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A simulação no novo Código Civil

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09/12/2006 às 00:00
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Apesar das relações empresariais regerem-se por princípios próprios, o Novo Código Civil, ao unificar a matéria obrigacional, manteve na simulação a prevalência da vontade real à sua manifestação.

Sumário:1. Introdução. 2. Conceito. 3. Interpretação do negócio jurídico. 4. Relação entre a vontade e a declaração na simulação. 5. Simulação absoluta e simulação relativa. 6. Simulação maliciosa e simulação inocente. 7. Efeitos da simulação no Código Civil de 1916. 8. Efeitos da simulação no Novo Código Civil. 9. Conclusão. 10. Bibliografia.


1.Introdução

            O Novo Código Civil logrou unificar a matéria obrigacional no direito brasileiro, o que, longe de constituir uma inovação no direito pátrio, já era tentado sem sucesso desde 1859 com o Esboço de Código Civil de Teixeira de Freitas.

            Os princípios que regem o tratamento a ser dispensado às relações comerciais e às relações civis não se apresentam, contudo, de maneira uniforme, o que dificulta a unificação. A prática reiterada de negócios jurídicos de maneira organizada e estável pelo empresário cria em torno desta atividade negocial uma lógica diversa da pautada à realização de um negócio isolado, típico das relações civis.

            Dentre esses princípios, a segurança e a previsibilidade alcançam extrema relevância ao desenvolvimento das transações empresariais, em virtude da "habitualidade, continuidade finalística e coordenação sistemática" [01], como características que as revestem. A tutela da aparência do negócio jurídico, assim, emerge como o principal ponto de regulamentação do direito obrigacional pelo Código Civil de 2002, pondo em relevância, desta maneira, duas figuras intrinsecamente ligadas: a interpretação e a simulação dos negócios jurídicos.


2.Conceito

            O termo simulação tem origem no latim simulatio, que significa fingimento, artifício [02]. Na definição vernacular, simulação significa ato ou efeito de fingir o que não é; disfarce; fingimento [03].

            Juridicamente, pode-se definir simulação como a aparência de um negócio jurídico contrário à realidade, destinado a provocar uma ilusão no público, seja por não existir negócio de fato, seja por existir um negócio diferente daquele que se aparenta [04]

            Quanto à sua natureza jurídica, as teorias que procuraram conceituar a simulação podem ser agrupadas em dois grupos principais: a teoria tradicional e a teoria objetiva.

            A primeira teoria, cujos postulados são dominantes tanto no Brasil quanto alhures, preconiza uma discordância entre a vontade real e a declaração; as partes convencionariam uma vontade real desejada, mas emitiriam uma declaração não conforme a esta, com o intuito de iludir terceiros.

            Nesta acepção se enquadra Beviláqua, para o qual há simulação "quando o ato existe apenas aparentemente, sob a forma, em que o agente faz entrar nas relações da vida. É um ato fictício, que encobre e disfarça uma declaração real da vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez. É uma declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado" [05].

            No mesmo sentido se manifesta Ferrara determinando que "aquilo que é mais característico no negócio simulado é a divergência intencional entre a vontade e a declaração. A vontade interna e a declaração externa estão conscientemente em oposição" [06].

            As partes emitem, em suma, de comum acordo, com o intuito de enganar terceiros, uma declaração divergente da vontade real.

            A teoria objetiva, sustentada mormente por Kohler, por outro lado, preconiza a existência, no fenômeno simulatório, de duas declarações que se anulam reciprocamente. Para esta teoria, é inconcebível apregoar a divergência entre a vontade real e a declaração.

            Segundo esta teoria, não há na simulação qualquer desarmonia entre a ação e a vontade; a suposta divergência aparente decorre da separação de somente uma parte do todo da declaração, parte que é levada a conhecimento de terceiros. Mas esta divergência não existe; o que existe são duas declarações, uma declaração e uma contra-declaração no mesmo negócio jurídico, as quais se anulariam reciprocamente [07].

