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A simulação no novo Código Civil

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09/12/2006 às 00:00
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8.Efeitos da Simulação no Novo Código Civil

            O Novo Código Civil não mais trata a simulação maliciosa como defeito do negócio jurídico e sim como causa de nulidade deste. Rompe assim com a tradição do direito pátrio que a considerava como defeito ligado ao interesse particular das partes.

            Desta forma, estabelece o artigo 167 do novo normativo que "é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma".

            Assim como o Código Civil de 1916, percebe-se que os efeitos do negócio jurídico simulado variam conforme o tipo de simulação em análise.

            Na simulação absoluta, considerava a doutrina tratar-se de negócio jurídico inexistente, como já anteriormente apontado. Todavia, a afirmação não mais parece procedente em relação ao Novo Código Civil, que vislumbra no §2o do artigo 167 que são ressalvados "os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado".

            Nesse sentido, útil faz-se a análise da distinção feita por Gomes dos atos inexistentes e dos atos nulos. Segundo o autor, "a utilidade da distinção entre inexistência e nulidade está na circunstância de que o negócio mesmo nulo pode, às vezes, produzir algum efeito (...) enquanto o negócio inexistente se apresenta como o nada jurídico, sem aptidão alguma a produzir qualquer efeito jurídico" [27].

            Assim, embora as partes não tenham a vontade real de criar efeitos, como elemento de fato necessário a formação do negócio jurídico, como apontado pela doutrina ao analisar o dispositivo frente ao Código Civil de 1916, a celebração de um negócio ainda que meramente aparente poderia criar direitos a terceiros de boa-fé que nesta aparência acreditaram.

            O negócio jurídico na simulação absoluta apareceria, portanto, como nulo, embora excepcionalmente possa gerar direitos quanto a terceiros de boa-fé.

            Na simulação relativa o negócio jurídico não é causa de nulidade se a simulação for inocente, ou seja, se o negócio aparente não tiver sido realizado para ocultar uma relação jurídica que causaria prejuízos a terceiros ou contrariaria imperativo legal.

            Pela dicção do artigo 167 do Novo Código Civil, não se considera a relação jurídica aparente, que as partes quiseram transparecer à coletividade, mas subsistiria a relação jurídica dissimulada desde que esta fosse inocente, ou seja, "válida na substância e na forma".

            Sobre esta espécie de simulação, o Código de 2002 acaba por reproduzir as conclusões da análise a respeito do Código de 1916: debruça-se sobre o negócio dissimulado, prevalecendo a vontade real das partes em contraste ao declarado à coletividade, o negócio aparente.

            Ao contrário da simulação inocente, a simulação maliciosa implica na nulidade do negócio jurídico, afetando tanto sua relação simulada quanto sua relação dissimulada.

            O artigo 168 estabelece que qualquer interessado e o Ministério Público podem alegar a nulidade do negócio jurídico, devendo mesmo o juiz pronunciá-la ex officio, ainda que contra o requerimento das partes. Mas não reproduziu o Novo Código Civil o artigo 104 do Código de 1916 que proibia às partes, em litígio entre si ou contra terceiro, pleitear a nulidade do negócio jurídico quando simulado de maneira maliciosa.

            Na opinião de Pereira, ainda que a disposição não tenha sido reproduzida, as partes não poderiam argüir o próprio vício para tornar nulo o negócio porque o direito não protegeria a má-fé do próprio requerente. Para o autor, o argumento seria reforçado ainda pelo §2º do artigo 167, que garante que somente os terceiros de boa-fé terão seus direitos ressalvados em face dos contraentes do negócio jurídico simulado, excluindo da hipótese a proteção dada aos terceiros quando de má-fé. [28].

            Compartilha da mesma opinião Monteiro, para quem "os simuladores não têm qualidade para argüir a simulação, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiro; só os próprios prejudicados serão partes legítimas para deduzi-la em juízo; mas a lei igualmente confere aos representantes do poder público, a bem da lei, ou da fazenda, legitimação processual para pleitear a decretação da nulidade" [29].

