Honorários Advocatícios e o Novo Código Civil
O advento da Lei 10.406/02 provocou inúmeras inovações na ordem jurídica pátria. A chegada de um novo Código Civil repleto de novidades, algumas alvissareiras, outras decepcionantes, provocou inúmeros debates na sociedade civil e, por conseqüência, nos ambientes freqüentados pelos operadores e estudiosos do direito.
Em função de toda a celeuma provocada pela entrada em vigor do novo diploma, algumas mudanças importantes acabaram relegadas a um plano secundário, apenas agora sendo observadas e estudadas de modo a operacionalizar suas aplicações e implicações. No que concerne aos honorários advocatícios, em especial aos honorários convencionais, aconteceu exatamente isto.
Convém destacar os dispositivos que, versando acerca do inadimplemento contratual e do conceito de "perdas e danos", trouxeram inovações significativas para a temática em evidência:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
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Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Inova o Código Civil em vigor, em comparação com o diploma anterior, ao inserir dentro do conceito de perdas e danos o necessário ressarcimento pelos gastos com a contratação de profissional da advocacia. Em verdade, reforça o Código Civil a necessidade de se ressarcir o credor, pelos prejuízos causados pela desídia, e conseqüente inadimplemento da obrigação, por parte do devedor.
Pagar perdas e danos, afinal de contas, significa isso: indenizar aquele que experimentou um prejuízo, uma lesão em seu patrimônio material ou moral, por força do comportamento ilícito do transgressor da norma. [11]
Vale dizer, não se confunde o disposto na Lei 10.406/02 com os honorários decorrentes da mera sucumbência. Em primeiro lugar, trata o novo diploma de ressarcimento pelos honorários contratuais pactuados em virtude da necessidade do credor de buscar a reparação pelo inadimplemento do devedor. Já os honorários de sucumbência, conforme já demonstrado, têm natureza processual e decorrem da aplicação do princípio insculpido no artigo 20 do CPC. Assim, mesmo que não ocorra a provocação do estado-juiz, havendo a necessidade de contratação de profissional da advocacia, será devida a reparação prevista na lei civil ante sua natureza material e independente da seara processualística.
Os honorários advocatícios, por sua vez, passam a ser devidos pelo devedor mesmo que o credor não ajuíze ação judicial contra o devedor. Basta, assim, comprovar que realizou despesas com advogado, com objetivo de cobrar seu crédito, para poder exigir a reparação integral, a teor do que dispõe o art. 388 do novo Código Civil. [12]
Assim, pode-se dizer que o novo Código Civil, finalmente, veio a consagrar a necessidade de reparação plena do credor face ao descumprimento da obrigação por parte do devedor. Sem a reparação pelos gastos despendidos com a busca de mecanismos eficazes de cobrança e ressarcimento (dentre eles a contratação de advogado), o credor nunca conseguiria obter reparação integral (e justa) pelos danos, constrangimentos e contratempos causados pelo devedor.
Poder-se-iam surgir dúvidas acerca da aplicação destes dispositivos na Justiça do Trabalho. Todavia, como não se estar a falar em honorários de sucumbência (estes sim, objeto de grandes discussões no âmbito da Justiça do Trabalho em virtude das Súmulas 219 e 329 do TST), mas de honorários convencionais, inscritos dentro conceito de perdas e danos por força de inovação legislativa, qualquer tentativa de afastar a aplicação destes na Justiça do Trabalho, pode ser taxada de ofensiva aos direito do jurisdicionado ali atendido.
[...]É bem possível que se venha a dizer que este dispositivo não se aplica ao direito do trabalho, mas este entendimento simplório e equivocado, "data vênia", somente servirá para criar uma situação incoerente e esdrúxula no ordenamento jurídico, visto como um todo. Afinal, não se pode esquecer que o direito do trabalho, embora ramo específico do conhecimento jurídico, integra-se a um ordenamento, que, no todo, regula o conjunto das relações jurídicas que se perfazem na sociedade. A incoerência que se criaria com tal entendimento, consiste em que no ordenamento jurídico, aplicado como um todo, extrairiam-se duas conclusões contraditórias: a primeira, já consagrada, no sentido de que o crédito trabalhista é um crédito privilegiado, tendo preferência sobre qualquer outro; a segunda, de que o inadimplemento de uma obrigação de pagar um crédito quirografário imporia ao devedor juros, correção monetária e honorários advocatícios, enquanto que o inadimplemento de dívida trabalhista resultaria ao inadimplente uma obrigação adicional restrita a juros e correção monetária. Desse modo, um trabalhador que não recebesse seus direitos não teria direito às perdas e danos de forma integral, mas se por conta de não ter recebido seus direitos descumprisse alguma obrigação de natureza civil, arcaria com as perdas e danos, integralmente. Evidente que esta "lógica" não pode ser construída dentro de um sistema que se pretende, se não justo, pelo menos coerente. [13] [grifo nosso]
Como a diferenciação entre os honorários convencionais e os decorrentes da mera sucumbência é ainda melhor percebida no judiciário trabalhista, tendo em evidência que, por inúmeras vezes, o profissional da advocacia só pode contar com os primeiros, não há como afastar a aplicação do disposto no novo Código Civil, sob pena de se onerar ainda mais o trabalhador na busca democrática pela proteção do estado-juiz.
Assim, tendo em vista que a relação de emprego por mais específica e peculiar, não perde sua natureza contratual, há que ser aplicado o disposto na lei 10.406/02, no tocante ao ressarcimento, por parte do devedor, pelos gastos oriundos do inadimplemento da obrigação, inclusive no que concerne aos honorários advocatícios inscritos no conceito de perdas e danos formulado no artigo 404 do diploma supracitado. A inobservância de tal entendimento resultaria no prejuízo institucionalizado de toda a classe trabalhadora e na gênese de uma anomalia que colocaria créditos quirografários em situação mais favorável do que os créditos trabalhistas, privilegiados por força de lei e, em sua maior parte, de natureza alimentar.
Notas
01
RAMOS, Gisela Gondin. Estatuto da Advocacia: Comentários e Jurisprudência Selecionada. 4. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 426.02
CAHALI, Yussef Said. Honorários Advocatícios. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 30.03
ONÓFRIO, Fernando Jacques. Op. cit. p. 32.04
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 146.318-0 SP. Relator: Ministro Carlos Velloso. D.J. 04.04.1997.05
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 1392/SP. Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. D.J. 08.05.1995.06
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1994. p. 96.07
Idem. 1994. p. 9608
RAMOS, Gisela Gondin. Op. cit. p. 427.09
CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 38.10
ONÓFRIO, Fernando Jacques. Op. cit. p. 124.11
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 309.12
MEIRELES. Edilton. O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2005. p. 93.13
MAIOR, Jorge Luiz Souto, (2003). Honorários Advocatícios no Processo do Trabalho: Uma Reviravolta Imposta Também pelo Novo Código Civil. Disponível em http:://www.acat.adv.br/index.jsp?conteudo=141. Acesso em 13. ago. 2005.