A relativização da (im)penhorabilidade dos créditos da alienação de unidades imobiliárias sob regime de incorporação e o patrimônio de afetação

Exibindo página 2 de 5
Leia nesta página:

3. DA IMPENHORABILIDADE DO CPC

A execução forçada, de significado mais restrito, consiste nos atos executivos em sentido estrito, pelos quais se busca a satisfação do crédito de forma coativa (GUERRA, 1998, p. 49).

Inicia-se a execução forçada somente com a efetiva agressão ao patrimônio do devedor. Nas palavras de Theodoro Júnior (2014, p. 127), “como o devedor não cumpriu o débito, seu patrimônio responderá de maneira forçada, substituindo assim a prestação não adimplida voluntariamente”.

Segundo Wambier e Talamini, na execução, o Estado substitui “em grau maior ou menor a conduta do credor (que se teria com a autotutela) e do devedor (verificável no cumprimento espontâneo e voluntário)” (WAMBIER; TALAMINI,2015, p. 52).

Busca-se, com a atividade executiva, realizar concretamente a satisfação do credor para, por exemplo, na execução por quantia certa, atingir o patrimônio do devedor, promover a alienação forçada de bens e a entrega ao credor, do dinheiro, fruto dessa expropriação.

Cumpre esclarecer que, no CPC/2015, a penhora é tratada de forma esparsa, estando disciplinada em diversos artigos, possuindo um destaque no art. 831. e seguintes. O artigo versa, in verbis: “A penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios” (BRASIL, 2015). Contudo, há ressalvas, não podendo a penhora incidir sobre todo e qualquer bem do devedor. Alguns bens não podem ser penhorados, por força legal, a esta restrição dá-se o nome de Impenhorabilidade (DIDIER JR. et al., 2017).

Nesse contexto, por exegese legal, alguns bens são imunes à execução e, portanto, à penhora, denominados impenhoráveis. A razão para esta proteção se dá por fatores diversos. Ora ocorre devido à inutilidade da apreensão, vez que alguns bens não podem ser alienados, ora por se considerar incoerente privar o devedor de bens necessários para sua subsistência ou de sua família, ou ainda, por motivos personalíssimos (BARBOSA; MOREIRA, 2012).

Nesse contexto, serão abordados nesse capítulo, noções preliminares da execução e seus princípios, a penhora e seus efeitos, a responsabilidade do devedor e a impenhorabilidade dos créditos das unidades imobiliárias da incorporação imobiliária.

3.1. Noções Preliminares da Execução e seus Princípios

A execução tem por destinação a obtenção do adimplemento de uma obrigação por parte da parte devedora. Para alguns doutrinadores como Wambier e Talamini (2010, p. 49),a execução é dotada de duas características:

(I) A atuação da vontade concreta da lei na execução é até mais evidente e incisiva do que na cognição: há a aplicação material do comando normativo;

(II) A atuação da sanção é feita pelo Estado, substituindo em grau maior ou menor a conduta do credor (que se teria com a autotutela) e do devedor (verificável no cumprimento espontâneo e voluntário); (WAMBIER; TALAMINI, 2010, p.49)

O processo autônomo de execução tem estrutura e finalidade diferentes do processo de conhecimento, pois consiste basicamente na prática de atos concretos que visam adequar a situação fática ao que ela já deveria ser, conforme o disposto no título executivo (MOREIRA, 1994, p. 11).Mas não é possível dissociar, numa visão unitária da jurisdição, o poder de julgar e o de fazer cumprir o julgado; se no processo de conhecimento o juiz julga, no de execução ele realiza (THEODORO JUNIOR, 2014, p. 125).É, portanto, na ação executiva, portanto, que ocorrem as “transformações materiais” que culminam na real satisfação dos direitos (ASSIS, 1998, p 18).4

Diante da vedação no nosso ordenamento jurídico da autotutela realizada pelo credor na satisfação dos seus interesses, Araken de Assis (1998, p.18), em trabalho anterior à alteração legislativa que instituiu a disciplina do cumprimento de sentença, afirma que o processo de execução se destina à realização dos direitos, constituindo a forma mais expressiva de tutela jurisdicional; numa sociedade onde se busca incessantemente a efetividade dos direitos subjetivos, mais do que a mera declaração desses direitos, importa sua satisfação específica.

Para exercer a atividade executiva, o Estado, na pessoa do juiz, substitui as partes e aplica concretamente a lei. Segundo Wambier e Talamini (2015, p.52), na execução, o Estado substitui “em grau maior ou menor a conduta do credor (que se teria com a autotutela) e do devedor (verificável no cumprimento espontâneo e voluntário)”.

Em suma, a busca do direito do credor no mundo fático é realizada pelas ações executivas englobando procedimentos e meios executórios específicos, respeitando a natureza do título executivo. O poder judiciário imbuído na sua função estatal, adquire a posição de supremacia e emprega a utilização da força - na medida em que transformam o mundo fático mediante o deslocamento de coisas ou de pessoas - ou mesmo pela pressão psicológica destinada a fazer com que o executado prefira realizar o que lhe compete a submeter-se à outra alternativa imposta.

