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A inspeção do trabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho

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11/12/2006 às 00:00
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3.A NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

            Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004, o poder constituinte derivado ampliou a competência material da Justiça do Trabalho de forma significativa, atraindo para o ramo especializado todas as ações oriundas da relação do trabalho, em sentido amplo, abrangendo, inclusive, as ações de indenização por danos morais e patrimoniais, o habeas corpus, o habeas data, as controvérsias que envolvem representação sindical, entre outras, como se extrai da nova redação do art. 114 da Constituição Federal, in verbis:

            Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

            I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

            II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

            III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

            IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

            V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

            VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

            VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

            VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

            IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

            § 1.º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

            § 2.º – Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

            § 3.º – Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. [31]

            Como uma das mais relevantes alterações, está o novel inciso VII, objeto deste estudo, o que não tem sido tratado, porém, de forma profunda pelos doutrinadores juslaborais, seja pelo aspecto eminentemente processual, tornando a matéria de cognição aparentemente simples, seja pela celeuma causada pelo inciso I do art. 114, atraindo a atenção da comunidade científica de forma mais acentuada.

            O texto revogado limitava a tratar, prioritariamente, das controvérsias decorrentes das relações empregatícias, como se extrai do texto anterior, do qual foi mantido o § 1.º e transferido o § 3.º (incluído pela EC n.º 20/98) para o atual inciso VIII:

            Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

            § 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

            § 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.

            § 3° Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. [32]

            Como previsto na Carta Política, a competência para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho é da União (art. 21, XXIV), sendo, até então, a Justiça Federal competente para julgar as ações em que a União for parte, nos termos do inciso I do art. 109 da Constituição. Todavia, com a promulgação da EC n.º 45/2004, a competência para julgar as ações relacionadas à inspeção do trabalho passou dos juízes federais para a Justiça do Trabalho.

            O texto original da Proposta de Emenda Constitucional previa, ainda, a competência da Justiça do Trabalho para promover de ofício a execução das multas decorrentes das infrações reconhecidas nas sentenças, que em razão do desdobramento da reforma do judiciário, retornou à Câmara dos Deputados através da PEC n.º 358/05, que poderá acrescentar o inciso XI do art. 114 Constitucional.

            Tal atribuição, que em breve poderá entrar em vigor, é considerada como uma das mais relevantes daquela Proposta de Emenda Constitucional no que tange à Justiça do Trabalho, pois insere na sua competência a aplicação da multa ao tomador de serviços ou empregador que descumpriu uma obrigação trabalhista, reconhecida em sentença, isto é, caso haja condenação por descumprimento de determinada norma trabalhista, o juiz poderá aplicar a multa administrativa respectiva, que seria revertida para o Fundo de Execuções Trabalhistas, criado pela EC n.º 45/2004, cuja finalidade é garantir ao trabalhador a quitação dos créditos oriundos de sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho no caso de execuções frustradas.

            Há entendimento, porém, que atribui tal competência à Justiça do Trabalho independentemente da aprovação daquela proposta, como expõe Antônio Alves Silva, [33] considerando aplicável a alínea d do art. 652 da CLT, com redação dada pelo Decreto-lei n.º 6.353, de 20 de dezembro de 1944, que atribuiu às Varas do Trabalho a competência para imposição de multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência. O Tribunal Superior do Trabalho afastou tal posicionamento, tornando inaplicável o referido dispositivo:

            CRÉDITO TRABALHISTA - NÃO-SATISFAÇÃO NA ÉPOCA PRÓPRIA -MULTA –EXEGESE

            Os arts. 652, letra d, e 678, II, letra c, da CLT não autorizam às JCJs e aos TRTs a aplicação das multas ali previstas, pois tais dispositivos não conferem ao juiz o poder de legislar sobre as hipóteses de sua incidência. Para a sua captação, é mister que haja norma expressa anteriormente prevendo os atos ilícitos sujeitos à penalidade legal. A incidência de multa a título de recomposição do valor real do crédito trabalhista não satisfeito em época própria traduz-se em dar-lhe natureza jurídica diversa, porque tal penalidade tem o caráter de sanção pela prática de ato ilícito. [34]

            Contudo, o cerne do tema proposto se limita ao texto já aprovado, previsto no inciso VII do art. 114 da CF/88, suas implicações e alcance, que através da exegese, verifica-se que na competência da Justiça do Trabalho se inclui todos os atos da inspeção do trabalho, isto é, não só as penalidades administrativas, mas todos os atos exarados pela administração pública na fiscalização das relações do trabalho. Com efeito, entre os meses de julho e dezembro de 2005, as Varas do Trabalho arrecadaram o equivalente a R$ 2.591.011,65 (dois milhões quinhentos e noventa e um mil e onze reais, e sessenta e cinco centavos)[35] equivalentes a multas administrativas, decorrentes da nova competência.