            Para a teoria objetiva, sobre a mesma intenção, duas declarações são emitidas. Uma é destinada a terceiros, criando a aparência de determinado negócio jurídico e determinados efeitos típicos que este geraria; a outra fica na esfera exclusiva de conhecimento dos contratantes, regulando de maneira real os efeitos estabelecidos pelas partes [08].

            A despeito das particularidades de cada teoria depreende-se que a o pactuado entre as partes não é o que é manifestado perante terceiros, criando uma aparência de negócio que não se coaduna com a vontade real de produção de efeitos dos sujeitos. A regulação sobre o instituto concentra-se assim em saber, tanto na relação com terceiros quanto entre as partes, qual dos elementos da simulação deve prevalecer, quais sejam a vontade ou a declaração aparente [09].


3.Interpretação do negócio jurídico

            A interpretação acerca do fenômeno simulatório, debruçando-se sobre a prevalência da vontade interna ou da declaração exteriorizada, guarda referência com a própria evolução do conceito de negócio jurídico.

            Savigny, ao conceituar negócio jurídico, preconiza uma concepção subjetiva em que o negócio jurídico apresenta-se como uma declaração de vontade com o fim imediato de constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Sua essência reside na vontade; a declaração apresenta-se como mero meio necessário de exteriorização desta. Nesse sentido, na divergência entre a vontade e a declaração, prevaleceria a vontade [10].

            No Brasil, a teoria subjetiva consagrou-se no Código Civil de 1916 que determinava, em seu artigo 85, que "nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem".

            Contrapondo-se à corrente subjetivista, a teoria objetiva procura sanar a desconfiança e imprevisibilidade que comprometem a própria fluência das relações, mormente das relações comerciais, em decorrência do direito tutelar um elemento interno ao sujeito, sua vontade, em contraposição ao externalizado no meio social – a declaração.

            Sob essa perspectiva, conceitua Betti que o negócio jurídico transparece como o "ato de autonomia privada a que o direito liga o nascimento, a modificação e a extinção das relações jurídicas entre particulares". Para o autor, a vontade "pertence unicamente ao foro interno da consciência individual. Somente na medida em que se torna reconhecível no ambiente social, seja como declaração, seja como comportamento, ela se torna um fato social, suscetível de interpretação e de avaliação pelas partes. Somente declarações ou comportamentos são entidades socialmente reconhecíveis e, portanto, próprias para constituir objeto de interpretação ou instrumento de autonomia privada (...) Objeto de interpretação não pode ser senão um dado objetivo, uma entidade reconhecível precisamente no ambiente social" [11].

            Dessa opinião perfilha Azevedo, para quem "a vontade não é elemento do negócio jurídico; o negócio é somente a declaração de vontade" [12]. Para o autor, "a declaração, uma vez feita, se desprende do iter volitivo; adquire autonomia, como a obra se solta de seu autor. É da declaração, e não da vontade, que surgem os efeitos. Tanto é assim que, mesmo quando uma das partes, em um contrato, muda de idéia, persistem os efeitos deste" [13].

            O Código Comercial de 1850 consagrava a corrente objetiva em seus artigos 130 e 131. Para o normativo, a interpretação dos contratos e convenções mercantis deveria ser realizada através dos costumes, da boa fé e do "verdadeiro espírito e natureza do contrato".

            A boa fé nesse contexto apareceria na sua vertente objetiva, relacionada a padrões de comportamento dos contratantes de uma determinada localidade e de um certo tempo, contrapondo-se à boa fé subjetiva, que recairia sobre os aspectos psicológicos e éticos do indivíduo, algo interior, psíquico do agente. A boa fé objetiva, por outro lado, seria ligada aos usos e costumes, à regra de conduta desenvolvida normalmente pelo homem, o que acaba por permitir a previsibilidade e certeza do comportamento esperado do contratante, garantindo a fluência das transações no mercado.