Os atos executivos ainda podem implicar a transferência coativa de bens para a esfera patrimonial do credor, a fim de que haja a satisfação dos direitos subjetivos, traduzidos pelos meios executórios, classificados, por vezes, como sub-rogatórios, quando não dependem da efetiva participação do executado, e coercitivos, cuja principal finalidade é atuar na vontade do obrigado para que cumpra aquilo que lhe compete (ASSIS,1998, p. 39-40).

Enquanto os meios coercitivos (por exemplo, a multa e a prisão) apresentam-se como “instrumentos intimidativos”, de caráter acessório à execução propriamente dita, os meios de sub-rogação proporcionam ao credor o mesmo benefício que teria com o cumprimento voluntário da obrigação – ou benefício equivalente –, atuando, o Estado, como “substituto do devedor inadimplente” ( THEODORO JUNIOR, 2014, p. 129).

Entre os atos executivos estão – a título exemplificativo – a sub-rogação ou substituição da conduta do executado, na execução de obrigação de fazer fungível (CPC/1973, arts. 633. e 634; CPC/2015, arts. 816. e 817); o pagamento de multa, na execução de obrigação de fazer infungível (CPC/1973, art. 645; CPC/2015, art. 814, parágrafo único); a adjudicação ou a arrematação, na execução por quantia certa (CPC/1973, arts. 685-A e 693; CPC/2015, arts. 876. e 901); a prisão, na execução de prestação alimentícia (CPC/1973, art. 733, § 1.º; CPC/2015, art. 528, § 3.º); e o despejo, nas ações fundadas na Lei 8.245/1991 (arts. 63. e 65).

Na execução para a entrega de coisa certa, os atos executivos consistem, basicamente, em retirar o objeto do executado e entregá-lo ao exequente, por meio da busca e apreensão para posterior entrega do bem, ou da imissão na posse, conforme se trate de coisa móvel ou imóvel; na execução para a entrega de coisa incerta, após o incidente relativo à escolha pelo devedor, se assim o couber (CPC/1973, art. 629; CPC/2015, art. 811), realiza-se a busca e apreensão seguida da entrega da coisa.

Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer, os atos executivos são mais complexos: empregam-se meios de pressão psicológica sobre o executado para que cumpra a obrigação, mas, uma vez não cumprida, em casos de obrigação fungível pode exigir a indenização por perdas e danos ou exigir que a obrigação seja realizada por terceiro à custa do devedor, conquanto na obrigação infungível, considerando que seria inadmissível obrigar alguém a fazer alguma coisa usando força física para isso, é substituída pelo equivalente em dinheiro, prosseguindo-se a execução por quantia certa

Ainda existem também os atos executivos na execução por quantia certa, os meios executivos iniciam-se pela penhora – onde os bens do executado são individualizados e afetados à execução, embora continuem pertencendo ao devedor–, prosseguem com o depósito e a avaliação, e culminam na expropriação de bens (que poderá consistir na adjudicação, alienação ou apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens [CPC/2015, art. 825]), com o recolhimento do valor respectivo, preparando-se, assim, a entrega ao credor.

No presente trabalho, quando se mencionarem atos executivos, se estará tratando daqueles realizados no processo de execução por quantia certa (CPC/1973, arts. 646. e ss.; CPC/2015, arts. 824. e ss.) e na fase de cumprimento – provisório e definitivo – de sentença que condena a pagar quantia (CPC/1973, arts. 475-I e ss.; CPC/2015, arts. 513. e ss.).

É inegável a importância dos estudos dos princípios para a melhor compreensão dos fenômenos processuais, de sorte que a análise serve também para balizar e enquadrar juridicamente as diversas exceções legais, amplamente aceitas na prática forense, e notadamente, para a relativização da impenhorabilidade como ora se discute nesse trabalho.

O princípio da autonomia deve ser analisado atualmente levando-se em conta as transformações sofridas pelo CPC, em especial àquelas promovidas com relação à forma de execução do mais clássico dos títulos executivos judiciais; a sentença civil condenatória (art. 584, I, CPC).

José Miguel Garcia Medina (2002, p. 190), assim aborda sobre o referido princípio:

A doutrina arrola o princípio da autonomia dentre os princípios do processo de execução, fazendo crer que, ainda hoje, este é o princípio que revela a relação existente entre processo de conhecimento e processo de execução. A modificação das estruturas processuais propugnadas pelas reformas, no entanto, realçou a existência de situações em que cognição e execução se realizam na mesma relação jurídico-processual, que antes figuravam como mera exceção ao princípio da autonomia da execução perante a cognição.(MEDINA, 2002, p. 190)

GRECO (1999, p.169-170), indica sete características formais que confirmariam a autonomia do processo de execução como regra no processo civil brasileiro: 1ª a admissibilidade de execução por título extrajudicial ou por condenação criminal, sem processo civil de conhecimento anterior; 2º a possibilidade de que as partes na execução não sejam as mesmas do processo de conhecimento, como ocorre, por exemplo, na hipótese de execução contra o fiador judicial; 3º a impossibilidade de extinção do processo no lapso de tempo que medeia entre o trânsito em julgado da sentença condenatória e o início da execução, porque não há processo pendente; 4º a perda da eficácia da medida cautelar concedida no curso do processo de conhecimento, se a execução não for instaurada logo após o encerramento daquele; 5º a prescrição da execução se entre o término do processo de conhecimento e a instauração do processo de execução decorrer o prazo de prescrição da ação previsto em lei; 6º a necessidade de nova citação na execução 7º a necessidade de iniciativa originária do autor, não podendo ser instaurada ex officio (a execução).