            Pela primeira análise do dispositivo em tela se extrai a competência para processar e julgar a execução das multas impostas pela fiscalização do trabalho, iniciada pelo título executivo, após a respectiva inscrição na dívida ativa, aplicando a Lei de Execuções Fiscais, conforme art. 642 da CLT. Ensina Carlos Henrique Bezerra Leite que "por ser a ação de execução fiscal uma espécie do gênero de ‘ação’, parece-nos que não há como olvidar que a justiça do trabalho é agora competente para processá-la e julgá-la", [36] posição que não se encontra pacificada.

            Assim, todo e qualquer incidente processual decorrente de tal título executivo está inserido na competência aqui tratada, como ação de repetição de indébito, ação anulatória do ato declarativo de dívida ou os embargos do devedor. Ao lado das execuções do crédito trabalhista propriamente dito, agora, pois, além das custas processuais, das contribuições previdenciárias e da contribuição sindical, há a multa administrativa que caberá à justiça laboral julgar.

            Salienta-se, também, que o rol de títulos executivos extrajudiciais no processo do trabalho fora ampliado, somando-se aos Termos de Ajuste de Conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os Termos das Comissões de Conciliação Prévia (CLT, art. 876), a Certidão de Dívida Ativa (CDA), que é regulada pelo Capítulo II do Título IV do Código Tributário Nacional (CTN), nos termos dos seguintes dispositivos:

            Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.

            Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito.

            Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente:

            I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;

            II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;

            III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;

            IV - a data em que foi inscrita;

            V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.

            Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição.

            Art. 203. A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior, ou o erro a eles relativo, são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.

            Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

            Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite. [37]

            É uníssona a doutrina no sentido de que a ampliação da competência inclui também a execução das multas aplicadas pela fiscalização trabalhista, uma vez que além de ser a execução uma espécie de ação, assim tratada expressamente pelo texto constitucional,

            [...] de muito rasa lógica seria a distribuição da competência, de forma a exigir dos litigantes que se defendessem, ou postulassem, perante a Justiça do Trabalho, mas que, consolidada a obrigação de pagamento da dívida, aforassem – ou se defendessem – perante a Justiça Federal, durante a execução. [38]

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            A jurisprudência, inclusive do judiciário federal, acompanha o entendimento doutrinário e a correta interpretação da Lex Mater, seja pela aplicação imediata das normas processuais, atingindo também as demandas em curso, seja pela auto-aplicabilidade da alteração de competência, consagrada pelo "princípio da máxima efetividade da norma constitucional prevista no inciso VII do art. 114 para permitir todas as espécies de ações, inclusive as executivas fiscais", [39] como se extrai do aresto infra:

            CONSTITUCIONAL – MULTA FISCAL APLICADA AO EMPREGADOR PELA DRT – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ART. 114, INC. VII, DA CF/88 COM A REDAÇÃO DADA PELA EC 45/04 – REMESSA DOS AUTOS AO TRT DA 21A – REGIÃO – 1. É competente para o processo e julgamento de feito relacionado a multa fiscal aplicada pela Delegacia do Trabalho a Justiça Trabalhista, nos termos do art. 114, inciso VII da CF/88 com a redação dada pela EC 45/04. 2. A regra de competência prevista no art. 114, VII da CF/88 produz efeitos imediatos, a partir da publicação da EC 45/04, atingindo os processos em curso, ressalvado o que já fora decidido sob a regra de competência anterior. 3. Competência declinada em favor da Justiça do Trabalho, remetendo- se os autos ao TRT/RN (21a. Região). [40]

            Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma diametralmente oposta ao defendido pela maioria doutrinária, tem entendido que a EC n.º 45/04 não alterou a competência da Justiça Federal em relação à execução fiscal, conforme julgamento noticiado no Informativo n.º 278 do STJ, verbis:

            PROCESSUAL CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA DA UNIÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – ARTS. 109, I E 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ALTERADO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004).

