"Justiça tardia não é justiça."
Rui Barbosa
RESUMO
Utiliza entendimentos doutrinários e jurisprudenciais como fonte de pesquisa no estudo da ampliação da competência material da Justiça do Trabalho através da Emenda Constitucional n.º 45/04 no que concerne aos processos relacionados aos atos administrativos praticados pelos órgãos da fiscalização das relações de trabalho, que corresponde ao objeto de análise. Além do direito material e processual do trabalho, examina o direito constitucional, administrativo e processual civil, bem como a jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais regionais federais e do trabalho. Verifica a profunda alteração do processo do trabalho, aplicável não somente às causas que envolvem as relações de trabalho, mas também as relações de direito público entre a administração pública e o particular, empregador ou terceiro não empregador. Estuda a inspeção do trabalho, analisando tanto o órgão competente, quanto seus atos, bem como os mecanismos de controle jurisdicional da administração e do alcance da alteração promovida pelo poder constituinte derivado. Constata que a ampliação da competência da justiça laboral dependerá de profunda capacitação do magistrado trabalhista, que julga, agora, não uma relação onde se predomina o protecionismo característico no direito do trabalho, mas uma relação jurídica processual em que as partes devem ser tratadas de forma igualitária. Demonstra as principais ações cabíveis com a exposição de suas mais relevantes características e com a exposição de casos concretos aplicáveis ao objeto de estudo.
1.INTRODUÇÃO
Com a profunda alteração promovida pela Emenda Constitucional (EC) n.º 45/04, a justiça do trabalho teve sua competência consideravelmente ampliada, julgando, dentre outras relações, os litígios decorrentes dos atos praticados pelos órgãos da fiscalização do trabalho, tal como disposto no inciso VII do art. 114 da Constituição, que corresponde ao cerne do presente estudo.
Objetiva-se analisar a atuação da fiscalização do trabalho no Brasil, apontar a nova competência da justiça do trabalho à luz da doutrina e identificar as principais ações cabíveis, seus elementos e peculiaridades, em face dos atos da inspeção laboral.
Para consecução dos objetivos apontados, foram utilizadas, primordialmente, pesquisas de natureza bibliográfica, tendo textos legais como fontes primárias, incluindo as normas expedidas pelos órgãos do poder executivo, assim como decisões judiciais e administrativas, bem como os entendimentos consolidados, incluídos os precedentes administrativos e enunciados de súmulas dos tribunais superiores.
A fim de pesquisar os entendimentos doutrinários a respeito do tema, foram levantados, em obras doutrinárias, revistas especializadas, teses e artigos específicos, de caráter exploratório, como fontes secundárias, em especial, os posicionamentos dos teóricos do direito processual do trabalho no que tange à nova competência.
Com efeito, utilizou-se o método descritivo, expondo os entendimentos pesquisados, buscando alargar o estudo da ampliação introduzida pela reforma do judiciário, mormente pela limitação quantitativa e qualitativa de pesquisas nesse particular.
Além de tais alterações introduzidas já justificarem a importância do tema proposto, destaca-se a relevância do controle jurisdicional da atuação da fiscalização trabalhista, de natureza administrativa, sob pena de fragilizar a atividade empresarial e imprimir insegurança jurídica no sistema, agravando a situação dos empresários brasileiros que já suportam inúmeras adversidades, como a alta carga tributária e a rigidez das normas trabalhistas.
Embora relevante, o tema proposto não foi tratado de forma sistemática e direcionada, estando entre as finalidades da presente pesquisa a soma de esforços junto à comunidade científica a fim de esclarecer os meios judiciais ao alcance dos jurisdicionados em face da fiscalização do trabalho.
Tendo em vista a importância das empresas no desenvolvimento da sociedade, o que é notório, e considerando que o tema visa tratar de instrumentos processuais que protegem e resguardam principalmente a atividade empresarial, sem prejuízo do trabalho humano, torna-se evidente sua relevância para a sociedade de um modo geral, pois apesar de visar à proteção do trabalhador, a fiscalização do trabalho, se não controlada, poderá desestabilizar a atividade econômica, causando falências e desempregos em massa.
Logo, a problemática que se funda a pesquisa se refere à sistemática das ações relativas à fiscalização das relações de trabalho, ensejando diversas vertentes relacionadas ao aspecto processual e material do controle jurisdicional da atuação administrativa.
Destaca-se, contudo, que embora possa parecer simplória a alteração da competência para julgar as ações relativas às penalidades impostas pelos órgãos da fiscalização do trabalho, a inovação atinge a forma como se enfrentará as questões concretas postas em juízo, tendo em vista as peculiaridades da justiça laboral.
Com efeito, a alteração introduzida possibilitará uma maior segurança jurídica aos particulares, com a uniformização da dogmática juslaboral e a coerência das decisões judiciais.
2.A INSPEÇÃO DO TRABALHO
Antes de iniciar o estudo da nova competência do Judiciário Trabalhista, faz-se imprescindível analisar a origem e evolução da inspeção do trabalho, bem como suas funções, poderes e deveres. Demais, objetivando tratar de forma linear o tema proposto, facilitando a compreensão do objeto de pesquisa, verifica-se os procedimentos utilizados na rotina da fiscalização laboral, assim como as regras inerentes ao processo administrativo, notadamente quando ocorre a imposição de penalidade por parte da inspeção laboral. Por fim, estuda-se, ainda que de forma sucinta, o ato administrativo impugnável perante o Estado-juiz.
2.1.ESCORÇO HISTÓRICO
A história da Inspeção do Trabalho se confunde com a origem do Direito do Trabalho, haja vista a dependência existente entre tais ramos, não obstante a caracterização daquela matéria como espécie deste, ou melhor, a fiscalização trabalhista como instrumento para cumprimento das normas de direito do trabalho.
Juntamente com a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos, e com a influência do Iluminismo do século XVIII, a Revolução Industrial integra as Revoluções Burguesas, segundo a teoria Marxista, acarretando a transição entre o capitalismo comercial para o industrial, e a utilização da força motriz em substituição da energia animal, a passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea.
Com efeito, a revolução industrial deslocou a população do meio rural para as fábricas, concentrando um enorme número de trabalhadores no meio urbano, que foram levados a trabalhar sob regimes análogos à escravidão, com jornadas de trabalho exaustivas e parcas remunerações.
O direito do trabalho, contudo, emergiu entre os séculos XVIII e XIX, na Europa e nos Estados Unidos, com o surgimento de "todas as condições fundamentais de formação do trabalho subordinado e de concentração proletária". [01]
A Inspeção do Trabalho, por sua vez, surge efetivamente por meio do Althorp Act, em 1833 na Grã-bretanha, com a delegação do poder de fiscalização dos estabelecimentos submetidos às normas de proteção do trabalhador, autorizando, inclusive, a imposição de sanções aos respectivos infratores. [02]
Não obstante, afirma-se que a "mais importante lei dessa fase de formação histórica e ideológica do direito do trabalho, que sepultou o tabu do não-intervencionismo do Estado nas relações de trabalho" [03] foi promulgada em 1847 na Inglaterra, a qual limitou a jornada de trabalho em 10 horas diárias.
Estudando a inspeção do trabalho, José Cláudio de Magalhães Gomes expõe o seu delineamento histórico, considerando o início em 1833, como afirmado, na Grã-bretanha, seguido pela Prússia em 1853; na Alemanha em 1872; em 1873 na Dinamarca; em 1874 na França; "em 1877 na Suíça; em 1882 na Rússia; em 1906 na Itália; em 1907 na Espanha; em 1912 na Argentina; em 1913 no Uruguai e em 1919 no Chile". [04]
No Brasil, o marco inicial da Inspeção do Trabalho ocorreu em 1891, com a promulgação do Decreto n.º 1.313, instituindo a fiscalização somente aos estabelecimentos fabris do Rio de Janeiro, então capital federal, sem eficácia territorial nas demais Unidades da Federação.
