A Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte) define regras gerais sobre o tratamento diferenciado das microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Dentre outros aspectos, a referida Lei Complementar trata do regime único de arrecadação de tributos, do cadastro nacional único de contribuintes, do cumprimento facilitado de obrigações trabalhistas e previdenciárias, do acesso favorável ao crédito e ao mercado, de preferências na aquisição de bens e serviços, de vantagens associativas e de medidas de inclusão.
Desde o início da sua vigência, a Lei Complementar nº 123/2006 foi alterada diversas vezes. Recentemente foi modificada pela Lei Complementar nº 167/2019, que tratou da Empresa Simples de Crédito e do Inova Simples. Também houve modificações promovidas pela Lei Complementar nº 168/2019, sobre a Sociedade de Garantia Solidária e da Sociedade de Contragarantia, e pela Lei Complementar nº 182/2021, que instituiu o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador.
A respeito do primeiro tema, vale notar que a Empresa Simples de Crédito (ESC) está regulada, basicamente, na Lei Complementar nº 167/2019, com aplicação de outras regras da legislação.
Assim como ocorre com as Microempresas (ME), com as Empresas de Pequeno Porte (EPP) e com os Microempreendedores Individuais (MEI), a Empresa Simples de Crédito (ESC) não é uma nova espécie de empresário.
A Empresa Simples de Crédito (ESC) nada mais é do que um empresário individual, uma empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli), ou uma sociedade limitada (constituída apenas por pessoas naturais)[1], cujas atividades consistem exclusivamente na realização de operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito.
Para se enquadrar no conceito de ESC, as operações devem ser efetuadas exclusivamente com recursos próprios e ter como contratantes apenas microempresas, empresas de pequeno porte ou microempreendedores individuais[2].
Pelo disposto no art. 5º, § 3º, da LC nº 167/20019, a validade desses negócios jurídicos dependerá do registro em entidade legitimada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do art. 28 da Lei nº 12.810/2013[3]. O Banco Central poderá empregar mecanismos para controle dessas formalidades[4]. Anote-se que as Empresas Simples de Crédito, assim como arrendadoras e as faturizadoras, estão sujeitas aos mecanismos de controle da Lei nº 9.6013/1998 (Lavagem de dinheiro).[5]
De todo modo, a aludida exigência não dispensa a Empresa Simples de Crédito de manter a regularidade da sua escrituração contábil[6] e providenciar a anotação, em bancos de dados, de informações de adimplemento e de inadimplemento de seus clientes, na forma da legislação em vigor.[7]
E como as Empresas Simples de Crédito serão remuneradas?
Os lucros da Empresa Simples de Crédito serão obtidos por meio de juros remuneratórios, vedada a cobrança de quaisquer outros encargos, mesmo sob a forma de tarifa.
Para controle dessas disposições, de acordo com a Lei, todas as movimentações financeiras devem ser feitas exclusivamente mediante débito e crédito em contas de depósito de titularidade da Empresa Simples de Crédito e da parte contrária.
Em todo caso, a Empresa Simples de Crédito poderá impor os mesmos juros aplicados pelas Instituições Financeiras. São inaplicáveis, nesse caso, as limitações de cobrança previstas no Decreto nº 22.626/1933 (Lei da Usura), e no art. 591 do Código Civil.[8]
Apesar de não ser instituição financeira no sentido estrito, a Empresa Simples de Crédito também poderá se valer do instituto da alienação fiduciária em suas operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito.[9]
Conforme indicado no art. art. 3º da Lei Complementar, a Empresa Simples de Crédito está terminantemente proibida de realizar qualquer captação de recursos, em nome próprio ou de terceiros, sob pena de incorrer nas penas do tipo penal do art. 16 da Lei nº 7.492/1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional)[10]. Da mesma forma, a Empresa Simples de Crédito está proibida de realizar operações de crédito, na qualidade de credora, com entidades integrantes da administração pública direta, indireta e fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Quanto à identificação, o nome do empresário deverá acrescido da expressão “Empresa Simples de Crédito”[11], sendo vedada qualquer menção ao exercício de atividade bancária[12].
No que diz respeito à constituição, a integralização do capital social da Empresa Simples de crédito deve ser feita necessariamente em moeda corrente[13]. Logo, ao contrário do que se passa com os demais empresários (e.g. Sociedade Limitada e Eireli), não será possível a integralização do capital social com bens ou créditos. Acrescente-se que o valor de todas as operações da Empresa Simples de Crédito não poderá superar o montante do seu capital social devidamente integralizado[14].
Para evitar abusos o legislador previu, ainda, que, mesmo em Municípios diversos, a mesma pessoa natural não poderá participar de mais de uma Empresa Simples de Crédito.[15]
Lembre-se também que a receita bruta anual da Empresa Simples de Crédito não poderá exceder o limite de receita bruta para Empresa de Pequeno Porte (EPP) definido na Lei Complementar nº 123/2006.[16]
Por fim, nos termos do art. 7º da LC 167/2019, a Empresa Simples de Crédito está sujeita aos regimes falimentar e recuperacional, da lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Empresarial e Falência)[17].