            1. Compete à Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, VII, da CF/88, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, apreciar ações decorrentes de penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.

            2. Hipótese em que a modificação, pela Emenda Constitucional 45/2004, do art. 114 da CF em nada alterou a competência da Justiça Federal para o julgamento do presente feito.

            3. A execução fiscal de dívida ativa não-tributária da União, oriunda de aplicação de penalidade administrativa, continua a ser processada perante a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88.

            4. A competência para julgamento dos embargos à execução fiscal, de natureza acessória, ainda que se trate típica ação de conhecimento e, nesse ponto, tenha por finalidade a desconstituição da penalidade administrativa, inclui-se na competência residual da Justiça Federal, por força do art. 109 do CPC.

            5. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. [41]

            Entende-se, portanto, que o inciso VII do art. 114 da Carta Constitucional inseriu dentre a competência do judiciário trabalhista, as execuções fiscais das multas aplicadas pela inspeção do trabalho, data maxima venia o entendimento daquele superior tribunal, cuja cizânia certamente será pacificada pelo Supremo Tribunal Federal em um futuro próximo.

            Entrementes, a nova modalidade de litígio causará, naturalmente, forte impacto na seara laboral, diante da enormidade de autuações efetuadas todos os anos, como já tratado. Contudo, é possível que para as multas que envolvem valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (um mil reais), não haja inscrição na dívida ativa, bem como não haja ajuizamento de execução fiscal para as dívidas de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme disposição contida no art. 1.º da Portaria n.º 49/04 do Ministério da Fazenda, embora seja possível a reunião de inscrições de um mesmo devedor.

            Destarte, ocorrendo a propositura da ação de execução em face do empregador ou terceiro não empregador, esses poderão contar com todos os meios legais para discutir a legalidade da ação, bem como a validade do título executivo. No processo laboral, portanto, que possui na fase executória o seu maior entrave, está inserido agora, além das execuções trabalhistas stricto sensu, a execução fiscal, alargando o rol de complicadores do processo executivo.

            Aplica-se, agora, como fundamento primeiro, e não como norma subsidiária, a Lei n.º 6.830/80, que trata das execuções fiscais, trazendo para a justiça especializada todos os privilégios conferidos à Fazenda Pública, que garantem à administração vários privilégios em detrimento do particular.

            É certo que a jurisprudência trabalhista construirá seu próprio arcabouço dogmático, mas diante da inovação constitucional, é possível, conforme disposição do art. 8.º da CLT, a observância da jurisprudência da justiça comum, como as Súmulas do STJ no que tange à execução fiscal, pois embora a lei de execuções fiscais seja de amplo conhecimento dos magistrados trabalhistas, agora, com o inciso VII do art. 114 da CF/88, há na seara laboral, uma execução fiscal propriamente dita, com a fazenda pública em um dos pólos, não como mera empregadora, mas como administração pública.

            A Súmula n.º 121 daquele superior tribunal prevê a necessidade de intimação pessoal do devedor na execução fiscal, designando dia e hora para a realização do leilão. O Verbete n.º 128, também versando sobre o leilão na execução fiscal, dispõe que se não houver no primeiro, lanço maior que a avaliação, deverá ocorrer o segundo leilão. Segundo entendimento do STJ, consubstanciado no Enunciado n.º 153 de sua Súmula, haverá responsabilidade do exeqüente dos encargos de sucumbência ainda que tenha desistido da execução fiscal, contanto que haja oferecimento de embargos.

            Outro entendimento consagrado é a dispensa de intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais, como dispõe a Súmula n.º 189 do STJ, porém, não aplicável, por ora, na justiça especializada em razão do art. 44 do Provimento Consolidado da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, que determina a remessa do processo ao Ministério Público do Trabalho quando for parte pessoa jurídica de direito público.

            Quanto ao rito procedimental, no caso das execuções fiscais, invertem-se "as regras previstas nos arts. 769 e 889 da CLT", [42] aplicando primeiro a Lei n.º 6.830/80 e supletivamente a CLT e o CPC.