Alguns doutrinadores já não mais creditam a imprescindibilidade do presente princípio, com respaldo do professor Humberto Theodoro Jr (2014, p. 254-255). que assim expôs sobre a inadequação do princípio da autonomia:

a) a pretensão que justifica a prestação jurisdicional não comporta a falsa dissociação em pretensão de condenar e pretensão de executar. na realidade, só há uma pretensão: a de compelir o devedor à prestação por inadimplência; b) se a lide real não se compõe apenas com a sentença condenatória, tem o órgão judicial, para atingir o desiderato da pacificação social, que prosseguir através de atos que tornem efetiva a restauração da ordem jurídica violada; c) se a condenação não basta para pacificar a lide, e necessária ainda se faz a atuação executiva, razão não há para encerrar-se a função jurisdicional com a sentença de mérito e exigir que o credor proponha outra ação para levar o órgão judicial a executar sua própria ordem de condenação; d) as nulidades ou ilegalidades do processo de conhecimento jamais seriam motivo para exigir a execução completa, apenas com o fito de ensejar embargos do devedor, pois outros meios há de se defender contra tais vícios, fora e dentro do processo executivo; e) na verdade, a execução, como processo autônomo e completo, só se justifica na cobrança dos títulos extrajudiciais, porque equiparados à sentença, dispensam a fase de cognição e já autorizam o início da atividade jurisdicional no estágio da realização prática do direito ao credor, sem perder tempo com sua definição ou acertamento (THEODORO JUNIOR, 2014, p. 254-255).

Cumpre apontar, inclusive, corrente doutrinária que entende que após o advento do art. 273, § 7º, CPC, que trata da fungibilidade da tutela antecipada com a tutela cautelar, a autonomia do processo cautelar já não mais se justificaria. Em consonância com esse pensamento, podemos encontrar os seguintes doutrinadores: Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier (2002, p. 59-60); J.E. Carreira Alvim (2004, p. 131); Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2004, p. 305-306); Joaquim Felipe Spadoni (2003, p. 90-91); Fredie Didier Jr (2003, p. 87-88); Juvêncio Vasconcelos Viana (2003, p . 54).

Existe ainda o princípio da nulla executio sine titulo, no qual não há execução sem título que a embase, já que no processo executivo, além de se permitir a invasão patrimonial do executado por meio de atos materiais praticados pelo juiz, esse é colocado numa situação processual desvantajosa com relação ao exequente.

Nesse sentido as lições de Cândido Rangel Dinamarco (1998, p. 457-458):

A exigência de título executivo, sem o qual não se admite a execução, é consequência do reconhecimento de que a esfera jurídica do indivíduo não deve ser invadida, senão quando existir uma situação de tão elevado grau de probabilidade de existência de um preceito jurídico material descumprido, ou de tamanha preponderância de outro interesse sobre o seu, que o risco de um sacrifício injusto seja, para a sociedade, largamente compensado pelos benefícios trazidos na maioria dos casos(DINAMARCO, 1988, p. 457-458).

Ainda existe o princípio da patrimonialidade, que determina a execução será sempre real, e nunca pessoal, em razão de serem os bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do direito do exequente.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No nosso ordenamento jurídico não é permitida a satisfação da dívida na pessoa do devedor, de forma que o corpo do endividado não pode responder por suas dívidas, de sorte que apenas o patrimônio pode ser atingido, salvo exceções legais, e por isso tal princípio representa a humanização do processo de execução adquirida durante todo o seu desenvolvimento histórico.

Exsurge ainda o princípio da disponibilidade, assim abarcada pelo Ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki (2019, p. 97), que assim expôs:

Princípio informativo típico do processo de execução é o da disponibilidade: a execução tem por única finalidade a satisfação do crédito, de modo que sua razão de ser está relacionada exclusivamente ao interesse e ao proveito do credor, que dela pode dispor. No processo de conhecimento, destinado que é a eliminar incertezas sobre a existência ou não do direito subjetivo, ou de sua ameaça ou violação, o interesse das partes litigantes é concorrente, e não só do demandante, eis que a sentença de improcedência faz coisa julgada a favor do demandado. Daí por que a desistência da ação cognitiva após decorrido o prazo da resposta supõe o assentimento do réu (§ 4º do art. 267). O mesmo não ocorre no processo de execução, perante o qual o executado não pode alimentar “qualquer expectativa se solução favorável”, a não ser a de almejar “que o processo se extinga”. Assim, no pressuposto de que a desistência da execução a ninguém prejudica e que “é sempre favorável ao réu”, até porque tudo volta ao status quo, assentou-se o princípio de que o exequente tem a disponibilidade da ação de execução, podendo dela desistir, no todo ou em parte, independentemente da concordância do executado, que se presume (ZAVASCKI, 2019, p.97).