Posteriormente, o Decreto n.º 3.550/18 criou o Departamento Nacional do Trabalho, e no ano seguinte, com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por meio do Tratado de Versailles, o Brasil se comprometeu a implantar a fiscalização trabalhista no país, porém, apenas em 1931, com a promulgação do Decreto n.º 19.671-A, fora atribuída a inspeção do trabalho ao Departamento Nacional.
O texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943, tratou em título próprio sobre a fiscalização trabalhista, com característica notadamente repressiva, dispondo no título VII, sobre o processo das multas administrativas, nos arts. 626 a 642.
Ratificada pelo Brasil através do Decreto n.º 41.721/57, a Convenção n.º 81 da Organização Internacional do Trabalho, adotada pela Conferência em sua 30.ª Sessão (Genebra), de 19 de junho de 1947, é um marco histórico sobre esta função estatal, dispondo sobre a Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio, sendo denunciada em 1971, no auge da ditadura militar, através do Decreto n.º 68.796, o qual foi revogado pelo Decreto n.º 95.461/87, restabelecendo a eficácia da Convenção.
Contudo, há diversas normas internacionais que tratam do tema, como a Recomendação n.º 28 de 1936, que trata dos princípios para a Inspeção do Trabalho dos Marítimos, e a Convenção n.º 129 de 1969, que trata da inspeção para a agricultura.
No direito pátrio a inspeção do trabalho é regulada, contudo, não só pelos ditames das convenções que o Brasil é signatário, que possuem status de lei ordinária, mas pelo Regulamento da Inspeção do Trabalho (RIT), promulgado originariamente pelo Decreto n.º 55.841/1965, e atualmente em vigor pelo Decreto n.º 4.552, de 27 de dezembro de 2002, cujo teor é criticado pela doutrina:
O Novo Regulamento poderia ter sido editado para agregar a disciplina de novas situações jurídicas e, sobretudo, para dar maior ênfase às técnicas inspecionais, com transparência aos procedimentos decorrentes da ação fiscal. Não para parecer mais corporativista. É o caso, por exemplo, quando veda às autoridades de direção do MTE ‘interferir no exercício das funções de inspeção do trabalho, ou prejudicar, de qualquer maneira, sua imparcialidade ou a autoridade do Auditor Fiscal do Trabalho’ (art. 19, II). É certo que a vontade da Administração Pública não se confunde com a vontade do administrador, e, sob esse aspecto, é curial que as pessoas estão a serviço das instituições. Não o oposto.
Mas o que rezava o Decreto ora revogado no particular? Vedava às autoridades e chefes ‘criar obstáculos ao exercício das funções da autoridade da inspeção do trabalho e prejudicar de qualquer maneira a sua autoridade ou a sua imparcialidade, necessárias nas relações com os empregadores e empregados’ (art. 39). [05]
O atual texto regulamentar está diametralmente oposto ao previsto na Convenção n.º 81, haja vista a previsão do art. 4.º, dispondo que desde que exista compatibilidade com a prática administrativa do Membro, a inspeção do trabalho será submetida à vigilância e ao controle de uma autoridade central. Há contrariedade também ao Texto Constitucional de 1988, pois incumbiu ao Ministro de Estado (art. 87, parágrafo único, inciso I), orientar, supervisionar e coordenar as entidades da administração federal.
A atual Constituição Federal (CF) impõe a competência de manter, executar e organizar a inspeção do trabalho à União (art. 21, XXIV), evitando descentralizar tal poder aos demais entes da federação, e com isso, obstar o cumprimento das normas trabalhistas, como ocorria nos primórdios, em que a competência para tal função se restringia aos estados federados, tornando inócuas as ações do governo federal.
Como relevante norma para a inspeção trabalhista, cita-se a Lei n.º 7.855/89 que instituiu, em seu art. 7.º, o Programa de Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, com o objetivo de promover e desenvolver as atividades de inspeção das normas de proteção, segurança e medicina do trabalho; e a Lei n.º 7.839/89, posteriormente revogada pela Lei n.º 8.036/90, que incumbiram a fiscalização dos débitos referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) aos agentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Quanto à atuação dos agentes da inspeção, a Lei n.º 10.593/02 reestruturou a carreira dos auditores, transformando em cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, na Carreira Auditoria Fiscal do Trabalho, os antigos cargos de Fiscal do Trabalho; de Assistente Social, encarregado da fiscalização do trabalho da mulher e do menor; de Engenheiros e Arquitetos, com a especialização prevista na Lei n.º 7.410/85, encarregados da fiscalização da segurança no trabalho; e do Médico do Trabalho, encarregado da fiscalização das condições de salubridade do ambiente laboral.
2.2.FUNÇÕES
Proteção do trabalhador com o cumprimento das normas trabalhistas, eis o objetivo da atuação do Estado através da inspeção do trabalho. Para isso, são atribuídas funções específicas, tal como previsto no art. 3.º da Convenção n.º 81 da OIT:
Art. 3.º - 1 - O sistema de inspeção de trabalho será encarregado:
a) de assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício de sua profissão, tais como as disposições relativas à duração do trabalho, aos salários, à segurança, à higiene e ao bem estar, ao emprego das crianças e dos adolescentes e a outras matérias conexas, na medida em que os inspetores são encarregados de assegurar a aplicação das ditas disposições;
b) de fornecer informações e conselhos técnicos aos empregadores e trabalhadores sobre os meios mais eficazes de observar as disposições legais;
c) de levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências ou os abusos que não estão especificamente compreendidos nas disposições legais existente.
2 - se forem confiadas outras funções aos inspetores de trabalho, estas não deverão ser obstáculo ao exercício de suas funções principais, nem prejudicar de qualquer maneira a autoridade ou a imparcialidade necessárias aos inspetores nas suas relações com os empregadores. [06]
O ordenamento jurídico brasileiro determina como finalidade do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho a proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral, tal como previsto no art. 1.º do Regulamento (Decreto n.º 4.552/02), não se restringindo às relações empregatícias, mas a toda relação em que há trabalho humano.
A Secretaria de Inspeção do Trabalho, órgão específico singular subordinado ao Ministério do Trabalho e Emprego, cuja organização regimental foi estruturada pelo Decreto n.º 5.063/04, é responsável pela consecução de ações inerentes à fiscalização do trabalho, tal como prevê o art. 14 daquele texto regulamentar, como a formulação da inspeção do trabalho; a participação na formulação de novos procedimentos reguladores das relações capital trabalho; a formulação de diretrizes da fiscalização dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; a promoção de estudos da legislação trabalhista e correlata, no âmbito de sua competência, propondo o seu aperfeiçoamento; o acompanhamento, em âmbito nacional, dos acordos e convenções ratificados pelo governo brasileiro junto a organismos internacionais, em especial à OIT, nos assuntos de sua área de competência; a proposição de diretrizes para o aperfeiçoamento das relações do trabalho na sua área de competência; expedição de normas relacionadas com a sua área de competência, entre outras.