            Contudo, diverge a doutrina quanto ao sistema recursal aplicável, afirmando Sérgio Pinto Martins que "da decisão que julgar a cobrança de multa caberá apelação (art. 35, da LEF) e não os recursos previstos na CLT". [43] Tal posição não encontra consonância na maioria, pois a corrente dominante defende a manutenção do sistema recursal previsto na CLT mesmo nas execuções fiscais, e também nas demais ações procedentes do inciso VII do art. 114 da Carta Política, como prevê o art. 2.º da Instrução Normativa (IN) n.º 27 do TST, que prevê a observância da CLT quanto a sistemática recursal. Esse também é o posicionamento de Estevão Mallet:

            A incidência do procedimento trabalhista às novas ações estende-se à fase recursal. Na ação proposta para cobrança de honorários de profissional liberal [...] a interposição de agravo de instrumento, observa o disposto no art. 897, alínea "b", da CLT, não o previsto no art. 522, do CPC. Já no mandado de segurança impetrado contra autuação realizada por auditor fiscal do trabalho, para tomar outro exemplo, o recurso cabível para impugnar a sentença é o ordinário, não a apelação. [44]

            Por sua vez, cerrando fileira com a corrente doutrinária dominante, Marcos Neves Fava assim se posiciona:

            Frise-se a necessidade de manutenção, em particular, do sistema recursal trabalhista, fundado na unirecorribilidade e desconhecedor de outras finalidades ao agravo de instrumento, senão a de destrancar recursos.

            Para as ações que já disponham de rito próprio, como as Execuções Fiscais (Lei n. 8630) ou o Mandado de Segurança (1533), por evidente que seu procedimento deve ser observado, sempre com a restrição quando ao sistema recursal, que decorre da adaptação dos modelos processuais comuns à Justiça do Trabalho, de há muito conhecido entre os operadores do direito do trabalho. [45]

            Tal raciocínio se aplica às demais ações que tramitarão na Justiça do Trabalho após a EC n.º 45/04 como o mandado de segurança, que agora poderá ser impetrado em primeiro grau de jurisdição, porquanto a autoridade fiscalizadora do trabalho pertence a órgão diverso do poder judiciário. Assim, mais do que nunca, o mandado de segurança será utilizado na justiça especializada, como se extrai da leitura do inciso IV, que prevê a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição, e do inciso VII, ambos do art. 114 da CF/88.

            Com efeito, havendo prática de ato coator pelo órgão da inspeção do trabalho, poderá o empregador impetrar o mandamus na Vara do Trabalho, haja vista o critério da hierarquia funcional.

            Cabendo ao mandado de segurança as questões de índole civil, restou ao habeas corpus o objetivo de garantir a liberdade de ir e vir, cuja natureza eminentemente penal não se discute, podendo ser utilizado na Justiça do Trabalho como instrumento de proteção da liberdade individual. Logo, afirma-se a competência penal da Justiça do Trabalho, não só quanto aquele remédio constitucional de natureza penal, mas os demais procedimentos infraconstitucionais, pois "não seria razoável que se estendesse, em caráter de exceção, a competência penal justamente para o instituto que decide de uma forma mais patente e manifesta a liberdade do ser humano",[46] deixando de aplicar as regras procedimentais infraconstitucionais.

            In casu, na atuação fiscalizatória de determinada relação do trabalho, se o empregador "se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir" (CPP, art. 647), poderá ser utilizado o habeas corpus de forma preventiva ou repressiva, a ser impetrado na justiça laboral.

            Assim, além das expressamente previstas no texto constitucional, a justiça laboral é competente para julgar qualquer ação decorrente da atuação da inspeção do trabalho. Neste sentido, inclusive as ações ditas inominadas, sem regramento específico, serão processadas na justiça laboral. Como exemplo, cita-se ação interposta por uma empresa do ramo de transportes discutindo a legalidade de inúmeras autuações administrativas por desobediência ao Decreto n.º 5.598, de 1.º de dezembro de 2005, que regulamenta a contratação de aprendizes.

            Tal texto normativo obriga qualquer estabelecimento a contratar o mínimo de 5% dos empregados em número de aprendizes, porém, sem qualquer exclusão da base de cálculo dos empregados que ocupem posição incompatível com a aprendizagem no caso de função exercida apenas por maiores, como é o caso de motorista de veículos pesados, que além de trabalhar em regimes de revezamento, notoriamente desgastantes, desempenha atividade de extremo risco. Note-se que o fato da possibilidade do aprendiz possuir até 24 anos (Lei n.º 11.180/05) não obsta tal conclusão.

