6. CONCLUSÃO
A incorporação imobiliária é uma das forças motrizes para desenvolvimento econômico de nosso país, de sorte que sua atividade envolve uma série de atores e pode ser considerada uma das mais complexas no ramo imobiliário.
Consciente da necessidade de proteção à descrita atividade econômica, o legislador buscou tutelar o instituto com novas formas legais, de forma a instrumentalizar a segurança dos promitentes compradores das unidades imobiliárias, com o denominado patrimônio de afetação, instituído então pela Lei 10.931/2004.
O CPC de 2015 trouxe novidade legislativa acerca da impenhorabilidade “dos créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra”, no art. 833. inciso XII (BRASIL,2015). Contudo, como basicamente quase todas regras do nosso ordenamento jurídico, a impenhorabilidade, não deve ser literalmente aplicada ao caso concreto, tendo espaço, para tanto, a sua relativização.
Com efeito, não se defende na presente pesquisa a absoluta relativização do art. 833. inciso XII do CPC. Pelo contrário: a garantia existe e deve continuar existindo. Entretanto, entendemos, como todo direito fundamental, é preciso impor limites, inclusive já existentes no ordenamento jurídico, sob pena se afrontar diretamente contra os princípios da razoabilidade e do resultado útil do processo.
A impenhorabilidade tratada no art. 833. inciso XII deve ser avaliada com os princípios da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e da máxima utilidade da proteção. A relativização toma como base dois valores fundamentais, a satisfação do credor, amparada no princípio da máxima utilidade da execução, e a preocupação com a não penalização excessiva do devedor, alicerçada no princípio do menor sacrifício do devedor.
A procura para efetivação da justiça lato sensu se perfaz necessariamente não só respeitar as garantias do devedor, mas também respeitar a dignidade do credor que busca o crédito e o resultado útil de sua execução. A efetividade do processo judicial, deve ser um marco para qualquer tipo de litígio, principalmente para aqueles que já estejam na fase de execução.
Nesta perspectiva, a criação de impedimentos para a satisfação da tutela executiva deve ser medida excepcional, sob pena de se frustrar os legítimos anseios do exequente. Porém, não se deve desrespeitar inocuamente a legítima resistência do devedor, devendo a proporcionalidade entre os direitos existentes no processo de execução ser peça fundamental para interpretação e solução do caso em concreto.
E nesse sentido, a presente pesquisa demonstrou que a relativização dos créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra, reclama atenção dos aplicadores do direito, tanto por envolver uma atividade complexa e com diversos atores sociais, quanto para estimular a cooperação e efetividade da tutela executiva, devendo o recebimento do crédito pelo exequente ser medida buscada, nos exatos limites da razoabilidade.
Perspicaz quanto à lacuna deixada pelo poder legislativo, quando na criação do instituto previsto no rol de impenhorabilidade que trata esse trabalho, o poder judiciário está se movimentando no sentido de que nem todas as penhoras em crédito de unidade imobiliária venham ser consideradas impenhoráveis, notadamente por existir a possibilidade de adoção de patrimônio de afetação em incorporações imobiliárias.
O direcionamento da maioria das decisões ecoa que não há só a necessidade de comprovar que os créditos, eventualmente penhorados sejam de unidades imobiliárias, mas que eles sejam vinculados a execução da obra e possuam patrimônio de afetação. Outro fator importante é a inclinação de decisões judiciais no sentido de que o art. 833. XII seja respeitado quando tiver sido formado sociedades de propósitos específicos, denominados SPE’s.
O fato em si de apenas se tratar de créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra não está sendo o suficiente para impedir o bloqueio de ativos, principalmente se estiver se tratando de crédito de natureza alimentar, como os derivados da justiça do trabalho.
Decerto, enquanto o poder legislativo não cumpre efetivamente seu papel Constitucional evitando lacunas de interpretação e olvidando os princípios norteadores do direito, o poder judiciário vem se posicionando e julgando de diversas formas e sentido.
Com certeza, é preciso evitar que os devedores continuem a se socorrer da garantia da impenhorabilidade quando este, manifestamente, não opta pela utilização do patrimônio de afetação ou a criação de uma SPE, principalmente quando está se tratando de crédito de natureza alimentar.
Desta forma, diante de todos os argumentos apresentados durante este estudo, percebe-se que hoje, é possível relativizar a impenhorabilidade dos créditos da alienação de unidades imobiliárias sob regime de incorporação em face do respeito aos princípios norteadores da execução e da existência de mecanismos de proteção para proteção do crédito dos promitentes compradores.
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