Por sua vez, como unidades descentralizadas, são de competência das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT) a coordenação, orientação e controle da execução das atividades relacionadas com a fiscalização do trabalho, a inspeção das condições ambientais de trabalho, a aplicação de sanções legais ou convencionais, a orientação ao trabalhador, o fornecimento de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), a orientação e o apoio ao trabalhador desempregado, a mediação e a arbitragem em negociação coletiva, a conciliação de conflitos trabalhistas, a assistência na rescisão do contrato de trabalho, em conformidade com a orientação e normas emanadas do Ministério, nos termos do art. 21 do Decreto n.º 5.063/2004.
Ao Auditor Fiscal são atribuídas funções para o efetivo cumprimento das normas trabalhistas no âmbito nacional, cumprindo as normas legais e complementares; verificando os registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social, visando a redução dos índices de informalidade; verificando o recolhimento do FGTS; fiscalizando o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores e a observância dos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
Pode ainda o auditor, lavrar auto de apreensão e guarda de documentos, materiais, livros e assemelhados, para verificação da existência de fraude e irregularidades, bem como o exame da contabilidade das empresas, além de impedir continuação da atividade empresarial, utilizando-se do poder de polícia que lhe é inerente. Poderá, inclusive, ensejar a limitação da liberdade do suposto infrator, cujo ato é impugnável via impetração de habeas corpus perante a Justiça do Trabalho.
Demais, é função da inspeção do trabalho também a prestação de informações, não só aos trabalhadores, mas aos empregadores, pois é razoável que os empreendedores não tenham amplo conhecimento de normas trabalhistas, mormente nos casos em que há divergência jurisprudencial entre determinadas questões.
Assim, mais do que reprimir os empreendedores brasileiros, a inspeção do trabalho deverá orientar sua atuação, pois além da alta carga tributária e elevados juros, são obrigados a se submeter às arbitrariedades de determinados agentes estatais destituídos de sensatez. Além do caráter pedagógico da prestação de informações, a inspeção do trabalho deve prestar as informações relativas aos administrados, sob pena de impetração de habeas data, remédio constitucional que objetiva impedir a ocultação de dados dos particulares.
Muito se critica o caráter repressor do texto da CLT no que tange à fiscalização trabalhista, o que foi parcialmente alterado com a inserção do art. 627-A pela Medida Provisória n.º 2.164-41, de 24 de agosto de 2001, em vigor conforme o art. 2.º da EC n.º 32/01, possibilitando a instauração de procedimento para ação fiscal com o objetivo de orientar acerca da aplicação da legislação trabalhista. No mesmo passo, o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (Lei n.º 9.841/99, art. 12) determina que na ação fiscal, naquelas empresas, será priorizada a orientação quanto às normas trabalhistas.
Salienta-se, contudo, o caráter meramente instrumental da fiscalização do trabalho, pois como bem observa Marcello Ribeiro Silva, não se objetiva "a arrecadação de receitas decorrentes das multas aplicadas, senão a promoção da aplicação das normas de proteção trabalhista". [07] Tal entendimento, todavia, não é aplicado na prática pelos Auditores, que por vezes extrapolam seu poder e se olvidam de observar o ordenamento jurídico de forma sistemática.
A concepção moderna da inspeção trabalhista não se restringe à função de autuação e repressão, mas principalmente na disseminação da informação aos atores sociais, como afirma Nelson Mannrich, no sentido de que:
[...] a moderna função do inspetor consiste basicamente no aconselhamento, advertência, discussão e persuasão. É o que se constata, de maneira incisiva, na Inglaterra, de preferência na área de saúde e segurança do trabalhador, sem perder de vistas o interesse da comunidade. A atuação lá constitui o último recurso. Os inspetores mantêm contato permanente com os empregados e empregadores, com quem se reúnem, assim como com os representantes de segurança, antes de iniciar a inspeção e logo após o seu término. [08]
É inquestionável a importância da atuação estatal nas relações trabalhistas para a busca da justiça social e a construção de uma sociedade solidária, contanto que os atos da administração sejam ditados pelos postulados impostos pelo estado democrático de direito, sob pena de malferir a livre iniciativa, consagrada constitucionalmente (CF/88, art. 1.º, IV e art. 170), e agravar a atual situação econômica com o acréscimo do desemprego.
2.3.PODERES E DEVERES
Como essencial atividade estatal, a inspeção do trabalho, executada pelos Auditores Fiscais do trabalho, é dotada pelo ordenamento jurídico de poderes e deveres para consecução de suas funções. Para intervenção do Estado nas relações privadas laborais, objetivando organizar a coexistência entre o capital e o trabalho, outorgou-se ao Estado a prerrogativa de determinar as condutas dos sujeitos da relação laboral em razão do interesse público que norteia a valorização do trabalho.
Tal função, portanto, incumbe à Administração, que é a indicação da idéia de Estado no que concerne ao dever de realizar tarefas executivas, como a interferência concreta nas relações particulares em prol do interesse público, legitimado pela Constituição e pelas Leis.
Trata-se do poder de polícia de imposição de limites à liberdade do particular, como in casu, é a atuação de um órgão estatal na inspeção das relações trabalhistas, utilizando-se de meios coercitivos e executórios.
A atuação da inspeção do trabalho, como dito, serve tão-somente como um instrumento para alcançar a finalidade da lei, no particular, a normalização laboral, e "havendo vinculação ou discricionariedade, de qualquer modo, o que assiste à administração é um comportamento serviente e instrumental destinado a objetivar o escopo legal". [09]
Ainda assim, efeito do direito administrativo sancionador, as penalidades impostas pelos órgãos da fiscalização do trabalho buscam o condicionamento da liberdade e da propriedade do administrado – empregador ou terceiro não empregador – em prol do interesse público, o que se denomina como poder de polícia, tendo em vista que tal atividade busca uma ação negativa, isto é, uma abstenção do particular no que tange ao suposto descumprimento das normas trabalhistas, não obstante a finalidade última de a inspeção ser uma prestação positiva, com o cumprimento das normas trabalhistas.
Evidente, portanto, que a atuação da inspeção do trabalho se reveste do police power, tal como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, especificamente, no sentido de que o poder de polícia "envolve também os atos fiscalizadores, através dos quais a administração pública previamente acautela eventuais danos que poderiam advir da ação dos particulares". [10]
O Código Tributário Nacional (CTN) dispõe acerca do conceito legal do poder de polícia, tal como prevê o art. 78, conforme redação dada pelo Ato Complementar n.º 31, de 28 de dezembro de 1966, in verbis:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. [11]
Trata-se de poder de polícia que atua preventivamente (verbi gratia: orientação aos empregadores) e repressivamente (exempli gratia: autuação do empregador), dotada de coercibilidade e auto-executoriedade. Não há que se falar, entretanto, em discricionariedade ampla na atuação da fiscalização do trabalho, como ocorre na maior parte dos casos em que se emprega o poder de polícia, pois essa atividade estatal está vinculada às normas de proteção ao trabalho. Todavia, haverá casos em que o agente fiscal terá certa discricionariedade no caso de se aplicar penalidade, como em razão de embaraço à fiscalização (CLT, art. 201, parágrafo único), por exemplo, cabendo ao agente analisar se realmente houve ato cujo objetivo era bloquear a fiscalização.
É do poder de polícia, portanto, que origina todos os poderes específicos dos auditores-fiscais, como o poder de visita previsto nas alíneas a e b do item 1 do art. 12 da Convenção n.º 81 da OIT, e no § 3.º do art. 630 da CLT, ipsis litteris:
Artigo 12 - 1. Os inspetores de trabalho munidos de credenciais serão autorizados:
a) a penetrar livremente e sem aviso prévio, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer estabelecimento submetido à inspeção;
b) a penetrar durante o dia em todos os locais que eles possam ter motivo razoável para supor estarem sujeitos ao controle de inspeção. [12]
Art. 630. Nenhum agente da inspeção poderá exercer as atribuições do seu cargo sem exibir a carteira de identidade fiscal, devidamente autenticada, fornecida pela autoridade competente.