            Aquela ação objetivou a desconstituição de inúmeros autos de infração, bem como a abstenção dos agentes da fiscalização em penalizar a empresa autora por descumprimento de uma norma que foge aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

            Trata-se de uma ação sem previsão expressa no ordenamento jurídico, pois visava não só a anulação dos autos, mas uma obrigação de não fazer da administração pública federal. Embora se assemelhe à ação anulatória, não é este o caso, pois seu objetivo ultrapassou os limites desse instrumento processual, bem como não se fala em ação cautelar, pois embora também cabível, não havia o caráter instrumental ou temporário correspondente.

            Logo, impossível esgotar o rol das ações cabíveis em face da fiscalização laboral, sendo necessário que os critérios determinantes para verificação da competência seja a qualidade do sujeito passivo, que se trata de um órgão de fiscalização; e o sujeito ativo deverá ser empregador ou terceiro não empregador, e com isso, a relação objeto da atuação fiscalizatória deverá ser trabalhista, embora não necessariamente empregatícia.

            Tal conclusão confronta a interpretação reacionária da literalidade do inciso VII do art. 114 da Carta Constitucional, no sentido de limitar as ações relativas à relação empregatícia, segundo alguns juristas. A incoerência aqui é latente, mormente pela competência da fiscalização do trabalho em atuar também quanto às relações não subordinadas, sem vínculo empregatício (RIT, art. 14). Parte da doutrina, embora concorde com a contradição do texto constitucional, limita-se à sua análise gramatical:

            Seria de se esperar que a expressão ‘relações de trabalho’, inscrita no inciso VII do artigo 114, tivesse o mesmo sentido e alcance adquiridos no inciso I, de molde a atrair para a justiça do trabalho as ações relativas a todas aquelas penalidades. Mas não foi assim. Em todos esses casos (terceiros não-empregadores), conquanto se trate de fiscalização do cumprimento de disposições internacionais, legais, regulamentares e/ou convencionais de proteção de trabalhadores, as ações relativas às sanções administrativo-laborais continuarão a ser da competência da justiça federal.[47]

            Ao que parece, este foi um dos tantos equívocos cometidos pelo parlamento brasileiro, pois enquanto toda a reforma, neste particular, insere qualquer relação de trabalho na competência da Justiça do Trabalho, o inciso VII trata do empregador, ensejado interpretação de que somente os atos da fiscalização das relações empregatícias seriam objetos da nova competência. Afirma-se, ainda, que tal "inconveniente, no entanto, ante a literalidade intransponível, in casu, não pode ser solucionado por meio da hermenêutica"[48].

            Esse também é o respeitável entendimento de Edilton Meirelles, [49] limitando-se à interpretação literal do dispositivo constitucional, remetendo a possibilidade de modificação, isto é, de atração da competência, inclusive no que concerne aos órgãos de fiscalização das relações não-subordinadas, através de lei ordinária. A posição de Estevão Mallet [50] não é diferente, pois afirma a manutenção na Justiça Federal da competência para dirimir controvérsias decorrentes da fiscalização promovida pelos órgãos de classe, embora concorde que o correto seria abranger os empregadores e os contratantes de serviços autônomos.

            Todavia, caso mantido tal entendimento, o avanço consagrado pela reforma do judiciário não alcançaria as diversas relações trabalhistas sem vínculo empregatício, mantendo a incongruência do antigo sistema, pois enquanto o trabalhador não subordinado postula perante a justiça laboral, a competência para controle dos atos da fiscalização neste caso se manteria na Justiça Federal, o que, data maxima venia, não concordamos.

            Aplica-se a moderna interpretação do texto constitucional, ensinada por Paulo Bonavides, [51] no sentido de se converter o Estado de Direito em Estado de Justiça, e através do método científico-espiritual, interpretar a constituição na sua totalidade, no seu contexto amplo, bem como o método de concretização, que possibilita extrair da Carta Constitucional de 1988 o seu conteúdo material.

            Destarte, a mens legis não se limita às relações meramente empregatícias, utilizando-se, além daqueles, o método teleológico, para ampliar a interpretação daquele dispositivo, sendo possível que as controvérsias decorrentes dos atos da fiscalização das relações não subordinadas também sejam dirimidas na Justiça do Trabalho, como ocorre, verbi gratia, na atuação fiscal dos órgãos de classe no que concerne aos profissionais liberais, como o CRM, OAB, CREA, entre outros, assim como a atuação do próprio MTE nas demais relações trabalhistas. No sentido do texto é o entendimento de Antônio Alves Silva, serrando fileira por uma exegese mais ampla do dispositivo constitucional. [52]

            Demais, além das ações já enunciadas, os atos da administração pública no que concerne à inspeção do trabalho poderão ser desconstituídos por ação declaratória de nulidade ou ação anulatória de débito, que envolverá matéria inerente aos requisitos e pressupostos do ato administrativo.