Tal princípio visa assegurar ao exequente o direito de dispor, de desistir voluntariamente da execução ou de algumas de suas medidas executórias, a qualquer tempo sem precisar da autorização do seu executado. Necessária menção também, sobre o princípio da unilateralidade da ação executiva, que tem por escopo a realização da execução em prol do interesse do credor, sendo este o titular do direito de executar seu crédito em face do devedor.

Ainda existem outros princípios da execução civil, como o princípio da utilidade, da fungibilidade do processo executório, do resultado e do contraditório, porém, para focarmos no objeto desse trabalho serão mais detalhadamente explicitados os seguintes princípios: proporcionalidade, razoabilidade, menor onerosidade, boa fé e lealdade processual.

O princípio da proporcionalidade é imprescindível para o estudo do presente trabalho, posto que a execução pode ser considerada um ambiente propício para o surgimento de conflitos entre diversos princípios. Nesse sentido, podemos destacar a abordagem de Didier Júnior (2014, p. 57):

O princípio da efetividade choca-se muita vez com os princípios que protegem o executado, como o princípio da dignidade da pessoa humana, que, embora também sirva ao exequente, costuma ser invocado para fundamentar a existência de uma série de regras de tutela do executado, como, por exemplos, as regras que preveem as impenhorabilidades; o princípio da segurança jurídica choca-se com o princípio da atipicidade dos meios executivos etc.(JUNIOR, 2014, p.57).

O princípio da proporcionalidade por exemplo é utilizado em todos os sentidos, notadamente porque ao lado da preocupação com a efetividade da execução em prol do credor, deve-se buscar sempre o caminho menos oneroso para o devedor de acordo com o princípio da menor onerosidade ou menor sacrifício do executado.

Nesse sentido, referenda o art. 8º do CPC/2015, estatuindo que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, “atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (BRASIL, 2015).

Inclusive, o princípio da razoabilidade e seu consectário princípio da proporcionalidade, que já figuram como princípios norteadores da Administração Pública no art. 37. da CF, agora aparecem como princípios processuais explícitos no art. 8º do novo CPC, imantando toda a atividade jurisdicional.

Uma das características importantes do artigo acima elencado é o fato de que a interpretação do “ordenamento jurídico” abarca também o processo executivo. De certa forma o dispositivo não é aplicado apenas ao direito material, mas também alicerce ao magistrado para obtenção dos fins sociais, exigências do bem comum e outros corolários interpretativos, de sorte que na interpretação do nosso regramento jurídico, o art. 8º deve ser seguido tanto para o direito material como processual.

A razoabilidade, assim como a proporcionalidade servem como normas de ponderação na aplicação concreta das normas procedimentais, e não são raras as vezes que o magistrado deve decidir entre duas opções processuais possíveis.

Neste contexto, é preciosa a análise do princípio da menor onerosidade do devedor, dispondo sobre a execução e o dever de gerar o menor sacrifício possível ao executado. Uma vez que, por um lado é certo dizer que a tutela executiva deve buscar a satisfação dos interesses do credor, noutra perspectiva não é incorreto afirmar que essa se dê pela forma menos gravosa.

É evidente que tal princípio deve ser interpretado à luz do princípio da efetividade da tutela executiva, cumulado com o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, sem a qual o processo não passa de enganação. O exequente tem direito à satisfação de seu direito, e no caminho para a sua obtenção, naturalmente criará gravames ao executado.

O princípio está exposto no art. 805. do CPC, que assim prevê: “Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”(BRASIL, 2015).

A imprecisão do verbete acima apontado, faz-se necessária a interpretação axiológica do ordenamento jurídico com os princípios da execução. Porém importante não olvidar que se, de um lado, o princípio da efetividade da execução forçada é considerado como um direito fundamental à execução equilibrada sob a perspectiva do exequente, de outro lado, o princípio da menor onerosidade complementa o conceito, enquanto direito fundamental à execução equilibrada sob o prisma do executado. A execução balanceada é, portanto, aquela que propicia o pleno atendimento do direito do exequente sem sacrificar inutilmente o patrimônio do executado (CABRAL,2015, p. 798).

No mesmo sentido é a inteligência do Professor Elpídio Donizzeti (2015, p. 831), que assim dispôs:

Esse princípio tem, contudo, que ser aplicado harmonicamente com o princípio da efetividade da execução, já que a finalidade do processo executivo é a satisfação do credor, e não o contrário (DONIZETTE,2015, p.831).

Em outras palavras, o princípio da menor onerosidade deve atuar como uma espécie de freio ou limite à satisfação do credor, de forma a impedir que direitos patrimoniais assolem direitos de maior significância, como é o caso da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Há, porém, um limite também ao princípio da menor onerosidade, cuja incidência não pode servir de amparo a calotes de maus pagadores (DONIZETTE,2015, p.831).

