Capa da publicação A ameaça ao Poder Judiciário e suas consequências
Capa: Paulo Pinto / Agência Brasil

A ameaça ao Poder Judiciário e suas consequências

08/09/2021 às 09:56

Resumo:


  • O presidente Jair Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF e desafiou as decisões do ministro Alexandre de Moraes.

  • Bolsonaro praticou crimes contra a honra do ministro, incitou correligionários contra o Poder Judiciário e cometeu crime contra a segurança nacional.

  • O presidente ultrapassou o limite do decoro do cargo, o que pode configurar crime de responsabilidade e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Segundo o site da Folha de S.Paulo, em 7 de setembro de 2021, em discurso diante de milhares de apoiadores), na avenida Paulista, o presidente Jair Bolsonaro repetiu as ameaças golpistas contra o STF (Supremo Tribunal Federal), exortou desobediência às decisões do ministro Alexandre de Moraes e desafiou quem o investiga. "Digo aos canalhas que nunca serie preso."

"Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou."

"Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade."

"Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro."

Assim como tem dito em discursos no interior do país, Bolsonaro disse que só deixa morto o Palácio do Planalto.

O presidente da República praticou crimes contra a honra do ministro Alexandre de Moraes, no que concerne a injúria.

Conhecida é a lição de Antolisei, citada por Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7º edição, pág. 179), de que “a manifestação ofensiva tem um significado que, embora relacionado com as palavras pronunciadas ou escritas, ou com os gestos realizados, nem sempre é idêntico para todas as pessoas. O que decide é o significado objetivo, ou seja, o sentido que a expressão tem no ambiente em que o fato se desenvolve, segundo a opinião da generalidade das pessoas. Como bem esclarece o antigo professor da Universidade de Turim, o mesmo critério deve ser seguido, em relação ao valor ofensivo da palavra ou do ato, não se considerando a especial suscetibilidade da pessoa atingida. Isto, porém, não significa que não seja muitas vezes relativo o valor ofensivo de uma expressão, dependendo das circunstâncias, do tempo e do lugar, bem como do estado e da posição social da pessoa visada, e, sobretudo, da direção da vontade (animus injuriandi).”

A injúria refere-se à dignidade e ao decoro, que a doutrina interpreta no sentido de honra subjetiva.

As injúrias podem ser praticadas pelas mais variadas formas, por gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc, consumando-se desde que chegue a conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa.

Havendo ofensa a honra do funcionário público que diga respeito ao exercício das funções, artigo 145, parágrafo único, parte final, há uma ação penal pública condicionada à representação. O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a legitimidade, nessa hipótese, seria concorrente, cabendo ao funcionário público optar entre representar, estando-se na hipótese de ação penal pública condicionada, ou poderá contratar advogado para patrocínio de ação penal privada. É o que se lê da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal onde se diz que é concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada a representação do ofendido, nos crimes contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções. É o que se lê do julgamento do Supremo Tribunal Federal, no AgR Inq 726, de 8 de setembro de 1993, Pertence, RTJ 154/2: Lex STF 188/378. Vem um problema: o funcionário público representa e o órgão ministerial, ao invés de ofertar a denúncia, promove o arquivamento. É possível ao agente público contratar advogado para promoção de ação penal privada? Uma vez oferecida a representação, ocorre a preclusão da segunda via da persecutio criminis, de modo que não poderá mais o funcionário público oferecer a queixa-crime correspondente. Daí porque se fala em legitimação alternativa e não concorrente, que seria disjuntiva. A propósito, tem-se decisão do Supremo Tribunal Federal, no Inq. 1.939. – 9/BA, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 2 de abril de 2004. Assim se o ofendido opta pela representação, com o seu oferecimento se investe, em definitivo, o Ministério Público de legitimação para a causa, ficando preclusa a via da ação privada. Electa una via non datur regressus ad alteram.

Ademais ele incitou os seus correligionários contra o Poder Judiciário.

Cometeu crime contra a segurança nacional.

Cometeu o chefe do Poder Executivo delito que depõe contra o decoro do cargo.

Tem-se do artigo 6º da Lei 1.079/50:

São crimes de responsabilidade (…) 6 - usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício.

O presidente da República ultrapassou o limite do decoro. O presidente da República perdeu o lastro junto à institucionalidade.

Constitui crime de responsabilidade contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. De forma semelhante dispunha o Decreto nº 30, de 1892, ao preceituar, no artigo 48, que formava seu capitulo VI, ser crime de responsabilidade contra a probidade da administração “comprometer a honra e a dignidade do cargo por incontinência política e escandalosa, ......, ou portando-se com inaptidão notória ou desídia habitual no desempenho de suas funções”.

Como disse ainda Paulo Brossard(obra citada, pág. 56), “não é preciso grande esforço exegético para verificar que, na amplitude da norma legal – “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” – cujos confins são entregues à discrição da maioria absoluta da Câmara e de dois terços do Senado, cabem todas as faltas possíveis, ainda que não tenham, nem remotamente, feição criminal.

Mas, na feliz conclusão de Vera Magalhães, em opinião pelo jornal O Globo, “a abertura imediata de um processo de impeachment seria a resposta do Congresso, mas ainda não se pode esperar isso de Arthur Lira, que é cúmplice deste governo.”

A democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, sensatez.

Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição e espera de uma forma muito especial dos juízes brasileiros para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.

O que o presidente da República quer é “dar um golpe”.

Entre os novos crimes tipificados no novo regime legal para o tema está o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”. Nesse caso, a pena é de prisão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência empregada. Já o crime de golpe de estado propriamente dito — “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” — gera prisão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

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Tem-se então:

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um poderes da República, para o caso o Judiciário.

A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.

O crime é de perigo presumido.

Ocorre que essa previsão legal está sob o regime da vacatio legis.

Aplica-se, para o caso, o artigo 18 da antiga Lei de Segurança Nacional de 1983.

Ali se diz:

Art. 18. - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.

Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.

O delito confronta o Estado de Direito.

Lecionou J.J.Gomes Canotilho(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 98) que o Estado de direito cumpria e cumpre bem as exigências que o constitucionalismo salientou relativamente à limitação do poder político. O Estado constitucional é assim, em primeiro lugar, o Estado com uma Constituição limitadora do poder através do império do direito. As ideias do “governo de leis e não de homens”, de Estado submetido ao direito, de constituição como vinculação jurídica do poder, foram tendencialmente imbuídos como instrumentos como de rule of law.

O Estado de Direito, que a Constituição de 1988 sufraga, é aquele da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação do sistema jurídico; o da legitimidade do exercício do poder político, nos exatos quadrantes da Constituição.

O princípio democrático implica em democracia participativa, pois ela se faz através do povo, pelo povo e para o povo, como disse Lincoln.

Não há Democracia sem um Poder Judiciário independente e autônomo” e “sem Justiça não há paz social”. “Nas democracias, o equilíbrio do Estado de Direito passa necessariamente pelo Poder Judiciário, em especial pelos tribunais supremos.

Ameaçar o Judiciário é ameaçar a democracia.

Esse o contexto que se extrai do novo artigo 359 – L do Código Penal. Não se agride o Estado com tal conduta, agride-se a sociedade.

Fica nítido que o que o presidente da República quer é declarar o ministro Alexandre de Moraes, que irá presidir no Tribunal Superior Eleitoral, seu inimigo e como tal já colocar como ilegítimo o pleito eleitoral de 2022.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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