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As ilegalidades que pairam sobre os casos de fechamento de estradas e rodovias por grupos ou movimentos representativos:

configurações e medidas

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13/01/2007 às 00:00
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DO PROCEDIMENTO A SE ADOTAR PARA PUNIÇÃO DOS TRANSGRESSORES

          É impressionante como há, além da precariedade da estrutura estatal para a correta aplicação da lei nos casos elencados, falta de vontade de agir por parte de determinados ‘setores’, que sequer se valem dos meios então disponíveis.

          Se é certo que a esgarçada máquina estatal não consegue muitas vezes fazer valer seu poder ante a falta de condições materiais e humanas (falta de viaturas, policiais, acesso precário, etc), também é certo que há uma dose de falta de atitude e empenho por parte de determinados aplicadores da lei.

          Uma delas é a falta de orientação às forças policiais para o devido enquadramento legal das condutas constatadas, havendo freqüentemente falta de entendimento da configuração dos delitos já apontados, por ausência de capacitação específica.

          Outra questão que corrobora com a crescente onda desses tumultos, é a inaceitável "postura observadora" com que muitas vezes atuam, não enfrentando a situação, simplesmente "assistindo a ocorrência dos crimes."

          Há de se afastar essa estória de que o fechamento de estradas e rodovias é aceitável.

          Verificando a ocorrência dos crimes apresentados, há de se fazer valer o poder de polícia estatal, prendendo os transgressores e fazendo restaurar a normalidade, nem que para isso tenha que haver confronto direto com os criminosos.

          Se há ocorrência de flagrante delito, não é preciso ser expert em legislação processual penal para saber que há possibilidade/dever de prisão em flagrante (dever de agir, para a polícia, nos termos do Código de Processo Penal), bem como condução coercitiva para os que se negarem (nos delitos de menor potencial ofensivo) a acompanharem os policiais até a Delegacia de Polícia (por patente entrada em flagrante do crime de desobediência).

          A prisão e autuação dos transgressores não deve ser apenas dos seus chamados mentores e, sim, a todos os envolvidos.

          Dispõe o Código Penal, art. 29:

          "Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade."

          Assim, todos que de certa forma colaboram, sejam fisicamente ou através de suas maquinações intelectivas, deverão responder pelos ilícitos acima expostos.

          A diferença é que aos líderes e coordenadores haverá a incidência da agravante do art. 62. [11]

          Nesse aspecto, deve-se fazer um parêntese para dizer que é comum haver "ordem" ou "determinação" de determinado "líder" ou "presidente" em determinados fechamentos, inclusive com orientação dos meios a serem tomados. Nesse aspecto, ainda que o fechamento ocorra em Mato Grosso do Sul, Pernambuco, São Paulo, ou qualquer outro lugar, e o denominado líder se encontrar no Rio Grande do Sul, Distrito Federal, etc, deverá sim ser responsabilizado pela condutas criminosas exteriorizadas, uma vez verificado o liame do delito e sua atuação.

          Outra questão que deve ser vista é a omissão de repressão por falta de ação de comando das forças policiais, muitas vezes em situação de ‘pressão política’ e, assim, levados a atitudes morosas e expectadora.

          Nesse ponto, deve-se chegar a um basta a aceitação desse estado de coisas, havendo de se responsabilizar todos os omissos.

          O Código Penal, em seu art. 319, regra:

          Prevaricação.

          "Art. 319. Retardar ou deixar de praticar indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

          Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa."

          Nos casos de determinação judicial, caso não haja pronto atendimento para desobstrução das vias públicas e prisão dos transgressores, esses agentes públicos devem ser também responsabilizados:

          Desobediência

          "Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

          Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa."

          Há casos absurdos de não cumprimento de determinações judiciais, em que simplesmente se alega que não teria ocorrido autorização da Secretaria de Segurança Pública.

          Ora, onde está regrado no ordenamento jurídico pátrio que a Secretaria de Segurança Pública é quem decide sobre o cumprimento de uma decisão judicial? E mais, como poderia uma pasta administrativa deter o poder de, acima da Constituição Federal e lei federal, estabelecer quando haveria ou não prisão em flagrante?

          Nesses casos, sabendo os agentes públicos que tais ingerências são ilegais, também estão a cometer os crimes de prevaricação ou desobediência, não se podendo aceitar tamanha violação dos mecanismos legais que regem a vida em sociedade, nos moldes traçados pela Constituição Federal.

          Certamente, na responsabilização dos omissos, surgiram os autores das ‘determinações políticas’ de descumprimento das ordens judiciais ou das omissões frente aos delitos evidenciados. Nesse ponto, além de também terem de ser enquadrados nas figuras criminais apresentadas acima, por também certamente estarem ligadas a vida pública, poderão eventualmente ser responsabilizados nos termos da Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) [12], Lei n.º 1.079/50 (Crimes de Responsabilidade) e regramentos administrativos específicos, dependendo de sua colocação (cargos, funções, etc) na estrutura administrativa do Estado.

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CONCLUSÃO

          A liberdade de pensamento garantida pela Constituição Federal (art. 5º, IV) não ampara práticas ilícitas e que atentam sobremaneira contra as demais liberdades (CF, art. 5º, II) e ao direito de ir e vir (CF, art. 5º, XIV) das pessoas, muitas vezes com compromissos e saúde prejudicados por abusos como assim o são os fechamentos de estradas e rodovias por determinados grupos.

          O Estado Democrático de Direito não pode ser conspurcado por determinados grupos ou segmentos da sociedade, devendo os cidadãos e o Estado tomarem medidas fortes e efetivas na busca da manutenção da ordem jurídica, utilizando-se, se preciso, dos mecanismos legais de coerção e imposição das leis.

          Deve haver maior observância das normas civis e figuras penais existentes que, conforme demonstrado, não são poucas e devem ser aplicadas.

          A responsabilização deve recair sobre todos os envolvidos, ou seja, sobre todos os transgressores que obstruem diretamente as vias públicas de acesso, bem como seus mentores e organizadores.

          Por fim, deve haver também responsabilização dos agentes públicos omissos que, ao não agir, estão a permitir a violação de direitos de muitos cidadãos -cerceados em sua locomoção, além fomentar o crescente sentimento de impunidade que ora paira, pondo em risco toda a estrutura de ordem estatal e de vida em sociedade que hoje se concebe.


NOTAS

  1. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas. 2002, p. 254.
  2. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
  3. Direito administrativo moderno. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003, p. 260.
  4. Ob.cit., p. 263.
  5. Código civil interpretado. Vol. I – Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 201.
  6. Direito administrativo brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros. 2000, p. 475.
  7. BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 5. ed. Brasília: OAB, 2004, p. 488.
  8. A circulação como interesse difuso passível de tutela pelo Ministério Público. Caderno de Teses do III Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo. Ago/2005. Tese n.º 86, p. 234.
  9. Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.
  10. TACrimSP – Atentado contra a segurança de outro meio de transporte. Agente que atira bolas de gude contra o pára-brisa de coletivo, impedindo-o de prestar serviço público. Caracterização. (TACrimSP – RJDTACRIM 23/86).
  11. Código Penal, art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II – coage ou induz outrem à execução material do crime; III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
  12. Por exemplo, art. 11, caput (constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições), inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência) e II (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício).
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Sobre o autor
Fernando Martins Zaupa

Promotor de Justiça Especialista em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAUPA, Fernando Martins. As ilegalidades que pairam sobre os casos de fechamento de estradas e rodovias por grupos ou movimentos representativos:: configurações e medidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1291, 13 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9388. Acesso em: 6 mai. 2024.

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