Portanto, a aplicação do princípio da menor onerosidade deve ser aplicada pelo Juiz respeitando o princípio da proporcionalidade no caso concreto, de modo a evitar que ele se constitua numa espécie perigosa de blindagem a impedir a satisfação da obrigação. Seu fundamento mais importante é a solidificação de que diante da existência de mais de uma possibilidade para a satisfação do crédito, o juiz deve escolher a menos grave para o devedor.

Para finalizar os princípios da execução civil, importante destacar a boa-fé e a lealdade processual, institutos intrinsecamente ligados, posto que ambos estão voltados para uma regra de conduta ante a uma determinação social de agir com zelo, lealdade, franqueza, clareza, honestidade, respeito e dignidade.

Para Rodrigues (2004, p.61)a boa fé “é um conceito ético, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar”.

Nesse sentido Pereira (2005, p. 20-21), interpreta que “boa-fé objetiva cria deveres positivos, já que exige que as partes tudo façam para que o contrato seja cumprido conforme previsto e para que ambas obtenham o proveito objetivado”.

De acordo com a visão de Joan Pico i Junoy na obra de Didier (2015, p. 108):

O princípio da boa-fé processual compõe a cláusula do devido processo legal, limitando o exercício do direito de defesa, como forma de proteção do direito à tutela efetiva, do próprio direito de defesa da parte contrária e do direito a um processo com todas as garantias (“processo devido”). Cria, para tanto, eloquente expressão: o devido processo leal. (PICO, apud, DIDIER, 2015, p. 108)

Para então finalizar a questão dos princípios é oportuno destacar ao menos quatro princípios que embasam as regras processuais voltadas à impenhorabilidade, seja ela absoluta ou relativa: (i) tipicidade; (ii) disponibilidade; (iii) realidade; e (iv)adequação.

O princípio da tipicidade está situado expressamente na parte final do artigo 789 do Código de Processo Civil de 2015, que assim estabelece: “[...] salvo as restrições estabelecidas em lei”. Ou seja, as impenhorabilidades estão estritamente impostas no Código de Processo Civil de 2015, em seu rol do artigo 833 (BRASIL, 2015)5. Por consequência lógica, poderão ser penhorados os bens que não são classificados impenhoráveis no diploma processual civil, salvo exceções estabelecidas na própria lei.

O princípio da disponibilidade já foi objeto de estudo nesse trabalho, de forma que desnecessário tecer maiores comentários sobre o tema.

Quanto ao princípio da realidade, constitui-se como dedução lógica da responsabilidade, e corresponde a incumbência do devedor de responder com todos os seus bens presentes e futuros por suas obrigações, nos termos do art. 789. do CPC. 6

Quanto à premissa arguida no art. 789. do CPC, Ovídio A. Batista da Silva (1990, p. 49), assim expõe:

[...] o paradigma teórico a que a doutrina e a própria lei se dirigem quando tratam do processo executivo, é invariavelmente a execução por crédito monetário, que se torna efetiva extraindo-se do patrimônio do devedor o numerário suficiente ao pagamento do credor. Desta premissa é que nasce o princípio segundo o qual “todos os bens” do devedor sujeitam-se à execução. Imagina-se que, sendo devida ao credor determinada quantia de dinheiro – e não sendo encontrada moeda em espécie no patrimônio do obrigado – “todos os seus bens” sujeitam-se a ser expropriados pelo órgão executivo, de modo a obter-se, com o produto dessa alienação, o numerário necessário à satisfação do credor (SILVA,1990, p.49)

Tal princípio é importante para o tema aqui exposto, considerando que deveria os créditos em incorporações imobiliárias, caso não constasse no rol do artigo 833 do CPC, ser abrangido para satisfação do credor, e muito disso se deve ao princípio da tipicidade destacado mais acima.

Por fim, existe o princípio da adequação que pode ser considerado como fonte auxiliadora na produção das regras processuais, assim como força atuante no meio jurisdicional, permitindo ao juiz adaptar procedimentos ao caso concreto, haja vista as circunstâncias e as peculiaridades da lide.

Tal princípio está intrinsecamente ligado ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal, e é por causa dele que determinados bens podem ser considerados impenhoráveis, embora não previsto no art. 833. do CPC, como por exemplo a impenhorabilidade de cão-guia, bem de família de pessoas solteiras 7 e próteses que se incorporam a pessoa (DIDIER, 2009, p. 34).

E nesse desiderato, importante abordar aspecto primordial da execução, denominado como penhora, para que serve e quais são os seus efeitos no ordenamento jurídico.

3.2. A penhora e seus efeitos

Como já trazido anteriormente, a sub-rogação do Estado juiz ao obrigado efetiva-se, mediante atos de constrição sobre bens, consistentes em captá-los e destiná-los à satisfação do exequente.

No processo de execução por dinheiro, o primeiro ato constritivo é a penhora, que incide sobre algum bem do obrigado e o último, a entrega ao credor do dinheiro obtido mediante a alienação forçada do bem penhorado (DINAMARCO,2004, p. 65).