[...]
§ 3º - O Agente da Inspeção do Trabalho terá livre acesso a todas as dependências dos estabelecimentos sujeitos ao regime da legislação trabalhista, sendo as empresas, por seus dirigentes ou prepostos, obrigadas a prestar-lhe os esclarecimentos necessários ao desempenho de suas atribuições legais e a exibir-lhe, quando exigidos, quaisquer documentos que digam respeito ao fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho. [13]
[...]
Através do poder de investigação, o auditor-fiscal tem o direito de ingressar nos estabelecimentos, independente de dia e hora predeterminada (RIT, art. 13), desde que munido de credencial, bem como proceder a todos os exames, controles e inquéritos julgados necessários para assegurar que as disposições legais são efetivamente observadas, e notadamente, inclusive, inquirir o empregador, pedir vistas e copiar dados dos documentos e livros inerentes, assim como retirar materiais e substâncias para análise, tal como prevê o art. 12 da Convenção n.º 81 da OIT.
A Lei n.º 10.593, de 6 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a organização da carreira de Auditoria Fiscal do Trabalho prevê a possibilidade do auditor examinar os livros contábeis para verificação da existência de fraudes e irregularidades, bem como o exame da contabilidade das empresas, conforme previsão do art. 11 daquele texto normativo, corolário do poder de investigação do agente.
O mesmo dispositivo estende o poder do auditor-fiscal também para atuação no que concerne às relações de trabalho, em caráter amplo, isto é, a inspeção do trabalho não se limita às relações de emprego, mas também possui legitimidade para autuar os terceiros não empregadores, como o tomador de serviços, intermediador de serviços, associações, entre outros. Com isso, além dos empregadores, os atos da fiscalização abrangem as relações trabalhistas em sentido lato.
Citam-se, ainda, os poderes de injunção e de notificação (CLT, art. 161), sem o qual a inspeção do trabalho não poderia atuar, embora tal ato deva obedecer todos os pressupostos inerentes à atuação administrativa, podendo, inclusive, ser objeto de controle pelo poder judiciário.
Finalmente, sem o escopo de esgotar a matéria, observa-se o poder de autuação do auditor, consoante previsão no art. 628 da CLT, cujo teor, ao contrário do que possa parecer, possui certo grau de subjetividade, pois vincula o agente a autuar nos casos em que concluir pela existência de violação à norma, cabendo ao agente a análise sensata e razoável do caso concreto, e como afirma Nelson Mannrich, aquele dispositivo,
[...] traz à tona um posicionamento subjetivo do agente que, de forma discricionária, advertirá ou aconselhará o empregador para obter o efetivo cumprimento da norma [...] o agente da inspeção nem sempre autuará. Observa-se um campo maior de subjetivismo, podendo conceder prazo para regularização, notadamente quando se tratar de dispositivo que dê margem a mais de uma interpretação ou que esteja relacionado com a saúde e segurança do trabalhador, quando sua concessão será obrigatória.[14]
Tal observação não se limita aos casos em que a dupla visita é obrigatória (CLT, art. 627 e Lei n.º 9.841/99), mas também nos casos cuja norma encerrar dúvida quanto ao seu fiel cumprimento, cabendo ao agente estatal ponderar a adequação de sua atuação em cotejo com a finalidade da lei, observando o princípio da proporcionalidade "que exige a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais", [15] sob pena de eivar o ato de invalidade ao exceder o estritamente necessário.
O ordenamento prevê uma série de deveres a serem observados pelos Auditores Fiscais do Trabalho, não obstante os deveres de observância obrigatória de qualquer servidor público federal, tal como prevê a Lei n.º 8.112/90.
Destarte, além dos princípios e regras que regem toda a atuação administrativa, previstas na Lei e na Constituição Federal, há ainda, deveres obrigatórios a serem observados, como o dever de desinteresse, previsto no art. 151, a, da Convenção n.º 81 da OIT, que veda a inspeção em estabelecimento cujo auditor possui qualquer interesse, o que decorre do princípio da impessoalidade previsto na Carta Constitucional (art. 37, caput).
Demais, o agente possui o dever de sigilo profissional quanto às informações adquiridas durante a ação fiscal, bem como o dever de manter confidencial a origem das denúncias que apurar, conforme previsão do art. 15 da Convenção n.º 81 da OIT.
Em razão da moralidade que rege a atuação estatal, a carteira funcional do auditor não pode ser utilizada para outras finalidades senão a inspeção, sendo obrigatória sua apresentação no exercício das atribuições inerentes (CLT, art. 630, caput).
Não encerra aqui, pois, todos os poderes e deveres dos auditores fiscais na aplicação das penalidades administrativas, porquanto objetiva-se analisar de forma breve as atribuições do agente estatal, que aplicará coerções em casos estritamente necessários. Porém, observe-se que a atuação estatal, embora necessária e relevante, deve pautar-se em valores ditados pelo Estado Democrático de Direito, sob pena de sofrer controle pelo poder jurisdicional.
2.4.ROTINA DE FISCALIZAÇÃO
As modalidades inspecionais existentes estão previstas na Instrução Normativa n.º 8/95, do Ministério do Trabalho e Emprego, que subdividem-se em fiscalização dirigida, indireta, imediata, por denúncia ou através de plantões.
Quando ocorre um planejamento precedendo a fiscalização, há a fiscalização dirigida, que se inicia com a visita do auditor ao local onde se executa o labor, estabelecendo contato diretamente com o trabalhador e com o ambiente de trabalho objeto da inspeção.
Ao verificar a irregularidade quanto ao cumprimento das normas trabalhistas, o auditor-fiscal é obrigado a lavrar o auto de infração, ressalvadas as hipóteses de dupla visita e nos casos em que há procedimento fiscal específico para orientação, motivo pelo qual se pode afirmar que tal ato é vinculado, o que será analisado em momento oportuno.
Preferencialmente os autos deverão ser lavrados no estabelecimento onde os serviços são prestados, como prevê o § 1.º do art. 629 da CLT, podendo ser em local diverso quando houver motivo justificado, diferente do que ocorre com a fiscalização indireta, que se inicia com a notificação para a apresentação de documentos a serem inspecionados.
Tal modalidade ocorre através de programa especial, objetivando o cumprimento da legislação trabalhista, como exemplo, cite-se o programa para fiscalização das empresas no que tange à contratação de aprendizes, cujo marco é a promulgação da Lei n.º 10.097/00, que alterou a CLT, instituindo um mínimo de contratação de aprendizes equivalente a 5% do quadro dos estabelecimentos empresariais de qualquer natureza, conforme regulamentação dada pelo Decreto n.º 5.598/2005.
Com efeito, constatando violação cometida pelo empregador ao não contratar este quantitativo mínimo de aprendizes, através da fiscalização indireta, poderão ser aplicadas penalidades administrativas de caráter pecuniário através da lavratura de autos de infração.
Assim, o empregador levará toda a documentação exigida até o órgão regional de fiscalização, momento em que será autuado caso ocorra violação de normas trabalhistas.
A inspeção ocorrerá, ainda, nos casos em que o auditor-fiscal constatar flagrante irregularidade, independentemente de prévia designação, hipótese em que ocorrerá a fiscalização imediata. Utiliza-se tal modalidade de inspeção quando há iminente perigo para o trabalhador ou na hipótese de existir risco em que não se puder comprovar em momento posterior a infração constatada.