            O Novo Código Civil, unificando o direito obrigacional, consagra, em sua Parte Geral, a boa fé objetiva, conforme a dicção do artigo 113, que determina que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração". A adoção da teoria objetiva do negócio jurídico, no entanto, não pode ser sustentada em virtude da reprodução quase literal do artigo 85 do Código Civil de 1916 no Novo Código. Nesse sentido, o artigo 112 do novo normativo estabelece que "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".

            Pela dicção do dispositivo, salta aos olhos a prevalência da vontade real à sua manifestação; a declaração torna-se mero instrumento para se buscar a real intenção das partes, a qual estaria naquela consubstanciada. Consagra-se assim a teoria subjetiva, apesar da menção à boa-fé objetiva, voltando-se o intérprete à "manifestação da vontade de cada uma das partes e não naquela comum, correspondente à natureza do negócio" [14].

            A adoção da teoria subjetiva na interpretação dos negócios jurídicos, a qual, entretanto, é temperada pela consideração da boa-fé objetiva, não desconsiderando totalmente a declaração manifestada pelas partes em virtude da confiança e previsibilidade a ser gerada no mercado, foi nestes mesmos moldes implantada pelo Novo Código Civil ao tratar da simulação.


4.Relação entre a vontade e a declaração na simulação

            Ao analisar o conceito de simulação verificou-se como ponto comum entre as teorias que procuraram definir sua natureza a manifestação de um negócio jurídico a terceiros que não se coaduna com a verdadeira vontade das partes, com a real intenção dos sujeitos de produzirem determinados efeitos entre si.

            Como requisito da simulação figura assim um acordo das partes contratantes em declarar para terceiros um negócio jurídico aparente, simulado, cujos efeitos não são desejados pelas partes. Além disso, o propósito do negócio aparente é o de enganar a coletividade, seja não visando a causar nenhum dano, seja objetivando prejuízos a terceiros, ou fugir ao imperativo da lei [15].

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            Ambas as partes devem manifestar uma não conformidade entre o negócio jurídico aparente e a real vontade de produção de efeitos com o ato. Se o desacordo entre a vontade e o negócio jurídico convencionado for de apenas um dos sujeitos, ou seja, não houver a cooperação na criação do negócio jurídico aparente, o instituto não é o da simulação, mas sim o da reserva mental, como predominantemente sustentado pela doutrina [16].

            Da necessidade de combinação das vontades das partes para estabelecer o negócio jurídico simulado, surge a figura do acordo simulatório. É por meio deste que as partes convencionam a criação de uma relação jurídica aparente a terceiros (negócio simulado) e regulam seus reais interesses mediante uma relação jurídica efetiva a produzir efeitos entre si (negócio dissimulado). Nas palavras de Miranda, "as partes não celebram dois negócios distintos – o simulado e o dissimulado – mas um só – o simulado – que encobre também, nas simulações relativas, a relação jurídica dissimulada" [17].

            É o acordo simulatório que possibilita o surgimento do negócio simulado, mediante a estipulação pelas partes de um objetivo dissimulado. Acordo simulatório é o meio convencionado pelas partes para obterem aquilo que se dissimulou.

            O §1o do artigo 167 do Novo Código Civil, à semelhança do artigo 102 do revogado Código Civil de 1916, estabelece que haverá simulação nos negócios jurídicos quando: "I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados".


5.Simulação absoluta e simulação relativa

            O acordo simulatório pode regular que a vontade das partes, ao convencionarem o negócio jurídico aparente, era não produzir com o ato simulado nenhum efeito jurídico, ou produzir efeitos diferente dos efeitos típicos do negócio determinado. Pode-se distinguir a simulação, conforme esses efeitos regulados no acordo simulatório, em simulação absoluta e simulação relativa.