A penhora é o ato pelo qual o poder judiciário transfere a seu domínio imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exequente. Tem-se portanto, natureza de ato executório, podendo ser realizado excepcionalmente pelo juiz em forma de despacho (como na penhora de vencimentos na execução para prestação alimentícia), seja pelo oficial de justiça, que escolhe os bens seguindo a ordem estabelecida em lei e os declara penhorados ou recebe declarações do executado quando este fizer nomeação de bens, não mudando a natureza do ato e tampouco seus efeitos (LIEBMAN, 1968, p. 95).

O doutrinador Antônio José de Souza Levenhagen (1996, p. 95), assim conceitua a penhora:

A penhora é um ato material de execução, que consiste na apreensão judicial de bens do devedor, para que se cumpra o preceito de que os bens do devedor são a garantia do credor (LEVENHAGEN, 1996, p. 95).

A função específica da penhora é individualizar os bens do devedor que irão garantir a execução, e apreendê-los, para que se estabeleça, sobre eles, a preferência do credor. A penhora ainda pode ser feita sobre os mesmos bens, daí porque o CPC expõe no seu art. 613. que “recaindo mais de uma penhora sobre os mesmos bens, cada credor conservará o seu título de preferência” (BRASIL, 2015).

Consoante a cartilha de Dinamarco (2004, p. 521), para que a penhora cumpra efetivamente sua finalidade de colocar o bem à disposição do juízo para ser expropriado, a lei lhe acrescenta outros efeitos, além da apreensão e preferência consistentes em:

a) impedir que a alienação do bem pelo executado o subtraia ao estado de sujeição em que se encontra;

b) retirá-lo, provisoriamente, do conjunto dos bens que respondem pelas demais obrigações daquele;

c) privar o executado da detenção física do bem; (DINAMARCO, 2004, p. 521).

A penhora ainda tem como efeito o pressuposto válido do processo, de sorte que a inércia do exequente ante a ausência de bens do devedor, incorre a penhora e sem tal, o processo não prossegue, de forma que enquadrar-se-ia na hipótese do art. 267. V do CPC, configurando ausência de pressuposto de desenvolvimento válido do processo.

Cabe destacar ainda que a penhora de bens absolutamente impenhoráveis é nula de pleno direito, conquanto o processo executório ainda deva se prosseguir, e quando ocorre pode ser declarada inclusive de ofício. Tornada, no entanto, perfeita e acabada a arrematação com a assinatura do auto a adjudicação também com o auto respectivo, e a remição, com seu deferimento, o ato expropriatório só se desfaz por embargos à arrematação ou adjudicação ou pelas vias ordinárias, pelas explanações do art. 903. e 915 do CPC.

Esse também é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Arrematação. Levantamento do valor condicionado à averbação da carta de arrematação. Lavrado o auto de arrematação, o ato se aperfeiçoou, o que tornou a arrematação perfeita, acabada e irretratável, não se vislumbrando nenhum óbice ao levantamento do valor depositado, até o limite da dívida (SÃO PAULO,2010).

Por outro lado, penhorado bem relativamente impenhorável, o caso é de simples anulabilidade, que só poderá ser reconhecida se o interessado a arguir no primeiro momento em que tiver de falar nos autos, nos termos do art. 245. do Código de Processo Civil. 8

Por conseguinte, importante tecer comentários acerca da responsabilidade patrimonial do devedor, abordando aspectos importantes do instituto e seus limites.

3.3. Responsabilidade patrimonial do devedor

A importância da responsabilidade patrimonial do devedor no estudo de impenhorabilidade é de suma importância, de sorte que através deste poderemos analisar se há ou não excesso no processo executório.De início, sabe-se que o art. 789. do CPC é claro ao ressaltar que o objeto da execução são os bens das pessoas e não a pessoa em si, salvo expressa previsão legal, de sorte que os meios executórios apenas abrange a esfera patrimonial do devedor, excetuados os bens considerados impenhoráveis.

Diferentemente do direito romano, assim como no direito primitivo dos povos germânicos, a execução assumia caráter verdadeiramente penal, pois era exercida sobre o próprio corpo do executado, permitindo injustiças e atrocidades. A sanção para o inadimplemento da obrigação atingia diretamente a pessoa do devedor, ainda que o objetivo fosse dar satisfação econômica ao credor; excedia o conteúdo da obrigação, podendo atingir a totalidade do patrimônio do executado (LIEBMAN, 2001, p.17).

Trata-se, portanto, de norma fundamental da execução, que delimita o conceito da responsabilidade patrimonial do devedor – também alcunhada por Ovídio A. Baptista da Silva como princípio da responsabilidade universal dos bens do obrigado.

Considerando, pois, que o patrimônio do devedor é o objeto da execução, garantem-se meios alternativos ao credor para possibilitar a satisfação da obrigação inadimplida mediante execução forçada.

A execução recai, assim, sobre os bens do executado, que se destinam a satisfazer o crédito do exequente. É o princípio da responsabilidade patrimonial, insculpido no Código de Processo Civil (CPC/1973, art. 591; CPC/2015, art. 789), que estabelece que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Sobre os bens futuros Cândido Rangel Dinamarco (2004,p. 241), esclarece serem os bens que não existiam no momento da constituição da obrigação, mas sujeitos à futura execução. Nessa mesma linha, Araken de Assis (2010, p. 224), afirma que os aquestos se sujeitam à atividade executiva, mesmo que suspensa, até que a obrigação seja totalmente cumprida. É por isso que a insuficiência temporária de bens no patrimônio do devedor apenas suspende o processo de execução (CPC/1973, art. 791, III; CPC/2015, art. 921, III).

