber tratamento jurídico equivalente às normas constitucionais, nos termos do art. 5º, parágrafos 2º e 3º (EC nº. 45) de nossa Constituição Federal.

Todavia, ainda carecemos de uma cultura jurídico-política que promova adequada efetividade aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, apesar dos compromissos internacionais assumidos com a comunidade internacional.


Conclusões.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos tem como principais antecedentes históricos o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiu após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, tendo como sua base fundante a Carta das Nações Unidas, em especial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e consiste em um complexo das normas que regulam a promoção e a proteção universais da dignidade da pessoa humana.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos promoveu, com seu surgimento, a responsabilização dos Estados por violações de direitos humanos, relativizando, pois, a soberania (antes absoluta) dos Estados, e consolidando o reconhecimento definitivo de que a pessoa humana é sujeito de direito em âmbito internacional.

O Direito internacional dos Direitos Humanos é composto, principalmente, pela Carta das Nações Unidas (ou Carta da ONU / Carta de São Francisco), pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, bem como por diversas convenções internacionais.

Assim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos resta efetivamente consolidado como disciplina jurídica autônoma, universalmente reconhecida, encontrando-se em progressiva expansão e aperfeiçoamento, sempre em busca permanente de promover e proteger a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos, em todos os países, no âmbito mundial.


NOTAS

01 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva 2006. p. 109;

2 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 110/111;

3 SCHAFRANSKI, Silvia Maria Derbli. Direitos Humanos & seu processo de universalização. Análise da convenção americana. Curitiba: Juruá Editora, 2003. p. 39;

4 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.116;

5 Idem. p. 117;

6 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948-1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 2000. p. 23;

7 SCHAFRANSKI, Silvia Maria Derbli. Direitos Humanos & seu processo de universalização. Análise da convenção americana. Curitiba:Juruá Editora, 2003. p. 40;

8 LIMA JÚNIOR, Jaime Benvenuto (org). Manual de Direitos Humanos Internacionais. Acesso aos Sistemas Global e Regional de Proteção dos Direitos Humanos. HIDAKA, Leonardo Jun Ferreira. In Introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo:Edições Loyola, 2002. p. 24/25;

9 BILDER, Richard apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.06;.

10 ABRANCHES, Dunshee apud ANNONI, Danielle. Direitos Humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2004. p. 25/26;

11 BILDER, Richard apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.06;

12 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 35;

13 ALMEIDA, Guilherme Assis de. Direitos humanos e não-violência. São Paulo: Atlas, 2001. p. 57;

14 PINHEIRO, Carla. Direito internacional e direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2001. p. 56;

15 BUERGENTHAL apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.129;

16 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948-1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 2000. pp.29-30;

17 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. 1. ed. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1996. pp.35-36;

18 Os oito países que se abstiveram foram: Bielorússia, Tchecoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, União Soviética, África do Sul e Iugoslávia. Posteriormente, os países comunistas da Europa aderiram à Declaração Universal dos Direitos Humanos;

19 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 28;

20 BOBBIO, Norberto. Op. cit. p. 30;

21 CASSIN, René apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 130;

22 PIOVESAN, Flávia. Op.cit. p. 131/132;

23 Art. 5º, da Declaração de Viena;

24 ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos. São Paulo: FTD, 1997. p. 29;

25 BOBBIO, Norberto. Op.cit. p. 34;

26 BOUCALT, Carlos Eduardo de Abreu & ARAÚJO, Nádia (organizadores). Os direitos humanos e o direito internacional. ALVES, José Augusto Lindgren. In A declaração dos direitos humanos na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 139/140;

27 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Op. cit. p. 26, 26, 97, 98, 149.

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Sobre o autor
Alci Marcus Ribeiro Borges

advogado em Teresina (PI), especialista em Educação em Direitos Humanos pela UFPI/ESAPI, especialista em Infância e Violência pela USP, professor de Direitos Humanos do Instituto Camillo Filho, professor de Direito da Criança e do Adolescente da Escola Superior de Magistratura do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Alci Marcus Ribeiro. Breve introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1257, 10 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9228. Acesso em: 19 abr. 2024.

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