Semelhante à inspeção direta, a fiscalização por denúncia, como deixa entrevê, se origina de uma reclamação realizada pelo sindicato da categoria ou pelo próprio trabalhador, que dá causa à expedição de uma ordem de serviço para atuação do auditor no local.
A fiscalização através de plantões ocorre no caso de atendimento interno de orientação ao público, seja através de homologação do termo de rescisão do contrato de trabalho (CLT, art. 477, § 1.º), seja nos casos de instrução de processos de anotação da CTPS (CLT, art. 37), entre outros especificados ou não na lei.
Os auditores fiscais do trabalho ainda possuem a competência para fiscalizar o cumprimento da legislação concernente ao FGTS, bem como para apuração dos respectivos débitos, como previsto no art. 23 da Lei n.º 8.036/90. Também se inclui na competência a fiscalização e apuração das contribuições sociais ao Fundo de Garantia instituída pela Lei Complementar n.º 110/01.
Para atuação da fiscalização do trabalho quanto ao FGTS e as Contribuições Sociais, que se diferem das contribuições previdenciárias, a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) expediu a Instrução Normativa n.º 25/01, estendendo a utilização dos procedimentos adotados para a fiscalização das normas trabalhistas puras.
Entretanto, o que diferencia dos casos comuns, é que nestes o auditor expedirá, não só o auto de infração, mas também a Notificação Fiscal para Recolhimento da Contribuição para o FGTS e da Contribuição Social (NFGC), iniciando o levantamento do respectivo débito tanto nos casos de falta de recolhimento quanto nos casos em que há recolhimento a menor.
Contudo, se constatada irregularidade no recolhimento referente à rescisão contratual, o auditor expedirá a Notificação Fiscal para o Recolhimento Rescisório do FGTS e das Contribuições Sociais (NRFC), sendo, assim como o auto de infração, ato vinculado do auditor-fiscal e objeto de controle judicial.
Conforme dados do Departamento de Fiscalização do Trabalho (DEFIT), entre os meses de janeiro a julho deste ano (2006), a fiscalização do trabalho inspecionou 204.876 empresas no país, sendo autuadas 35.003, com a lavratura de 65.389 autos de infração. Durante o ano de 2005, foram fiscalizadas 375.097, com a lavratura de 107.064 autos de infração. Entre os anos de 2000 a 2004, o número de empresas fiscalizadas chegou a 1.542.758, sendo lavrados 486.089 autos de infração. [16]
Reitera-se a importância da inspeção do trabalho em um país com tantas discrepâncias sociais, mas o considerável número de penalidades impostas aos empregadores eleva a importância do estudo acerca do controle jurisdicional dos atos da fiscalização laboral.
2.5.PROCESSO ADMINISTRATIVO
A autuação feita pelo auditor-fiscal do trabalho, seja através do auto de infração, da NFGC ou NRFC, que constituem algumas das modalidades de atos administrativos da fiscalização do trabalho, dão início ao processo administrativo para apuração das penalidades decorrentes de suposto descumprimento da legislação trabalhista.
Porém, antes de analisar o procedimento em estudo, cumpre tratar de alguns aspectos gerais inerentes ao processo administrativo.
Não há muito tempo que tal tema possui legislação própria no Brasil, sendo o estado de Sergipe o pioneiro na normalização do tema, com a promulgação da Lei Complementar n.º 33/96 que institui o Código de Organização e de Procedimento da Administração Pública daquele estado.
No âmbito federal, a primeira lei que abordou o tema foi a Lei n.º 9.784/99, que regula o processo administrativo na esfera federal, aplicável no caso em estudo, haja vista que a inspeção do trabalho é executada pela União, que deverá, indubitavelmente, após a inserção do inciso VII do art. 114 da Constituição, compor o mínimo dos conhecimentos exigidos aos magistrados trabalhistas.
Embora haja certa ambigüidade entre os termos processo e procedimento, agravada pelo equívoco dos textos normativos, esclarece-se que processo administrativo é compreendido como o conjunto de atos para resolução de uma controvérsia, ao passo que procedimento é o conjunto de determinadas regras formais para proceder "que se desenvolve dentro de um processo administrativo". [17]
O processo administrativo de aplicação de penalidades administrativas impostas pela fiscalização do trabalho é regulado especificamente pelos arts. 626 usque 642 da CLT, bem como pelas regras da Portaria MTE n.º 148, de 25 de janeiro de 1996, aplicando-se, como norma geral, a Lei n.º 9.784/99.
Trata-se de controle da administração pela própria administração, vale dizer, o órgão competente para a inspeção do trabalho exerce o controle de seus próprios atos, pois através do poder da auto-tutela atribuído à administração, autoriza-se a revisão dos seus próprios atos. Note-se que embora o escopo aqui proposto seja diverso, tendo em vista que o objeto do estudo se funda no controle jurisdicional dos atos da inspeção laboral, é imprescindível elencar os elementos indispensáveis para aplicação das penalidades administrativas.
Analisando as diversas modalidades de processo administrativo, conclui-se que o processo em estudo é contencioso, restritivo e sancionador, seguindo a classificação exposta por Celso Antônio Bandeira de Mello, [18] porquanto a autuação imposta pelo auditor fiscal nada mais é que uma sanção, restringindo direito do administrado (autuado), gerando, insofismavelmente, uma contenda, com interesses em litígio.
Com efeito, o desencadeamento de atos que ensejam a aplicação de penalidades administrativas pela inspeção do trabalho, que formam o processo administrativo, necessariamente conflitará com os interesses dos particulares, cujos direitos perante a administração estão resguardados pelo Estado de Direito, consubstanciadas em princípios e regras inerentes ao dues process of law.
Os princípios aplicáveis ao processo administrativo estão previstos no art. 2.º da Lei n.º 9.784/99, como é o caso da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como na Constituição, que prevê, implícita e expressamente aqueles postulados e os demais que regulam toda a atuação da administração pública.
Aliado aos princípios citados, que regem, não só o processo administrativo, mas toda a atuação estatal, cite-se o princípio geral da inafastabilidade da jurisdição, previsto no inciso XXXV do art. 5.º da Carta Constitucional de 1988, dispondo que "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito".
Com isso, antes de analisar o rito do processo administrativo sob comento, destaca-se que não há "obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa acessar o judiciário", [19] corolário do princípio da inafastabilidade do poder judiciário.
Analisando tal princípio, no sentido do texto, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que de:
[...] nada valeria proclamar-se o assujeitamento da administração à constituição e às leis, se não fosse possível, perante um órgão imparcial e independente, contrastar seus atos com as exigências delas decorrentes, obter-lhes a fulminação quando inválidos e as reparações patrimoniais cabíveis. [20]
Portanto, ao administrado, ou melhor, ao autuado pela inspeção do trabalho devem ser garantidos os princípios inerentes ao procedimento administrativo, porém, não se afasta o direito de postular judicialmente a autuação, independentemente do esgotamento da via administrativa.
Apurando violação às normas trabalhistas, o auditor autuará o empregador, lavrando o auto de infração em três vias, sendo a primeira entregue à DRT ou uma de suas unidades descentralizadas (quando for o caso) em 48 horas para instauração do processo administrativo, a segunda via será do autuado e a terceira permanecerá com o agente, tudo conforme o § 2.º do art. 9.º da Portaria MTE n.º 148/96.
O auto de infração segundo Alonso Caldas Brandão, conterá como requisitos mínimos de validade:
a) perfeita caracterização da infração, com individuação, sempre que possível;
b) atendimento de todas as formalidades legais;
c) auto lavrado, sempre que possível, no local da infração, e contendo assinatura do infrator;
d) capitulação adequada. [21]
Contudo, ainda que contenha erro, o auto de infração deverá ser entregue à autoridade competente, não podendo ser inutilizado, como prevê o § 2.º do art. 629 da CLT, objetivando evitar fraudes e a utilização indevida de documento oficial.