No tocante à natureza da responsabilidade patrimonial, há quem defenda se tratar de elemento integrante da relação obrigacional, em que responsabilidade e o débito coexistem (teoria dualista). Para os doutrinadores que balizam essa teoria, se houver inadimplemento, o credor estará autorizado a buscar o cumprimento da obrigação – impondo-se a sanção, por meio da execução – e os bens do devedor responderão pelo adimplemento (JUNIOR, 2014, p. 195-196).Conquanto os doutrinadores da teoria unitarista, acreditam que a responsabilidade e o débito não se separam, sendo esta última decorrente da própria obrigação em si.

Destaca-se observações feitas por Fredie Didier Junior, Leonardo Carneiro Cunha, Paula S. Braga e Rafael A. de Oliveira (2013, p. 267), no sentido de serem, as teorias unitarista e dualista, formas distintas de se descrever o mesmo fenômeno. Explicam os autores que uma regra de responsabilidade patrimonial, que determina quem deve responder pela obrigação, é uma regra de direito material (norma de decisão). Já as limitações à responsabilidade patrimonial (como as regras que impedem que a penhora recaia sobre determinados bens) são regras processuais, uma vez que servem de controle ao exercício da função jurisdicional executiva.

As restrições à responsabilidade patrimonial do devedor, em um estudo eminentemente processual, são resumidas às impenhorabilidades e às cláusulas de inalienabilidade. Para essas últimas, Luiz Edson Fachin (2001, p. 129), entende que: “A lei, se não a permite expressamente, também não a veda, sendo seu único limite o respeito à lei e à ordem pública”.

Neste ponto, insta destacar que a impenhorabilidade e inalienabilidade são conceitos distintos, mas podem estar vinculados em determinadas situações, porque todo bem inalienável é impenhorável, mas a recíproca não é verdadeira.

A legislação brasileira estatui claramente que, em determinadas hipóteses, o sujeito não pode dispor de cláusula de inalienabilidade do seu bem, sendo tal disposição uma forma pela qual se resguardam direitos de terceiro, sem que ocorram afrontas à lei. É o exemplo clássico do testador que não pode inserir cláusula de inalienabilidade de testamento para bem que integra a legítima, conforme pode se observar através da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE TESTAMENTO. É hígido o testamento público, lavrado por tabelião, que possui fé-pública, onde o testador, de livre e espontânea vontade, dispõe de determinados bens em favor da sua companheira. A doação só é inoficiosa quando excede a parte disponível do doador, que tenha herdeiros necessários e prejudique a sua legítima (doação inoficiosa, art. 549, do Código Civil), sendo hígida quando limitada ao percentual que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (RIO GRANDE DO SUL, 2011)

Dessa forma, a inalienabilidade é observada em atos de liberalidade praticados pelo proprietário do bem, conquanto as impenhorabilidades estejam preestabelecidas em lei, o que não exclui o fato de que o bem gravado com cláusula de inalienabilidade também poderá ser impenhorável.

Como acima mencionado, o próprio dispositivo do CPC, o qual traduz o princípio da responsabilidade patrimonial, permite exceções, de sorte que nem todos os bens do devedor respondem por suas obrigações, bem como há bens de terceiros que por elas podem responder (WAMBIER, TALAMINI, 2015 , p. 154).

Certamente os bens que primeiro estão sujeitos aos meios executórios são os pertencentes ao devedor, pois nele se reúnem as posições de obrigado e de responsável, o que a doutrina denomina de responsabilidade primária. Mas há casos em que responsabilidade e obrigação não coincidem, atribuindo-se as respectivas posições a pessoas diversas, denominando-se responsabilidade secundária, onde bens de outros sujeitos são atingidos pelos meios executórios (ASSIS, 1998, p. 227-228).

Os bens de terceiros sujeitos a execução estão estipulados no art. 790. do Código de Processo Civil, assim descriminados, podendo responder, do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória; do sócio, nos termos da lei; do devedor, ainda que em poder de terceiros; do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida; alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução; cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma, de fraude contra credores; do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Nesse contexto, a partir da responsabilidade patrimonial do devedor, destaca-se a impenhorabilidade dos créditos das unidades imobiliárias, tema de relevância no presente trabalho.

3.4. Impenhorabilidade dos créditos das unidades imobiliárias de incorporação imobiliária

Conforme abordado mais acima, o CPC elencou no rol de impenhorabilidade os créditos oriundos da alienação de unidades imobiliárias autônomas, vinculados à execução das obras, em empreendimentos construídos sob regime de incorporação imobiliária.

Foi uma novidade no CPC de 2015 e conferida tal proteção especial as receitas arrecadadas por incorporadoras, devido ao fluxo de caixa que é movido predominantemente pelos créditos advindos de promessas de compra e venda celebradas com consumidores, não obstante a existência de possibilidade de crédito à incorporadora através de financiamento de obras e até mesmo recursos próprios do incorporador.

