3.3 O caso dos parlamentares "sanguessugas"
O Brasil tem sido palco de diversos escândalos envolvendo ocupantes dos mais diversos cargos públicos, que se apossam de forma indiscriminada de verbas públicas, chocando toda a população, que assiste a tudo com um sentimento de impotência, sem saber ao certo os meios de que se pode utilizar para afastar esses corruptos do cenário político.
Mais recentemente, no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva aconteceram alguns escândalos, fartamente noticiados pela imprensa em geral, chocando a população pela forma como aconteciam e pelas grandes cifras envolvidas. Dentre esses escândalos, cita-se como exemplo o caso de dólares apreendidos na cueca de um assessor parlamentar, o envolvimento de parlamentares num sistema de propinas, apelidado de "mensalão" e o caso da máfia dos "sanguessugas".
Essa máfia dos "sanguessugas" foi descoberta através de uma grande investigação feita pela Polícia Federal. Descobriu-se uma empresa, no estado do Mato Grosso, que negociava ambulâncias com prefeituras. Os representante dessa empresa, com o auxílio de assessores parlamentares, preparavam emendas no orçamento a serem apresentadas por deputados e senadores. Com o auxílio de servidores públicos lotados no Ministério da Saúde, conseguiam agilizar a aprovação dos convênios celebrados com as prefeituras, para o repasse das verbas destinadas à aquisição de ambulâncias. Os integrantes da quadrilha utilizavam empresas de fachada para fraudarem as licitações, e, posteriormente, vender suas ambulâncias por preços superfaturados. Com a liberação do dinheiro, propinas eram pagas a servidores públicos e assessores de parlamentares.
Quando o escândalo dos "sanguessugas" veio a tona, o empresário da empresa que controlava toda a ação criminosa denunciou diversos parlamentares que supostamente faziam parte do esquema, como ficou evidenciado pelas investigações feitas. Alguns destes tiveram o seu registro de candidatura para as eleições do ano de 2006 indeferidos, como por exemplo, os deputados cariocas Reinaldo Gripp (PL-RJ), Paulo Baltazar (PSB-RJ), Elaine Costa (PTB-RJ) e Fernando Gonçalves (PTB-RJ).
Com relação aos tais parlamentares, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro indeferiu o registro de suas candidaturas baseado nos argumentos expostos anteriormente, por considerar fortes os indícios de vida pregressa inidônea dos mesmos, suficientes, portanto, para negar o registro de suas candidaturas.
Reinaldo Gripp Lopes (PL-RJ) recorreu da decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro para o Tribunal Superior Eleitoral, que, no julgamento do Recurso Ordinário nº 1.133 – Classe 27º - Rio de Janeiro, teve o seu registro de candidatura provido.
Interessante o voto do Ministro do Tribunal Superior Eleitoral José Delgado, que discorreu defendendo a auto-aplicabilidade do dispositivo constitucional constante no art. 14, § 9º, entretanto, "em homenagem ao princípio da segurança jurídica", tendo em vista outras decisões da Corte Eleitoral no sentido de não considerá-lo auto-aplicável, a Corte Eleitoral acabou por dar provimento ao recurso. O acórdão do julgamento do Recurso Ordinário nº 1.133 – RJ (on-line) foi assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. INDEFERIMENTO. REGISTRO DE CANDIDATURA. EXAME DE VIDA PREGRESSA. ART. 14, § 9º, CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL. PROVIMENTO.
1.O art. 14, § 9º, da CF, deve ser interpretado como contendo eficácia de execução auto-aplicável com o propósito de que seja protegida a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerando-se a vida pregressa do candidato.
2.A regra posta no art. 1º, inciso I, g, da LC nº 64, de 18.05.90, não merece interpretação literal, de modo a ser aplicada sem vinculação aos propósitos da proteção à probidade administrativa e à moralidade pública.
3.A autorização constitucional para que Lei Complementar estabelecesse outros casos de inelegibilidade impõe uma condição de natureza absoluta: a de que fosse considerada a vida pregressa do candidato. Isto posto, determinou, expressamente, que candidato que tenha sua vida pregressa maculada não pode concorrer às eleições.
4.A exigência, portanto, de sentença transitada em julgado não se constitui requisito de natureza constitucional. Ela pode ser exigida em circunstâncias que não apresentam uma tempestade de fatos caracterizadores de improbidade administrativa e de que o candidato não apresenta uma vida pregressa confiável para o exercício da função pública.
5.Em se tratando de processos crimes, o ordenamento jurídico coloca à disposição do acusado o direito de trancar a ação penal por ausência de justa causa para o oferecimento da denúncia. Em se tratando de acusação de prática de ilícitos administrativos, improbidade administrativa, o fato pode ser provisoriamente afastado, no círculo de ação ordinária, por via de tutela antecipada, onde pode ser reconhecida a verossimilhança do direito alegado.
6.No entanto, no julgamento do RO nº 1.069/RJ, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, sessão de 20.9.2006, esta Corte assentou entendimento segundo o qual o pretenso candidato que detenha indícios de máculas quanto a sua idoneidade, não deve ter obstaculizado o registro de sua candidatura em razão de tal fato.
7.Desta forma, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, alinho-me a novel jurisprudência do TSE, ressalvando o meu entendimento.
8.Recurso ordinário provido. (grifou-se)
Portanto, é de se ressaltar a grandeza dos julgamentos do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por considerar a tese de que o princípio que exige a análise da vida pregressa do candidato considerada a moralidade e a probidade administrativa é auto-aplicável, devendo-se negar o registro de candidatura daqueles indivíduos de passado suspeito, envolvidos em falcatruas e com condenações, embora sem o trânsito em julgado.
Conforme notícia publicada no site UOL, em 02 de agosto de 2006, pelo menos 11 envolvidos nos escândalos do "mensalão" e dos "sanguessugas" conseguiram uma vitória nas urnas nas eleições de 2006, voltando a ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados. Com relação aos "sanguessugas", vale transcrever o seguinte trecho da notícia (on-line): "Tiveram o nome envolvido no escândalo dos sanguessugas (a máfia que negociava ambulância superfaturadas com prefeituras) 72 parlamentares (69 deputados e 3 senadores). Voltaram ao Congresso seis deles".
Os "sanguessugas" reeleitos foram: Pedro Henry (PP-MT), Wellington Fagundes (PL-MT), Wellington Roberto (PL-PB), Vanderlei Assis (PP-SP), João Magalhães (PMDB-MG) e Marcondes Gadelha (PSB-PB). Por esses resultados, conclui-se que o povo por si só é incapaz de afastar da direção do país pessoas de passado suspeito, descomprometidos com a administração da coisa pública, contribuindo para o aumento dos casos de corrupção no país.
Abraçando a tese da consideração da vida pregressa do candidato, protegendo a moralidade, nenhum desses envolvidos nos escândalos citados teria condições de participar de qualquer pleito eleitoral, visto que os indícios de envolvimento são fortíssimos e também com relação aqueles que, embora condenados, conseguem protelar a decisão judicial final, como é o caso do Sr. Eurico Miranda que se aproveitou da exigência de res judicata da condenação para participar livremente das eleições de 2006.
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