Poderá ser apresentada defesa no prazo de 10 dias a contar do seu recebimento (CLT, art. 629, § 3.º), contando-se com a exclusão do dia da notificação ou ciência e com a inclusão do dia do vencimento, conforme previsão do art. 17 da Portaria MTE n.º 148/96, tal como ocorre com os prazos do processo judicial (CLT, art. 775), mas isso não ocorre na prática, pois no corpo do auto de infração se observa uma determinação, ilegal, de contagem do prazo com a inclusão do dia do começo, o que poderá ceifar direito dos mal informados.
Para cada auto de infração instaura-se um processo administrativo diverso, por isso, deverá ser apresentada uma defesa administrativa para cada auto, que conterá (Portaria MTE n.º 148/96, art. 24): a autoridade a quem é dirigida, neste caso, o Delegado ou Subdelegado; a qualificação do interessado; a fundamentação fática e jurídica; as diligências que considerar necessárias (CLT, art. 632); o instrumento de mandato, se for o caso; e os documentos devidamente autenticados, no caso de cópia. O § 3.º do art. 24 da Portaria MTE n.º 148/96, acrescentado pela Portaria MTE n.º 241/98, possibilita a autoridade regional notificar o interessado para sanar possíveis irregularidades verificadas nos documentos apresentados no prazo de 10 (dez) dias.
Com a apresentação ou não da defesa, o processo será distribuído a um auditor especializado na área específica, isto é, o auditor que analisará a subsistência do auto, considerando-o procedente ou não, deverá ser especializado na área que se refere a infração que originou o auto, guardando coerência entre a matéria tratada e os conhecimentos do agente estatal.
Sempre com a imprescindível fundamentação (CLT, art. 635, parágrafo único), o Delegado ou Subdelegado Regional do Trabalho e Emprego decidirá acerca da autuação, podendo adotar os fundamentos da análise do auditor analista que apreciou o auto, como geralmente ocorre, cuja prática é autorizada pelo § 1.º do art. 50 da Lei n.º 9.874/99.
No caso de improcedência do auto, ou seja, julgando-o insubsistente, a autoridade prolatora da decisão remeterá de ofício para a autoridade competente de instância superior, conforme disposição inserta no art. 637 da CLT, equiparando-se à denominada remessa necessária no processo judicial.
Ocorrendo a procedência do auto, a multa será imposta em valor fixo por empregado em situação irregular ou por valores variáveis, com limites – mínimo e máximo – determinados, cuja graduação dependerá da natureza da infração; intenção do infrator; meios ao alcance do autuado cumprir a lei; a extensão da infração e a situação econômica do autuado.
A unidade utilizada para calcular as multas impostas pela inspeção do trabalho é a Unidade Fiscal de Referência (UFIR), conforme previsão da Lei n.º 8.838/91, porém, ocasionando uma anomalia jurídica, a Medida Provisória n.º 1.973-67, de 26 de outubro de 2000, extinguiu a UFIR (art. 29, § 3.º), mas fora mantida, de certa forma, pelo parágrafo único da Lei n.º 10.192/01 que determinou a conversão para o real dos valores calculados através daquela unidade referencial, considerando o valor fixado no exercício de 2000, equivalente a R$ 1,0641. Os respectivos valores estão descritos nos Anexos da Portaria MTE n.º 290, de 11 de abril de 1997.
Entrementes, no prazo de 10 dias a partir da notificação acerca da decisão de imposição da penalidade administrativa, o autuado poderá recolher a multa com redução de 50%, conforme enunciado no § 6.º do art. 636 do Estatuto Consolidado. Contudo, tal direito encontra óbice caso o autuado interponha recurso para a instância administrativa superior.
Assim, desejando, no prazo de 10 dias da notificação da decisão desfavorável ao autuado, poderá interpor recurso ao Secretário de Inspeção do Trabalho, devendo ser instruído com o comprovante do depósito do valor da multa (CLT, art. 636, § 1.º), que corresponde a um requisito objetivo de admissibilidade do recurso administrativo.
Todavia, tal pressuposto tem sido objeto de celeuma no meio jurídico por ser considerado inconstitucional em razão da violação dos postulados da ampla defesa e do contraditório, aplicáveis também no âmbito administrativo. No âmbito ministerial, contudo, o que não se esperava ser diferente, tem-se entendido pela constitucionalidade da exigência do pagamento da multa como pressuposto recursal, como se extrai do Parecer Jurídico n.º 99/93 da Consultoria Jurídica do MTE, que considera o § 1.º do art. 636 da CLT compatível com o princípio constitucional da ampla defesa (CF, art. 5.º, LV).
No sistema recursal trabalhista há a exigência de depósito prévio como garantia do juízo, na forma dos §§ 1.º e 2.º do art. 899 da CLT, objetivando tão-somente garantir a execução da condenação naquele processo judicial, o que é naturalmente válido, haja vista o princípio protetor que norteia o Direito do Trabalho, cujo objetivo é alcançar "uma igualdade substancial entre as partes".[22]
No caso vertente, o prévio depósito como requisito para recorrer administrativamente constitui uma verdadeira taxa recursal, pois o hipossuficiente – administrado – é obrigado a pagar previamente se desejar o proferimento de nova decisão quanto à penalidade imposta, o que será devolvido nos casos de procedência do recurso administrativo. O empregador, com isso, que já se mantém na atividade empresarial com a alta carga tributária e os altos índices de juros no Brasil, se vê impedido de recorrer para a instância superior por ausência do pagamento do depósito recursal, malferindo seu direito de ampla defesa.
Portanto, o § 1.º do art. 636 da CLT afronta o disposto no inciso LV do art. 5.º da Carta Constitucional, inexistindo obrigação de depósito para recorrer administrativamente, o que dependerá, naturalmente, de intervenção judicial para cumprimento do mandamento constitucional.