            A posição supracitada, no entanto, parece ser afastada pela consideração pelo ordenamento jurídico vigente da simulação não mais como causa de anulabilidade do negócio jurídico, mas sim como causa de nulidade.

            Definindo-se a simulação maliciosa como causa de nulidade, o Código Civil de 2002 não mais a regulou com o intuito de proteger os interesses particulares dos sujeitos envolvidos, voltando-se à tutela da própria ordem pública. Determina-se, desta forma, que o negócio jurídico celebrado para simular uma relação que cause prejuízo a terceiros ou que afronte a lei, mesmo que os interessados mantenham-se inertes, não pode subsistir e continuar a gerar efeitos no ordenamento jurídico. Sob este aspecto, mesmo o juiz deve decretá-la quando conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos, ainda que em demanda cujo pedido não verse sobre sua declaração, como rege o artigo 168.

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            Desta maneira, não caberia retirar dos contratantes o direito de alegar a nulidade do negócio porque, mais que o interesse particular na questão, tutelariam o respeito à ordem pública [30].

            Por outro lado, embora a declaração de nulidade do negócio jurídico na simulação maliciosa produza efeitos ex tunc, invalidando-o desde a sua concepção, alguns efeitos do negócio excepcionalmente podem ser preservados.

            Com o intuito de proteger a própria fluência das transações no mercado e a confiança imprescindível entre os agentes, a ordem jurídica ressalva os direitos de terceiros de boa-fé que acreditaram e fundamentaram suas ações na aparência do negócio jurídico a eles apresentado. Declara-se a nulidade do negócio simulado maliciosamente, preservando-se, contudo, os efeitos gerados pelo negócio aparente em relação a terceiros que desconheciam a divergência entre a vontade real e a declaração dos contratantes.


9.Conclusão

            Apesar das relações empresariais regerem-se por princípios próprios, o Novo Código Civil, ao unificar a matéria obrigacional, manteve na simulação a prevalência da vontade real à sua manifestação, seja declarando a nulidade do negócio maliciosamente simulado, seja a subsistência do negócio jurídico dissimulado na simulação relativa inocente.

            A ressalva dos direitos de terceiros de boa-fé que confiaram no negócio jurídico aparente, apesar de gerar um temperamento da teoria adotada, não atenua a insegurança e a imprevisibilidade que seriam causadas pela consideração do subjetivismo em relação à validade das relações contratadas de maneira simulada, o que acabaria por comprometer, se não interpretada de maneira restrita, as próprias transações no mercado.


Notas

            01

L. G. P. B. Leães, A Disciplina do Direito de Empresa no Novo Código Civil Brasileiro, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, no128, Rio de Janeiro, Malheiros, 2002, pp. 12.

            02

A. M. Pauperio, Simulação, in Enciclopédica Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, pp. 78-79.

            03

A B. H. Ferreira, Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a ed., Rio de Janeiro, Gama, termos simulação e simular.

            04

F. Ferrara, Della Simulazione dei Negozi Giuridici, 5a ed., Roma, Athenaeum, 1926, p. 36.

            05

C. Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil, 2a ed., Rio de Janeiro, Editora Rio, 1980, p. 225.

            06

F. Ferrara, op. cit., p. 37.

            07

F. Ferrara, op. cit., p. 43.

            08

C. P. U. Miranda, Simulação (Direito Civil), in Enciclopédica Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, p. 86.

            09

T. Ascarelli, O Negócio Indireto, in Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, 1a ed., Campinas, Bookseller, 1999., p. 179.

            10

C. P. U. Miranda, Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos, São Paulo, RT, 1989., p. 27 ss.

            11

E. Betti, Teoria Geral do Negócio Jurídico (trad. Fernando Miranda), t. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1969, p. 98.

