Interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que indefere a inversão do ônus da prova nas relações de consumo.

Breves considerações

12/09/2021 às 15:31
Leia nesta página:

A inversão do ônus da prova é um meio de prevenção e reparação de danos ao consumidor, ensejando a interposição de agravo de instrumento.

Com a publicação do “Novo” Código de Processo Civil (em vigor desde 16 de março de 2015), as regras de interposição e conhecimento do Recurso de Agravo de Instrumento foram significativamente alteradas, optando o legislador, em pretensão de uma sonhada celeridade (art. 4º, CPC1), por enumerar, taxativamente, as hipóteses de cabimento da medida.

Esta opção, ao contrário do que se pretendeu, criou uma enorme divisão por parte doutrina especializada no que diz respeito ao procedimento previsto no Código de Processo Civil, e, principalmente – e este será o foco do presente artigo, alterou substancialmente o entendimento jurisprudencial acerca da questão.

Na tentativa de dirimir a controvérsia que deu origem às discussões sobre o tema, no dia 05 de dezembro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento dos REsps nº 1.696.396 e 1.704.520, pôs fim definitivo na denominada “taxatividade” do artigo 1.015 do CPC, de modo que consolidou-se a posição anterior, acerca da mitigação dessa taxatividade, quando os temas a serem submetidos ao agravo não puderem aguardar o apelo, sob pena de inutilidade do mesmo.

No entanto, a questão continua sendo objeto de divergência nos mais variados Tribunais do País, que, através de jurisprudência defensiva, reiteradas vezes denegam seguimento ao recurso sob o fundamento (muitas das vezes inadequado) da suposta taxatividade do artigo 1.015 do CPC2.

No que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor (foco deste artigo), observa-se, ainda, uma grande oposição, por parte da citada jurisprudência, de que a regra de distribuição prevista no art. 373, §1º do CPC3 guarda umbilical relação com a hipótese do art. 6º, VII do CDC4 (inversão ope legis), o que, consequentemente, atrairia a aplicação do art. 1.015, XI do CPC (cabimento decorrente de decisão que indefere a redistribuição do ônus da prova).

Como já citado, por se tratar de uma regra de procedimento, a inversão prevista no art. 6º, VII do CDC não poderia ser postergada para análise em Sentença, o que afastaria, por si só, qualquer argumentação no sentido de que a matéria seria recorrível em preliminar de Apelação (art. 1.009, §1º, CPC5).

Sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça, através de Decisão Monocrática6 do Ilustre Ministro Salomão, assim indicou: “esta Corte Superior tem entendido que é cabível o agravo de instrumento tanto nas hipóteses de distribuição judicial do ônus da prova, como nas situações em que haja a inversão autorizada pelo legislador (art. 6º, VIII, do CDC, combinado com art. 373, § 1º, primeira parte, do CPC/2015), ou ainda com base na cláusula aberta de distribuição dinâmica do art. 373, § 1º, segunda parte, do CPC/2015, tratando-se de regras de instrução com as quais o julgador deve se preocupar na fase instrutória”.

No mesmo sentido a posição adotada pela Ilustre Ministra Nancy Andrighi7: “O art. 373, §1º, do CPC/15, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar à regra geral, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. 7- Embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido. 8- Nesse cenário, é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do CPC/15, pois somente assim haverá a oportunidade de a parte que recebe o ônus da prova no curso do processo dele se desvencilhar, seja pela possibilidade de provar, seja ainda para demonstrar que não pode ou que não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica reversa ou de prova duplamente diabólica.”

Portanto, considerando-se o entendimento da Corte de Precedentes – que admite a utilização do recurso para o caso indicado, não se poderia admitir a permanência de decisões defensivas que denegam seguimento ao Recurso de Agravo de instrumento interposto contra decisões que indeferem a redistribuição do ônus da prova nos casos abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor (decisão interlocutória de saneamento processual), porquanto sua postergação para debate em sede de recurso de Apelação, na maioria dos casos, ensejam graves prejuízos à parte vulnerável (em alguns casos hipossuficiente) da relação.


Notas

1 Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

2 Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º

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3 Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

4 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

5 Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

6 (STJ. Decisão monocrática 1827689. Processo nº 2019/0213084-1;. Relator (a): Luis Felipe Salomão; Data do julgamento: 03/03/2020. Data de publicação: 03/03/2020).

7 REsp 1.729.110/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019

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Sobre o autor
Taker Matheus Felix Igarashi

Advogado e sócio do Escritório Severo Advogados Associados, pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e especialista em Direito de Consumo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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