A jurisprudência não é pacífica quanto à constitucionalidade de tal pressuposto recursal, existindo respeitáveis entendimentos contrários à tese aqui defendida, inclusive no Supremo Tribunal Federal, como se extrai do aresto a seguir:
EXTRAORDINÁRIO – INFRAÇÃO ÀS NORMAS TRABALHISTAS – Processo ADMINISTRATIVO – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – PENALIDADE – NOTIFICAÇÃO – RECURSO PERANTE A DRT – EXIGÊNCIA DO DEPÓSITO PRÉVIO DA MULTA – PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE E GARANTIA RECURSAL – AFRONTA AO ART. 5º, LV, CF – INEXISTÊNCIA – 1. Processo administrativo. Imposição de multa. Prevê a legislação especial que, verificada a infração às normas trabalhistas e lavrado o respectivo auto, o infrator dispõe de dez dias, contados do recebimento da notificação, para apresentar defesa no processo administrativo (art. 629, § 3º, CLT) e, sendo esta insubsistente, exsurge a aplicação da multa mediante decisão fundamentada (art. 635, CLT). Não observância ao princípio do contraditório e ampla defesa: Alegação improcedente. 2. Recurso administrativo perante a drt. Exigência de comprovação do depósito prévio. Pressuposto de admissibilidade e garantia recursal. 2.1. Ao infrator, uma vez notificado da sanção imposta em processo administrativo regular, é facultada a interposição de recurso no prazo de dez dias, instruído com a prova do depósito prévio da multa (art. 636, § 2º, CLT), exigência que se constitui em pressuposto de sua admissibilidade). 2.2. Violação ao art. 5º, LV, CF. Inexistência. Em processo administrativo regular, a legislação pertinente assegurou ao interessado o contraditório e a ampla defesa. A sua instrução com a prova do depósito prévio da multa imposta não constitui óbice ao exercício do direito constitucional do art. 5º, LV, por se tratar de pressuposto de admissibilidade e garantia recursal, visto que a responsabilidade do recorrente, representada pelo auto de infração, está aferida em decisão fundamentada. Recurso conhecido e provido. [23]
Em sentido contrário, todavia, a jurisprudência também se manifesta pela inconstitucionalidade da referida exigência, no sentido do texto:
CONSTITUCIONAL- DIREITO DE PETIÇÃO E O PROCESSO ADMINISTRATIVO – RECURSO – ADMISSIBILIDADE CONDICIONADA A DEPÓSITO PRÉVIO – LEI Nº 9.639/98, ART. 10, § 1º – LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DESTITUÍDA DE VALIDADE POR DESCONFORME COM OS DISPOSITIVOS CONTIDOS NO ART. 5º, XXXIV, ‘A’, E LV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – GRATUIDADE DO RECURSO ADMINISTRATIVO – I – O mandamento constitucional instituidor do direito de petição é norma-matriz de regência do processo administrativo (CF, art. 5º, XXXIV, ‘a’). II – O direito de petição é a garantia constitucional que agasalha o direito de agir de qualquer pessoa perante a administração pública, em defesa de seu direito. III – A petição é via instrumental. Ela provoca a instauração do processo administrativo. Seu recebimento e processamento não estão sujeitos a pagamento de qualquer natureza por parte do peticionário, em face da previsão estabelecida no art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal. IV – A Constituição da República, em seu art. 5º, LV, assegura ao peticionário, em processo administrativo, a garantia constitucional-processual à ampla defesa, ‘com os meios e recursos a ela inerentes’. V – O processo administrativo rege-se, conforme a constituição, pelo princípio da gratuidade, inclusive em sua fase recursal. VI – Como a norma contida no § 1º do art. 10 da Lei nº 9.639, de 25 de maio de 1998, instituinte da exigibilidade do depósito prévio como condição de admissibilidade de recurso administrativo, foi produzida em desconformidade com o normatizado no art. 5º, XXXIV, ‘a’, e LV, do texto constitucional, é de se reconhecer que o citado dispositivo legal não retirou seu fundamento de validade do sistema constitucional positivo. VII – Apelação provida. [24]
Entrementes, como é notório, o STF vem sofrendo profundas alterações na sua composição, ocasionando mutações também nos entendimentos da Corte, antes considerados consolidados, o que é natural em virtude do caráter dinâmico do direito, cujo ideal decorre da experiência histórica de cada povo. [25] Com isso, a Corte Constitucional Brasileira está prestes a alterar seu posicionamento quanto à constitucionalidade da exigência de depósito como pressuposto de admissibilidade de apelo administrativo, considerando inconstitucional na sessão de julgamento do dia 20 de abril de 2006, conduzido da seguinte forma:
Retomado julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade da exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade do recurso na esfera administrativa. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhou o voto do relator para conhecer e prover o recurso. Em acréscimo aos fundamentos expendidos pelo relator, no sentido de que a exigência de depósito prévio ofende a garantia constitucional da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), bem como o direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), assegurado independentemente do pagamento de taxas, fez uma análise do tema, relacionando o procedimento administrativo com o princípio democrático, o princípio da legalidade e os direitos fundamentais. Afirmou que a consecução da democracia depende da ação do Estado na promoção de um procedimento administrativo que seja sujeito ao controle por parte dos órgãos democráticos, transparente e amplamente acessível aos administrados. Asseverou que a impossibilidade ou inviabilidade de se recorrer administrativamente impede que a própria Administração Pública revise a licitude dos atos administrativos, o que ofende o princípio da legalidade e, muitas vezes, leva à violação de direitos fundamentais. Acompanharam o voto do relator os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Carlos Britto. Em divergência, o Min. Sepúlveda Pertence, reportando-se ao voto que proferira no julgamento da ADI 1922 MC/DF (DJU de 24.11.2000), conheceu e negou provimento ao recurso, ao fundamento de que exigência de depósito prévio não transgride a Constituição Federal, que não assegura o duplo grau de jurisdição administrativa. Após, o Min. Cezar Peluso pediu vista dos autos. RE 388359/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 20.4.2006. [26]
Note-se que além do fundamento de violação à ampla defesa, também se verifica a violação do direito de petição previsto no inciso XXXIV do art. 5.º da Carta Magna ao taxar o direito de postular administrativamente uma nova decisão. Porém, tal processo foi remetido ao gabinete do Ministro Cezar Peluso em razão de seu pedido de vista, sendo os autos devolvidos para julgamento em 16/11/2006, dependendo, portanto, de julgamento final, tendo em vista que até a conclusão deste trabalho ainda não havia sido designada pauta para julgamento.
Entretanto, casos em que a violação da norma trabalhista é incontroversa e de interpretação inquestionável, bem como a inexistência de vício ou irregularidade na autuação, conclui-se que não é recomendável a utilização do recurso administrativo, pois mesmo com a dispensa do pagamento de depósito prévio por decisão judicial, no caso de manutenção da autuação, o pagamento deverá ser integral, sendo o caso de optar pelo pagamento de metade do valor, em razão da faculdade conferida pela lei quando não há interposição de recurso, como já referido.
Em todos os casos, no entanto, o autuado poderá utilizar da tutela jurisdicional para o controle do ato que impôs a penalidade administrativa, hipótese em que será a Justiça do Trabalho competente para processamento e julgamento, a teor da redação dada à Constituição pela Emenda n.º 45/04.
Não sendo paga a multa imposta pela inspeção do trabalho, quando não houver conversão de depósito prévio efetuado, as delegacias regionais poderão promover a cobrança de forma amigável (CLT, art. 640) ou inscrever o respectivo valor na dívida ativa da União para cobrança judicial, que será regida pela Lei n.º 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) e aplicável subsidiariamente a CLT e o Código de Processo Civil (CPC), sendo promovida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), conforme § 3.º do art. 131 da Constituição Federal.
Há, porém, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 554/06, de autoria do Deputado Rodrigo Maia, que poderá alterar o texto do art. 131 da Carta Política, pois esta PEC, que está em análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, concede à Advocacia Geral da União (AGU) competência privativa para fazer a cobrança da dívida ativa federal, incluindo as execuções decorrentes das autuações da inspeção do trabalho.
O art. 642 da CLT, bem como o Decreto n.º 960/38 prevêem a competência da Justiça do Trabalho para a cobrança judicial das multas aplicadas pela inspeção do trabalho, o que não foi recepcionado pela Constituição promulgada em 1988.
Afirma-se, todavia, que aquele decreto fora revogado tacitamente pela Lei de Execuções Fiscais (LEF). [27] Contudo, com a inserção do inciso VII do art. 114 da Carta de 1988, a justiça laboral avocou a competência para processar e julgar não só as execuções das multas impostas, mas todos os litígios resultantes da atuação da fiscalização das relações de trabalho.
2.6O ATO ADMINISTRATIVO
O cerne deste trabalho está na análise do controle jurisdicional dos atos administrativos produzidos pela inspeção do trabalho, ou melhor, na competência para efetuar tal controle, que correspondem principalmente às penalidades administrativas, em cotejo com a nova competência material da Justiça do Trabalho.