            12

A. J. Azevedo, Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, São Paulo, 1974, p. 96.

            13

A. J. Azevedo, op. cit., pp. 99-100.

            14

P. Forgioni, A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, no130, Rio de Janeiro, Malheiros, 2003, p. 32.

            15

M. M. Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, v. 1, 6a ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1988, p. 402.

            16

Neste sentido se manifesta Ferrara, para o qual "o ponto comum dos dois institutos é que em ambos se declara uma coisa que não se deseja com o objetivo de enganar. Mas uma se distingue da outra por causa que a reserva se desenvolver no segredo da mente de um só dos contratantes, enquanto a simulação resulta do acordo de todas as partes" (F. ferrara, op. cit., p. 48).

            A reserva mental foi regulada pelo Novo Código Civil no artigo 110, o qual dispõe que "a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento".

            Como pode-se apreender do dispositivo supracitado, a reserva mental constitui verdadeira exceção à regra da prevalência da vontade sobre a declaração nos negócios jurídicos, como apregoada pelo Novo Código Civil.

            17

C. P. U. Miranda, op. cit., p. 86.

            18

M. M. Serpa Lopes, op. cit., p. 402.

            19

C. M. S. Pereira, Instituições de Direito Civil, v. 1, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 638.

            20

C. P. U. Miranda, op. cit., p. 95.

            21

O conceito de ato jurídico adotado no Código Civil de 1916 era tido de maneira restrita a significar o ato que tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, conforme redação do artigo 81. No Novo Código Civil essa denominação é ampliada para compreender toda e qualquer manifestação de vontade, "seja individual ou coletiva, seja dos órgãos jurisdicionais ou do Poder Legislativo, seja das autoridades administrativas ou do particular, constituindo gênero, do qual a declaração de vontade do particular, dirigida no sentido da obtenção de um resultado, seria espécie, denominada de negócio jurídico" (L. G. P. B. Leães, op. cit., p. 11).

            22

C. P. U. Miranda , op. cit., p. 95; F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. IV, 4a ed., São Paulo, RT, pp. 376 – 377. A inexistência do negócio jurídico absolutamente simulado era expressa já no Esboço de Teixeira de Freitas, que determinava em seu artigo 524 que "se a simulação for absoluta, sem que tenha havido intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposições da lei, e assim se provar a requerimentos de algum dos contraentes, julgar-se-á que nenhum ato existira".

            23

O. Gomes, Introdução ao Direito Civil, 18a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 470.

            24

F. C. Pontes de Miranda, op. cit., pp. 383-384.

            25

F. C. Pontes de Miranda, op. cit., p. 394.

            26

F. C. Pontes de Miranda, op. cit., p. 400. No mesmo sentido manifesta-se Venosa: "se a simulação for inocente, inexistindo prejuízo ou violação de direito de terceiro, prevalecerá o ato dissimulado, desde que não ilida disposição legal, bem como reúna os elementos necessários para ter vida jurídica" (S. S. Venosa, Direito Civil – Parte Feral, v. 1, 3a ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 481).

            Em sentido contrário se manifesta Miranda, pois como partes de um todo nem a relação jurídica simulada, nem a dissimulada seriam consideradas viciadas; o negócio aparente não poderia ser anulado por terceiros, assim como o dissimulado não poderia ser anulado pelas partes (C. P. U. Miranda, op. cit., p. 96).

            27

O. Gomes, op. cit., p. 471.

            28

C. M. S. Pereira, op. cit., pp. 638-639.

            29

W. B. Monteiro, Curso de Direito Civil – Parte Geral, 39a ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 253.

            30

No mesmo sentido Venosa, para quem "não havendo a restrição do art. 104 do Código Antigo, mormente porque se trata de caso de nulidade, os simuladores podem alegar a simulação um contra o outro, ainda porque a nulidade pode ser declarada de ofício. (S. S. Venosa, op. cit., p. 486).
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Sobre o autor
Marcelo Barbosa Sacramone

advogado em Jundiaí (SP), mestrando em direito comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. A simulação no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1256, 9 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9246. Acesso em: 27 dez. 2024.

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