            Note-se, ainda, que o jurisdicionado poderá utilizar-se da Justiça Trabalhista para obter comprovação de sua regularidade fiscal junto à Caixa Econômica Federal (CEF) e ao Instituto Nacional da Seguridade Social, requerendo, respectivamente, a Certidão de Regularidade de Situação quanto ao FGTS, e a Certidão Negativa de Débito quanto ao INSS, posto que tais órgãos também executam a fiscalização do trabalho, embora o foco principal deste estudo seja a inspeção exercida pelo Ministério do Trabalho.

            Ainda quanto ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, a pretensão jurisdicional envolverá a penalidade imposta ao empregador em razão do não recolhimento, tal como previsto no art. 22 da Lei n.º 8.036/90, bem como exigência do recolhimento, mesmo em caso de inexistência de penalidade, pois como visto, a competência envolve todos os atos da fiscalização, e não somente os atos que ensejam penalidades administrativas. Relembre-se que o art. 23 da Lei n.º 8.036/90 incumbiu ao Ministério do Trabalho a competência para fiscalização e verificação, podendo inclusive constituir débito do FGTS em nome da CEF, que além de uma vantagem trabalhista, constitui também um tributo, evidenciando a relevância do tema para a Administração Pública.

            Tal possibilidade acompanha a tendência do Governo Federal em se utilizar da Justiça do Trabalho para agilizar e tornar eficaz a fiscalização para angariar receitas, tal como já ocorre com o recolhimento das contribuições previdenciárias, cuja competência fora inserida pela EC n.º 20/98, que incluiu o § 3.º no art. 114 da CF/88, possibilitando à justiça especializada, de ofício, executar as contribuições sociais para financiamento da seguridade social, devidas pelo empregador, empresa e entidade equiparada, incidentes sobre a folha de pagamento e demais rendimentos pagos ou creditados à pessoa física prestadora de serviços, subordinada ou não, bem como pelo do trabalhador e demais segurados da previdência social. Isso fora mantido pela EC n.º 45/2004, estando agora previsto no inciso VIII do art. 114, cujo regulamento ocorreu pela Lei n.º 10.035, de 25 de outubro de 2000.

            Com isso, a Justiça do Trabalho no ano de 2005 arrecadou R$ 990.635.687,16 (novecentos e noventa milhões seiscentos e trinta e cinco mil seiscentos e oitenta e sete reais e dezesseis centavos) de créditos previdenciários, conforme Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2005, [53] evidenciando a relevância do judiciário laboral para a União.

            Analisando o inciso VII, em cotejo com o inciso IV do art. 114, assim como o inciso LXXII do art. 5.º, todos da Constituição da República, verifica-se que será cabível ainda, o habeas data em face dos órgãos da fiscalização do trabalho para assegurar o conhecimento de informações do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; e/ou para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

            Contudo, assim como na justiça ordinária, tal remédio constitucional será cabível no caso de recusa das informações por parte da administração pública (STJ, Súmula 2) ou decurso de mais de dez dias sem decisão (Lei n.º 9.507/97, art. 8.º), sendo o mesmo entendimento do Supremo Tribunal Federal.

            Concessa maxima venia, entende-se inconstitucional a exigência de esgotamento da via administrativa para se utilizar do habeas data, seja por omissão do texto constitucional, [54] seja pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrada na Carta Magna.

            Observe-se que o impetrante do habeas data, assim como nas ações aqui referenciadas, necessariamente, será um empregador ou terceiro não empregador, e na sua maioria será pessoa jurídica, com legitimação para utilizar-se da tutela jurisdicional em prol da legalidade e da manutenção da atividade econômica.

            Entrementes, a recente competência da Justiça do Trabalho ainda dependerá da construção doutrinária e jurisprudencial para dirimir as dúvidas que poderão surgir, embora seja indiscutível o acerto do novel texto constitucional, que possibilitará a uniformização da jurisprudência da legislação trabalhista.