Para tanto, faz-se necessário estudar o ato administrativo, sua natureza, sua classificação e outros elementos peculiares, não objetivando esgotar a matéria e tampouco colacionar todos os detalhes inerentes aos atos administrativos, mas a verificação específica e sucinta de um determinado ato, o da fiscalização do trabalho.
No particular, o ato administrativo em estudo se refere a uma declaração jurídica unilateral para cumprimento das normas trabalhistas, com o objetivo de penalizar o tomador da mão-de-obra pelo desrespeito de tal normalização, notificá-lo para comparecer à sede do órgão administrativo, entre outros, buscando, em última análise, a observância da legislação que rege as relações trabalhistas.
O principal objeto do controle jurisdicional, in casu, é o auto de infração lavrado pelo auditor fiscal do trabalho, que consubstancia o ato administrativo que se sujeitará à análise do poder judiciário, não obstante os demais atos oriundos da inspeção do trabalho passíveis de tal controle.
Como é cediço, ao ato administrativo se exige um mínimo de elementos de existência, a saber: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade. O ato ora estudado, em síntese, deverá ser praticado por auditor-fiscal devidamente constituído dos poderes legais (sujeito); enuncia uma penalidade ou uma exigência de ordem obrigacional (objeto); exterioriza-se, em regra, por um auto de infração cuja lavratura obedecerá a regras próprias (forma); objetiva de forma mediata, o cumprimento da legislação trabalhista (finalidade) e se funda na norma descumprida e no conjunto de circunstâncias que ensejaram a prática do ato (motivo).
Tratando-se de ato restritivo, em que a atuação estatal visa a proteção do trabalho humano, é relevante a presença de certas prerrogativas conferidas à administração, o que se consubstancia com a presença de atributos específicos do ato administrativo, distinguindo-se dos atos de Direito Privado. Logo, o ato da inspeção do trabalho é dotado dos seguintes atributos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.
Com efeito, o auto de infração lavrado pelo agente da inspeção do trabalho possui presunção juris tantum, isto é, até que se prove em contrário, judicialmente, por exemplo, presume-se verdadeiro e em conformidade com o ordenamento. Isso se refere ao atributo da presunção de legitimidade.
A imperatividade é a possibilidade de interferência unilateral na esfera jurídica de terceiro sem sua anuência, como no caso concreto, independente da vontade do autuado, a inspeção trabalhista cominará a penalidade administrativa.
Corolário de tal atributo tem-se a exigibilidade, que é o poder da administração exigir o cumprimento da obrigação anteriormente imposta, sem a necessidade de intermédio do poder judiciário, hipótese em que há a indução para que se cumpra o comando. Não se confunde com a executoriedade, que garante a execução do ato através de forçar o cumprimento daquela exigência, utilizando-se de atos coercitivos.
Tais características justificam a necessidade de atuação do poder judiciário para o controle dos atos restritivos da administração em face do particular.
Os atos em análise classificam-se como atos de administração contenciosa - no que concerne à natureza -, haja vista que ainda que o autuado não apresente defesa, haverá um processo administrativo para considerar a subsistência do auto de infração.
Quanto à estrutura, pode-se afirmar que se trata de ato abstrato, pois a imposição de penalidade administrativa ocorrerá em diversos casos, sendo indeterminado o seu destinatário, que quanto a este será geral, pois o ato se destina a uma categoria inespecífica de sujeitos, a saber, o tomador dos serviços ou empregador.
Com relação a terceiros, os atos emanados pela inspeção do trabalho são externos, e no que tange à composição da vontade que o produziu, pode-se afirmar que são simples singulares, tendo em vista que o ato é executado por um único órgão, e o fato de existir revisão através de processo administrativo não descaracteriza a singularidade da autoridade, pois ainda que mantida a penalidade até o esgotamento da via administrativa, o ato será de uma única autoridade. Nada impede, contudo, que no processo judicial se discuta a legalidade dos atos cometidos pela administração no transcurso do procedimento administrativo.
Demais, afirma-se que tais atos são unilaterais quanto à formação do ato, e atos de império quanto à posição jurídica da administração, posto que neste caso, como afirmado, a administração detém uma gama de prerrogativas inerentes à autoridade.
Verifica-se, ainda, uma das mais relevantes distinções no estudo dos atos administrativos, notadamente quando se fala em controle judicial de penalidades impostas pela administração, que é a separação entre atos vinculados e os atos praticados no exercício da competência discricionária.
Os atos vinculados exigem objetividade quanto à atuação da administração, ocorrendo quando a lei impõe comportamento a ser adotado, especificando o modo pelo qual atua.
Nos atos ditos discricionários, contrariamente, há subjetivismo na atuação da administração, pois a lei confere a faculdade como será executado o comando legal, havendo liberdade na tomada de decisão, ficando a cargo do agente público o exame de oportunidade e conveniência, sempre objetivando o interesse público. A vinculação, portanto, se identifica "pela impossibilidade de mais de um comportamento possível por parte da administração", [28] havendo, nesse caso, uma delimitação prevista na lei.
Para que seja caracterizado um ato como discricionário, é necessário que haja possibilidade de utilização de certa margem de liberdade, delimitada em parâmetros legais, ficando a cargo do agente público a análise da forma, conteúdo, momento e motivo do ato. Celso Ribeiro de Bastos, justificando a existência dos atos discricionários, afirma que estes tornam "a administração mais flexível, diante daquelas situações que só podem ser resolvidas pela vontade da administração em consonância com as regras jurídicas". [29]
A importância da análise desse aspecto do ato administrativo – vinculação ou discricionariedade – está inserida na limitação do controle do ato pelo poder judiciário, pois sendo um ato vinculado, cujos elementos encontram-se delimitados na lei, o exame jurisdicional será amplo, podendo declarar a nulidade caso o ato não esteja em conformidade com o texto normativo.
No tocante ao ato administrativo discricionário, o controle jurisdicional cinge-se à apreciação da legalidade do ato, verificando o respeito aos limites da discricionariedade, pois ao agente compete decidir os critérios de conveniência e oportunidade do ato, que constitui no mérito administrativo. Destaca-se a legalidade do ato como elemento de análise pelo controle jurisdicional, que se trata da adaptação do ato ao texto normativo, inclusive no que tange à finalidade do ato, como ensina José Cretella Júnior, no exame da legalidade a apreciação pelo órgão judicante ocorrerá sob todos os aspectos, seu nascimento, elementos e a finalidade visada. [30]
A atuação do auditor fiscal do trabalho depende de existência de violação aos preceitos legais, devendo lavrar o auto de infração, de acordo com a disposição contida no art. 628, caput, da CLT, concluindo que tal ato é vinculado, e por isso, será alvo de amplo controle do poder judiciário. Porém, a atuação da inspeção do trabalho não se restringe à lavratura do auto de infração, antes disso, o agente poderá fechar um estabelecimento empresarial ou embargar uma obra, o que consistirá em ato discricionário, passível de análise restrita do poder judiciário, que verificará somente os critérios de legalidade. Demais, embora se trate com mais veemência das penalidades, por se verificar maior agravamento, são vários os atos praticados pela administração no particular, cabendo a verificação de cada caso para classificação do ato.
Não obstante, criaram-se teorias que ampliam a possibilidade do controle do ato discricionário, como a relacionada ao desvio de poder e a teoria dos motivos determinantes, que objetivam impedir arbitrariedades e garantir a moralidade na administração pública, podendo ser decretada a nulidade do ato caso haja desvio de finalidade, ou afronte os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.
Destarte, o ato administrativo da inspeção do trabalho, regra geral, é vinculado, podendo ocorrer casos em que haverá discricionariedade, que dependerá da verificação do caso concreto.