Em síntese, a Empresa Simples de Crédito (ESC): i) deve ser um empresário individual, uma empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli) ou uma sociedade limitada, formada apenas por pessoas naturais. Uma mesma pessoa natural não poderá participar de mais de uma Empresa Simples de Crédito, mesmo em Municípios distintos; ii) deve se dedicar, exclusivamente, a operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito; iii) deve empregar apenas recursos próprios; iv) suas operações devem ser realizadas apenas com microempresas, empresas de pequeno porte ou microempreendedores individuais; v) o registro das operações é condição indispensável à validade dos negócios jurídicos; vi) não pode integralizar o capital social com bens ou créditos, apenas com dinheiro; vii) o valor das operações não pode superar o montante do capital social integralizado; viii) a receita bruta anual não poderá exceder o limite de receita bruta para Empresa de Pequeno Porte (EPP).
[1] Art. 2º A ESC deve adotar a forma de empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli), empresário individual ou sociedade limitada constituída exclusivamente por pessoas naturais e terá por objeto social exclusivo as atividades enumeradas no art. 1º desta Lei Complementar.
[2] LC nº 167/2019. Art. 1o A Empresa Simples de Crédito (ESC), de âmbito municipal ou distrital, com atuação exclusivamente no Município de sua sede e em Municípios limítrofes, ou, quando for o caso, no Distrito Federal e em Municípios limítrofes, destina-se à realização de operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito, exclusivamente com recursos próprios, tendo como contrapartes microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos da Lei Complementar nº 123/2006. O descumprimento dessas regras constitui crime com pena de reclusão de um a quatro anos, e multa, nos termos do art. 9º.
[3] Art. 28. Compete ainda ao Banco Central do Brasil e à Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito das respectivas competências: I - autorizar e supervisionar o exercício da atividade de registro de ativos financeiros e de valores mobiliários; e II - estabelecer as condições para o exercício da atividade prevista no inciso I. Parágrafo único. O registro de ativos financeiros e de valores mobiliários compreende o armazenamento e a publicidade de informações referentes a transações financeiras, ressalvados os sigilos legais. (Redação dada pela Lei nº 13.986/2020).
[4] LC nº 167/2019. Art. 6º É facultado ao Banco Central do Brasil, não constituindo violação ao dever de sigilo, o acesso às informações decorrentes do registro de que trata o § 3º do art. 5º desta Lei Complementar, para fins estatísticos e de controle macroprudencial do risco de crédito.
[5] A Lei nº 9.613/1998 dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; versa sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos que prevê; e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Art. 9ºSujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing), as empresas de fomento comercial (factoring) e as Empresas Simples de Crédito (ESC); (Redação dada pela Lei Complementar nº 167, de 2019); VI - as sociedades que, mediante sorteio, método assemelhado, exploração de loterias, inclusive de apostas de quota fixa, ou outras sistemáticas de captação de apostas com pagamento de prêmios, realizem distribuição de dinheiro, de bens móveis, de bens imóveis e de outras mercadorias ou serviços, bem como concedam descontos na sua aquisição ou contratação; (Redação dada pela Lei nº 14.183, de 2021)
[6] Art. 8º A ESC deverá manter escrituração com observância das leis comerciais e fiscais e transmitir a Escrituração Contábil Digital (ECD) por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped).
[7] LC nº 167/2019. Art. 5º, §2º.
[8] Art. 5º, §4º da LC nº 167/2019. Confira os seguintes artigos do Código Civil: Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
[9] Confira, na íntegra, o art. 5º da LC nº 167/2019.
[10] Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
[11] Art. 2º, § 1º O nome empresarial de que trata o caput deste artigo conterá a expressão “Empresa Simples de Crédito”, e não poderá constar dele, ou de qualquer texto de divulgação de suas atividades, a expressão “banco” ou outra expressão identificadora de instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
[12] De acordo com Arnoldo Wald, “contratos bancários é a denominação que se dá a um grupo de contratos em que uma das partes é um banco ou uma instituição financeira. São contratos de entidades que neles se especializaram. Na prática e de acordo com a lei, só as instituições bancárias e as assemelhadas é que realizam habitualmente tais contratos com seus clientes. ” WALD, Arnoldo. Direito Civil: contratos em espécie. v. 3. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 340.
[13] Art. 2º, § 2º O capital inicial da ESC e os posteriores aumentos de capital deverão ser realizados integralmente em moeda corrente.
[14] Art. 2º, § 3º O valor total das operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito da ESC não poderá ser superior ao capital realizado. O descumprimento dessas regras constitui crime com pena de reclusão de um a quatro anos, e multa, nos termos do art. 9º.
[15] Art. 2º, § 4º A mesma pessoa natural não poderá participar de mais de uma ESC, ainda que localizadas em Municípios distintos ou sob a forma de filial.
[16] Art. 4º A receita bruta anual da ESC não poderá exceder o limite de receita bruta para Empresa de Pequeno Porte (EPP) definido na Lei Complementar nº 123/2006. Parágrafo único. Considera-se receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, a remuneração auferida pela ESC com a cobrança de juros, inclusive quando cobertos pela venda do valor do bem objeto de alienação fiduciária.
[17] Art. 7º As ESCs estão sujeitas aos regimes de recuperação judicial e extrajudicial e ao regime falimentar regulados Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Empresarial e Falência.