            O auditor fiscal do trabalho, como se sabe, é um mero divulgador da legislação laboral, pois sua análise, geralmente, se limita à análise literal do texto normativo, sem a hermenêutica utilizada pelos operadores do direito, e por isso, sua atuação dependerá de controle por meio do órgão do poder judiciário especializado nesta seara, trazendo coerência e consistência nas decisões judiciais.

            Antes da promulgação da EC n.º 45/04, incumbia à Justiça Federal a análise da legalidade dos atos da inspeção do trabalho, enquanto a Justiça do Trabalho se limitava a dirimir os conflitos entre empregado e empregador, mas agora, "a mesma justiça, a do trabalho, decidirá a reclamação trabalhista e a ação de impugnação ao auto de infração administrativo",[55] evitando incongruências e dicotomia interpretativa, como é o caso de um empregado, na justiça especializada, ter uma determinada verba considerada salarial, com incidência do FGTS, e o empregador, na seara federal, desconstituir o ato administrativo por declarar a natureza indenizatória da verba, ao passo que havia sido penalizado por não recolher o Fundo de Garantia, em flagrante contrariedade ao princípio da segurança jurídica.

            É incontestável a competência inserida pelo inciso VII do art. 114 da Lex Mater no que tange à desconstituição dos autos de infração lavrados pelo auditor-fiscal do trabalho, estando a jurisprudência pacífica neste particular.

            Assim, toda e qualquer ação que tem como objeto as penalidades administrativas será de competência da Justiça do Trabalho, inclusive as que visam extirpar o nome do tomador dos serviços da "Lista Suja" do Ministério do Trabalho, que decorre de ato da fiscalização laboral exercida por aquele órgão. Tal lista foi criada pela Portaria MTE n.º 540/04, instituindo o Cadastro de Empregadores que se utilizam de mão-de-obra escrava, conforme disposição do art. 2.º daquela norma ministerial, que determina a inclusão do empregador na referida lista quando identificado trabalhador submetido às condições análogas à escravidão.

            Resta patente a competência juslaboral para julgar ações objetivando, por exemplo, retirar o nome do empregador da denominada Lista Suja, o que decorre do inciso VII do art. 114 da CF/88 em cotejo com "a postura inclusiva e ampliativa que o Judiciário Trabalhista vem adotando como condição imprescindível para se adaptar às inúmeras transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho" [56] incluindo o labor prestado em regime de escravidão.

            O dispositivo em estudo, portanto, ensejará diversas discussões na seara laboral, possibilitando a reformulação e a construção de uma nova jurisprudência, alterando significativamente a forma de atuação do magistrado trabalhista, o que é considerado por muitos como uma das mais relevantes alterações da reforma do judiciário, iniciada pela Emenda Constitucional n.º 45/04. Uma nova doutrina também surge, pois agora, o estudo dos atos da inspeção do trabalho será tratada pelos especialistas juslaborais de forma mais constante e direcionada, tanto os aspectos materiais como os processuais.

            Não se contesta o acerto do legislador constitucional, embora com defeitos apontados pela doutrina, o novo texto corrigiu relevante equívoco do sistema anterior, evitando, como já tratado, julgamentos destoantes e incoerentes, que imprimia insegurança jurídica aos jurisdicionados, objetivo maior de qualquer ordenamento.

            O sistema agora seguido pelo Brasil já é adotado pelos demais ordenamentos jurídicos, acompanhando a tendência mundial no que concerne à competência material da Justiça do Trabalho, como é caso do sistema espanhol, denominado de Juzgado de lo Social, que alcança as relações segundo os sujeitos da relação, não se limitando às relações empregatícias, isto é, alcançando todas as relações laborais, com exceção das relações estatutárias administrativas dos servidores públicos e as matérias daí decorrentes. [57]

            No direito português a competência da Justiça do Trabalho exclui expressamente as controvérsias de natureza penal, mas abrange todas as relações decorrentes das relações do trabalho, as violações das normas regentes e os recursos administrativos relacionados. [58]

            O constituinte derivado acertou com a alteração promovida, pois não obstante as procedentes críticas, a Justiça do Trabalho agora é efetivamente o órgão do poder judiciário com vistas à valorização do trabalho humano, em suas diversas acepções, inclusive quanto à atuação fiscalizatória estatal.

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Sobre o autor
Julio Simão dos Santos

Advogado Corporativo. Pós-graduado em Direito do Trabalho. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela FDV. LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Julio Simão. A inspeção do trabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1258, 11 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9270. Acesso em: 26 abr. 2024.

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