            Na simulação absoluta, a declaração aparente de vontade não visa a produzir qualquer efeito jurídico. Através do acordo simulatório, as partes convencionam um negócio jurídico aparente, mas que também não desejam produzir qualquer efeito com esse ato.

            As partes procuram transmitir a terceiros uma situação enganosa de que teriam convencionado determinado negócio jurídico (aparente), mas na realidade não quiseram, de comum acordo, produzir qualquer resultado. Há a mera aparência, pois as partes não desejam produzir nenhum efeito jurídico com o negócio que se apresenta a terceiros.

            Na simulação relativa, por outro lado, visa-se com o negócio simulado produzir efeitos diferentes dos típicos do negócio. O negócio aparente, na simulação relativa, "não passa de um meio de realização do ato dissimulado, ou realmente querido" [18].

            A simulação relativa difere da simulação absoluta pois as partes têm a intenção de gerar efeitos jurídicos, de produzir com o negócio jurídico aparente um resultado. Os efeitos buscados pelas partes, contudo, não são os efeitos normalmente gerados pelo negócio aparente. O resultado buscado é o da relação jurídica dissimulada, a qual fica encoberta pelo negócio jurídico aparente.


6.Simulação maliciosa e simulação inocente

            Como anteriormente visto, o outro requisito da simulação é o propósito, através do negócio aparente, de enganar a coletividade. Nesse sentido, pode-se contrapor a simulação maliciosa à simulação inocente, tendo em vista a boa ou má-fé das partes envolvidas.

            Na simulação inocente, o intuito de enganar a terceiros não visa a prejudicar qualquer desses ou violar determinação legal. Os simuladores desejam com o negócio jurídico simplesmente ocultar de terceiros a verdadeira natureza do negócio, sem, no entanto, causar dano a interesses de qualquer pessoa.

            Na simulação maliciosa, por outro lado, as partes visam prejudicar terceiros ou violar disposição legal. É, portanto, a finalidade do agente que irá determinar a consideração do negócio como malicioso ou inocente. Segundo Pereira, assim, "o mesmo ato ou a mesma declaração de vontade pode constituir simulação inocente ou maliciosa, conforme seja desacompanhada ou revestida de um propósito danoso: um marido que disfarça sob a forma de compra e venda um donativo a um parente, para que não o apoquente a mulher, faz uma simulação inocente, mas o mesmo processo será simulação maliciosa se o propósito é desfalcar o patrimônio conjugal e prejudicá-la" [19].


7.Efeitos da simulação no Código Civil de 1916

            A simulação no Código Civil de 1916 era caracterizada como vício social e tida tradicionalmente, de maneira correlata aos vícios de vontade, tais como o erro, o dolo e a coação, como causa de anulabilidade do negócio jurídico, desde que praticada com a intenção de prejudicar terceiros, ou de burlar a lei.

            Como pode-se depreender do exposto, os efeitos da simulação variavam conforme a espécie de simulação tratada.

            Na simulação absoluta, o negócio jurídico era tido como inexistente pois o intuito das partes era criar uma mera aparência de negócio jurídico, não resultando nenhum efeito jurídico. A caracterização de sua inexistência decorria da interpretação a contrario sensu do artigo 81 do antigo Código, que determinava que "todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico" [20].

            Nesse sentido, o negócio jurídico aparente – ato jurídico, na dicção do antigo Código Civil [21] -, como destinado pelas partes a não promover qualquer efeito jurídico entre si, não possui o elemento de fato necessário à sua concepção, qual seja a vontade das partes de se vincularem, sendo considerado como inexistente [22].

            O referido se harmoniza à definição de ato inexistente de Gomes, para quem "somente dois requisitos gerais podem ser considerados elementos de fato que, faltando inteiramente, não permitem sua formação. Esses elementos são: a) a vontade; b) o objeto (...) Quando falte, pois, um desses dois elementos, negócio jurídico não se forma. Uma vez que é juridicamente inexistente, desnecessário declarar sua invalidade, visto que não pode produzir qualquer conseqüência jurídica. Não se convalida, não se converte em outro negócio válido, não pode ter eficácia como putativo" [23].

