Determina o artigo 86, § 3º, da Constituição de 1988:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
.........
§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Pois bem.
Impressionou ao mundo, a manifestação do presidente da República, em 7 de setembro do corrente ano.
Ali, em dois pronunciamentos, cometeu crime contra a honra de um ministro do STF (injúria) e crimes contra a segurança nacional.
A Carta que encaminhou à Nação, em 9 de setembro de 2021, é forma de retratação dos ataques que fez à honra do ministro do STF afrontado.
O presidente da República faltou com a devida compostura para o exercício do cargo. Não falou para a Nação. Ele falou para a sua claque.
Ademais ele incitou os seus correligionários contra o Poder Judiciário.
Cometeu crime contra a segurança nacional.
Cometeu o chefe do Poder Executivo delito que depõe contra o decoro do cargo.
Tem-se do artigo 6º da Lei 1.079/50:
São crimes de responsabilidade (…)
6 - usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício.
O presidente da República ultrapassou o limite do decoro. O presidente da República perdeu o lastro junto à institucionalidade.
Constitui crime de responsabilidade contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. De forma semelhante dispunha o Decreto nº 30, de 1892, ao preceituar, no artigo 48, que formava seu capitulo VI, ser crime de responsabilidade contra a probidade da administração “comprometer a honra e a dignidade do cargo por incontinência política e escandalosa, ......, ou portando-se com inaptidão notória ou desídia habitual no desempenho de suas funções”.
Como disse ainda Paulo Brossard(obra citada, pág. 56), “não é preciso grande esforço exegético para verificar que, na amplitude da norma legal – “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” – cujos confins são entregues à discrição da maioria absoluta da Câmara e de dois terços do Senado, cabem todas as faltas possíveis, ainda que não tenham, nem remotamente, feição criminal.
Mas, na feliz conclusão de Vera Magalhães, em opinião pelo jornal O Globo, “a abertura imediata de um processo de impeachment seria a resposta do Congresso, mas ainda não se pode esperar isso de Arthur Lira, que é cúmplice deste governo.”
A democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, sensatez.
Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição e espera de uma forma muito especial dos juízes brasileiros para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.
O que o presidente da República quer é “dar um golpe”.
Entre os novos crimes tipificados no novo regime legal para o tema está o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”. Nesse caso, a pena é de prisão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência empregada. Já o crime de golpe de estado propriamente dito — “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” — gera prisão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.
Tem-se então:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um poderes da República, para o caso o Judiciário.
A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.
O crime é de perigo presumido.
Ocorre que essa previsão legal está sob o regime de vacatio legis.
O atual presidente da República incitou contra a paz pública, pregando contra o Judiciário.
Merecem ser estudadas as ocorrências na conduta, em redes sociais, de incitar (instigar, provocar, excitar), publicamente, a prática de crime. A publicidade da ação é um pressuposto de fato indispensável. Dela resulta a gravidade dessa conduta que, de outra forma, seria apenas um ato preparatório impunível. Pública é a incitação quando é feita em condições de ser percebida por um número indeterminado de pessoas, sendo indiferente que se dirija a uma pessoa determinada. A publicidade implica na presença de várias pessoas ou no emprego de meio que seja efetivamente capaz de levar o fato a um número indeterminado de pessoas (rádio, televisão, cartazes, alto-falantes, a internet). A publicidade é a nota nesse ilícito que surge pela indeterminação nos destinatários.
Exige-se a seriedade na incitação, que deve resultar das palavras e dos gestos empregados.
Como bem assevera Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, volume II, 5ª edição, pág. 274), a tutela penal exerce-se com relação a paz pública, pois a instigação à prática de qualquer crime traz consigo uma ofensa ao sentimento de segurança na ordem jurídica e na tutela do direito, independentemente do fato a que se refere a instigação e as consequências que possam advir. No direito comparado, aliás, há o exemplo do Código Penal alemão (§ 111) que classifica este delito entre as infrações que constituem resistência ao poder público, de tal sorte a considerar como bem jurídico tutelado o poder público.
O crime de incitação, crime contra a paz pública, pode ser praticado por qualquer meio idôneo de transmissão de pensamento (palavra, escrito ou gesto). Não basta uma palavra isolada ou uma frase destacada de um discurso ou de um escrito. A incitação deve referir-se a prática de um crime (fato previsto pela lei penal vigente como crime) e não mera contravenção. Deve a incitação se referir a um fato delituoso determinado, exigindo o dolo genérico, sendo crime formal que se consuma com a incitação pública, desde que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas, independentemente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação.
Há, é certo, que se cogitar a antiga Lei de Segurança Nacional que está a se expirar em face do princípio da especialidade, observando-se o artigo 23, I.
Dita a LSN de 1983:
Art. 23. - Incitar:
I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
III - à luta com violência entre as classes sociais;
IV - a prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Aplica-se, para o caso, o artigo 18 da antiga Lei de Segurança Nacional de 1983.
Ali se diz:
Art. 18. - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Caberia falar em prisão do presidente da República por essa censurável conduta?
Uadi Lammêgo Bulos (Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 923), comentando ao possibilidade de prisão do presidente da República disse:
“Esse dispositivo proíbe a decretação da prisão preventiva do presidente da República, mas apenas em relação aos delitos comuns, até porque os crimes de responsabilidade não ocasionam privação da liberdade.”
Ocorre, entretanto, que, além de não poder ser julgado por “atos estranhos às suas funções”, o presidente também possui a imunidade formal. Ela garante que, enquanto não houver uma sentença condenatória (ou seja, enquanto não for condenado definitivamente), o presidente não poderá ser preso, sob nenhuma hipótese. Não caberia, a teor da Constituição, qualquer espécie de prisão provisória(prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária).
O Presidente da República só poderá ser preso desde que a sentença penal que o condene já tenha transitado em julgado. Fora isso, não cabe contra o mesmo sequer prisão cautelar.