Direito fundamental à constituição de união estável e familiar entre pessoas do mesmo sexo na ADPF 132 e o backlash legislativo no PLS 612/2011

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3. DECISÃO DO CONGRESSO NACIONAL NA PLS 612/2011

O projeto de lei 6583/2013 versa sobre Estatuto da Família, estabelecendo as políticas públicas e ações no sentido de valorizar e resguardar direitos sobre essa, visto que a própria Constituição não resguarda esses direitos. Um exemplo é a criação do conselho da família, que servirá para tratar sobre esses temas específicos.

Nessa perspectiva, apesar de pontos sem divergências, o principal ponto menciona sobre a família ser constituída por homem e mulher, ou seja, retirando a possibilidade de formação por homossexuais, isto é, constituição familiar homoafetivas. Os impactos no tocante a isso foram discutidos, dentre essas, a impossibilidade de casais homossexuais conseguirem adotar crianças, por exemplo.

A autor do projeto afirma que esse estatuto tem como base a própria Constituição, visto que o conceito de família é previsto no art. 226, §3º da CF, afirmando que a família é a base da sociedade, formada pela união entre homem e mulher. Além disso, salienta que a família deve ser definida com base na capacidade de gerar filhos e isso é uma impossibilidade em relação aos casais homoafetivos.

Conclui então que será fundamental a vigência desses, visto que resgatará os valores das famílias, esses que, erroneamente, o Estado se omite de analisar, pois deveria realizar politicas assistencialistas em relação as famílias.


4. BACKLASH E A TUTELA DO DIREITO FUNDAMENTAL DE LIBERDADE SEXUAL NA REAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO À ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

O PLS 612/2011 veio como um projeto de lei visando alterar os artigos 1.723 e 1.726 do código civil. Tais mudanças pautam-se na permissão do reconhecimento legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Ou seja, fica nítido que tal projeto de lei é uma consequência direta da ADPF 132. Ou seja, o congresso entendeu que, a partir da regulação da união estável entre homossexuais, é extremamente necessário que as uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo sejam reconhecidas/protegidas pela lei.

O projeto de lei nº 6583/2013 dispõe acerca do Estatuto da Família e suas peculiaridades. Proposto em 2013, ele se caracteriza por claramente ser uma resposta ao ADPF 132 julgado pelo STF e ao projeto de lei nº 612/11. O estatuto da família traz em seu artigo 2º que família é formada a partir da união estável entre homem e mulher, ou seja, tal estatuto vai totalmente de encontro ao que o STF entende como correto no que tange a liberdade sexual e uniões homoafetivas.

Tal projeto pauta-se na ideia de que o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal é claro no que tange ao que seria a união estável protegida constitucionalmente. Ou seja, a propositura do Estatuto da Família pautou-se não pelo o que o STF entendeu como correto, e sim no que está escrito constitucionalmente. Todavia, a partir dessa interpretação do Estatuto em questão, ocorre uma clara exclusão de grande parcela da sociedade no que tange à união estável e criação de família, logo, há uma supressão do direito à constituição de união estável por pessoas do mesmo sexo.

Somado a isso, o projeto de lei nº 6.583/2013 ignora completamente a igualdade formal entre as pessoas. E é sabido que esse tipo de direito fundamental se baseia na igualdade formal, pois não há motivo plausível para se diferenciar as uniões estáveis homoafetivas das uniões estáveis heteroafetivas. Com isso, é inquestionável que qualquer tipo de diferenciação seria oriunda de alguma ação preconceituosa, além de ferir a igualdade formal necessária para casos dessa seara.

Ou seja, esse backlash se caracteriza como uma resposta negativa ao que o STF decidiu. Todavia, além do exposto, ainda há de se falar de mais pontos que podem trazer a inconstitucionalidade deste. Partindo de uma interpretação hermenêutica teleológica, isto é, que o direito e as leis tem que estar em compasso com a sociedade, pois os agentes do direito fazem parte da sociedade. Logo, uma lei que ignore qualquer parcela da sociedade é completamente inconstitucional, pois ela irá de encontro a interpretação que a constituição cidadã do Brasil almeja.

Somado a isso, as decisões do STF são vinculantes, a partir disso, um projeto que vá de encontro a qualquer decisão da nossa suprema corte, está fadado a ser taxado de inconstitucional, uma vez que esse irá ferir a jurisprudência. Ademais, ainda há de se falar na proibição de retrocesso, pois, nas ilustres palavras do professor Ingo Sarlet “a proibição de retrocesso guarda íntima relação com a noção de segurança jurídica” (2015, p. 451). Interpretando essa citação, nota-se que o projeto de lei, caso vire mesmo uma lei, irá ferir intimamente a segurança jurídica brasileira, pois ocorrerá uma supressão de direito fundamental já conquistado, o que é vedado constitucionalmente.

Por tudo isso, fica claro que o backlash em questão é totalmente equivocado e completamente infundado, já que o mesmo fere inúmeros direitos fundamentais e, em especial, o direito fundamental à constituição de união estável homoafetiva. Além disso, ainda vai de encontro a igualdade formal – necessária nessa seara – e ignora a proibição de retrocesso, ou seja, o projeto de lei supracitado é inconstitucional sob vários aspectos, logo, o backlash é inconstitucional.


5. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como principal destaque a análise do backlash contra a decisão do STF na ADPF 132, que versava sobre a necessidade de se considerar, além do que prevê o Código Civil, a união estável também de casais homossexuais, para garantias de direitos advindos de tal união.

Constatou-se que tal decisão foi uma vitória, pois assegura direitos fundamentais previstos na nossa Constituição Federal a todos os indivíduos, não apenas, no caso específico, apenas casais heterossexuais.

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Fora observado também que houve backlash, no caso, uma movimentação contrária à decisão do Supremo Tribunal Federal, em desfavor aos direitos de uniões homossexuais e surgindo de um descontentamento de uma parcela da sociedade que é contra essa igualdade de direitos.

Observa-se, então, que a atuação do legislativo, que deveria ser de assegurar direitos e manter o que a Suprema Corte já havia garantido na decisão da ADPF 132, foi totalmente contrária e visa, em poucas palavras, o corte de direitos básicos e fundamentais que todo ser humano possui, independentemente de sua sexualidade. Há aqui uma evidente seletividade de direitos e uma exclusão sistemática de uma parcela que desde sempre fora marginalizada pela sociedade, mas que também possui direitos como todos os outros, assegurados constitucionalmente.


REFERÊNCIAS

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 10 ed. Porto Alegre: Lumen, 2011

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