            Não poderia um terceiro eventualmente prejudicado por confiar na aparência do negócio absolutamente simulado alegar a existência deste para pleitear direitos, mas simplesmente fundamentar pedido indenizatório no artigo 159, que estabelecia que todo "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano" [24].

            Na simulação relativa inocente, as partes estabelecem um negócio jurídico aparente para encobrir uma relação jurídica dissimulada. Esta simulação, apesar de visar enganar a coletividade, como pressuposto da própria figura da simulação, não objetiva causar prejuízo a terceiro ou violar norma legal não sendo portanto causa de anulabilidade do negócio jurídico, que permaneceria válido.

            Com relação a esta, dispunha o artigo 103 do Código Civil de 1916 que "a simulação não se considerará defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei".

            Para Pontes de Miranda a regra adviria do artigo 525 do Esboço de Teixeira de Freitas que determinava que "se a simulação for relativa e também não tiver havido intenção de prejudicar a terceiro, ou de violar disposição de lei, os atos não valerão com o caráter aparente que tiverem, mas com o seu caráter verdadeiro, se como tais pudessem valer". Para o autor, o negócio jurídico aparente é inexistente. O ato simulado é como regra fático, e não jurídico, "somente se puder sobrevir prejuízo a terceiro, ou violação à lei, o sistema jurídico fá-lo entrar no mundo jurídico" [25]

            Nesse sentido, na simulação relativa inocente prevaleceria o negócio jurídico dissimulado, verdadeira intenção de realização pelas partes. A essa conclusão se pode chegar pela interpretação a contrario sensu do artigo 104, que veda a alegação de simulação pelas partes somente na simulação maliciosa. "Sendo inocente a simulação relativa, qualquer dos simulantes pode pedir a que se declare a relação jurídica dissimulada, prevalecendo, então, o que foi querido, em vez do que se aparentou querer" [26].

            Se houver a intenção de prejudicar terceiros ou de violar disposição de lei, a simulação era considerada defeito social, causa de anulabilidade de todo o negócio jurídico. O artigo 105 do Código Civil de 1916 estabelecia, desta forma, que "poderão demandar a nulidade dos atos simulados os terceiros lesados pela simulação, ou os representantes do poder público, a bem da lei, ou da Fazenda".

            Às partes, entretanto, não foi atribuída esta faculdade em decorrência do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, pelo qual o direito não protegeria a alegação da própria má-fé. O princípio foi consagrado no artigo 104, que dispunha que "tendo havido intuito de prejudicar a terceiros ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros".

            Desta forma, se os terceiros interessados não demandarem a anulabilidade do ato, às partes não era permitido se desvincularem da obrigação imposta, ainda que acometida como causa de anulabilidade.

            Pode-se depreender, do exposto com referência à caracterização da simulação no Código Civil de 1916, que a regulação privilegia a vontade real das partes seja declarando o negócio jurídico na simulação absoluta como inexistente, o prevalecimento do negócio dissimulado na simulação relativa inocente, seja anulando o negócio jurídico aparente na simulação maliciosa, cujo intuito era prejudicar terceiros ou violar disposição de lei.

            O negócio jurídico simulado prevalecerá somente na hipótese excepcional de simulação maliciosa em que terceiros interessados ou os representantes do poder público legitimados não demandem sua anulação, sendo esta demanda impossibilitada às partes em decorrência de regra expressa.

            Logo, o tratamento dispensado à simulação no Código Civil de 1916 harmoniza-se com a corrente subjetiva já adotada por este normativo ao tratar da interpretação do negócio jurídico.

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Sobre o autor
Marcelo Barbosa Sacramone

advogado em Jundiaí (SP), mestrando em direito comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. A simulação no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1256, 9 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9246. Acesso em: 26 abr. 2024.

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