A proteção foi direcionada para que não houvesse desequilíbrio econômico entre as partes, incorporadora e clientes, evitando que outras dívidas, como trabalhista, previdenciária, entre outras, sofressem um golpe na esfera patrimonial, que por consequência lógica, acabaria resultando em atraso de obras, ainda que o débito fosse de outra origem.

A impenhorabilidade trazida pelo legislador confere uma garantia aos próprios adquirentes, a fim de que mesmo em casos nos quais a saúde financeira da incorporadora reste prejudicada, há garantia de que as obras em si não seriam paralisadas. É por essa e outras razões (tratadas adiante), que o inciso XII do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015 busca tutelar tais situações.

A hipótese, prevista na legislação processual civil, possui semelhanças com ao regime de afetação, mas são institutos diferentes. Rememora-se que o patrimônio de afetação é um meio de segregar o conjunto de direitos e obrigações de determinada incorporação imobiliária, destacando-os do patrimônio geral da empresa incorporadora, possuindo requisitos próprios, como a exigência do incorporador manter uma conta bancária de depósito separada, especificamente para as finalidades correspondentes às obras (artigo 31-D, incisos II e V, da Lei nº 4.591/1964), sendo a afetação uma opção do incorporador, que pode ou não valer-se da prerrogativa. Conquanto o art. 833, XII do CPC 2015, aplica-se a qualquer incorporação imobiliária, independentemente de qualquer atitude do incorporador.

Logo, assegura-se tanto o incorporador, quanto os seus clientes (isto é, promitentes compradores), que visam a compra e venda de imóveis na planta, sem que possam sofrer o risco de um eventual malogro da incorporadora em seus demais negócios.Ou seja, em eventual execução de título judicial ou extrajudicial proposta em face do incorporador, não incidirá penhora sobre os créditos decorrentes de compromisso de compra e venda, vinculados à execução da obra. Assim sendo, ficam salvaguardados os interesses e recursos dos adquirentes expostos a insolvência do incorporador.

Destarte, o mencionado verbete em nada menciona sobre o regime de afetação das incorporações imobiliárias, o que leva à possível premissa de que todas incorporações, independente de constituição de patrimônio de afetação, deve ser resguardada por essa impenhorabilidade, de sorte que tal tema será abordado mais cuidadosamente no próximo capítulo.

Nesse contexto, existe o entendimento de que a impenhorabilidade prevista no inciso XII do art. 833, CPC, não se limita à incorporação imobiliária submetida ao regime da afetação, aplicando-se a créditos envolvidos em toda e qualquer incorporação imobiliária, desde que comprovadamente vinculados à execução e finalização das obras. Para Melhim Namen Chalhub (2017, p. 116-117):

[...] a impenhorabilidade instituída pelo CPC/2015 é regra geral de preservação dos recursos oriundos das vendas, aplicável a toda e qualquer incorporação, mesmo àquelas não submetidas ao regime de afetação, e, dado seu caráter cogente, veio preencher importante lacuna da Lei 4.591/1964, pois enquanto esta prevê a afetação apenas como uma faculdade do incorporador, o art. 833, XII, do CPC/2015 importa em afetação compulsória das receitas das vendas de toda e qualquer incorporação imobiliária (CHALHUB, 2017, p. 116-117).

Nada obstante serem distintos institutos, em virtude do fim do verbete do artigo de lei, “vinculados à execução da obra”, Nery Junior (2018, p. 113) credita que a aplicação deste dispositivo está condicionada à instauração de patrimônio de afetação na incorporação imobiliária (LCI 31-A a 31-F).

Os Tribunais têm aplicado a regra da impenhorabilidade dos créditos destinados à obra, revelado no dispositivo legal de caráter cogente, como forma de proteção ao patrimônio da incorporação imobiliária, notadamente quando há regime de afetação. Vejamos:

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. CONSTRIÇÃO DE NUMERÁRIO DEPOSITADO EM CONTA CRIADA PARA DEPÓSITO DE RECURSOS FINANCEIROS DESTINADOS ÀS OBRAS DO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO, COM PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO. INADMISSIBILIDADE, NOS TERMOS DO ART. 833, XII DO CPC/2015 E ART. 31-A, CAPUT E § 1º DA LEI 4.591/64. PRECEDENTES. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO (SÂO PAULO, 2020).

APELAÇÃO CÍVEL. HONORÁRIOS DE PROFISSIONAIS LIBERAIS. EMBARGOS DO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE DE PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO PARA PAGAMENTO DE DÍVIDA NÃO VINCULADA À INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORA. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO (RIO GRANDE DO SUL, 2016).

Considerando a dicotomia dos posicionamentos, necessário melhor análise do instituto de relativização de preceitos normativos, para entender pela possível mitigação da impenhorabilidade do art. 833. inciso XXI do CPC de 2015 diante da ausência do patrimônio de afetação e a proteção dos princípios da execução.

Sobre o autor
Andress Amadeus Pinheiro Santos

Advogado inscrito na seccional Sergipe, pós graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade Guanambi/ CICLO – Renovando Conhecimento.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos