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Análise jurídica da poluição sonora

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15/01/2007 às 00:00
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7. Competência administrativa e poluição sonora

A competência administrativa ou competência material cabe ao Poder Executivo e diz respeito à faculdade para atuar com base no poder de polícia.

Em relação à proteção do meio ambiente a competência administrativa é comum à União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios, porque é atribuída indistinta e cumulativamente a todos os entes federados nos moldes dos incisos III, IV, VI, VII, IX e XI do art. 23 da Constituição Federal.

Antônio Inagê de Assis Oliveira [22] destaca que todos os entes federativos estão incubidos genericamente da obrigação de defender o meio ambiente, posto que a competência fiscalizatória em relação ao cumprimento da legislação ambiental está distribuída entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Celso Antônio Pachêco Fiorillo [23] destaca que a defesa do meio ambiente está relacionada à competência administrativa comum.

No que diz respeito especificamente ao tema deste trabalho a competência administrativa é a atribuição que o Poder Executivo tem para proteger o meio ambiente sonoro e a qualidade de vida da coletividade.

Sendo assim, e evidente que a competência administrativa para tratar da poluição sonora também é comum, já que é uma decorrência da competência para proteger o meio ambiente estabelecida pela Carta Magna de 1988:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

(...)

O embasamento da competência administrativa comum em matéria ambiental também decorre do caput do art. 225 da Constituição Federal, que determina o seguinte:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Tais dispositivos não permitem que nenhum ente federativo se exima de suas responsabilidades em relação à proteção do meio ambiente, o que inclui necessariamente o combate à poluição sonora.

8. Competência legislativa e poluição sonora

A competência legislativa cabe ao Poder Legislativo e diz respeito à faculdade para legislar a respeito dos temas de interesse da coletividade.

A competência legislativa é a atribuição que o Poder Legislativo tem para legislar a respeito de temas ligados à poluição sonora.

O que predomina em relação à competência legislativa em matéria ambiental é a competência concorrente entre a União e os Estados e o Distrito Federal, cabendo à União a competência para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao Distrito Federal a competência para suplementar as normas gerais editadas pela União:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

(...)

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

(...)

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

(...)

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Somente no caso de vácuo legislativo por parte da União é que os Estados e o Distrito Federal podem editar as normas gerais a respeito da poluição sonora como também de toda a temática ambiental.

Os Municípios podem legislar sobre os temas ambientais de interesse predominantemente local, desde que respeitando as normas gerais que tiverem sido editadas pela União ou pelo Estado:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

É preciso destacar que dificilmente a poluição sonora não poderia ser um assunto de interesse predominantemente local, já que em regra o impacto gerado pelas suas fontes é de pequeno porte e se restringe ao âmbito do Município.

A União possui competência para editar normas gerais e os Estados e do Distrito Federal possuem competência para suplementar as normas gerais editadas pela União, restando aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse predominantemente local de forma a se adequar à legislação federal e à legislação estadual.

Álvaro Luiz Valery Mirra [24] destaca que a expressão normas gerais adquire um sentido diferenciado com relação à matéria ambiental, visto que a proteção ao meio ambiente recomenda a elaboração de normas específicas e detalhadas, destinadas a regulamentar o assunto em âmbito nacional.

Consideram-se normas gerais aquelas que dizem respeito a interesses gerais não importando a minuciosidade a que possam chegar, tendo-se como norma geral inclusive a própria Constituição Federal quando no art. 225, § 4º dispõe diretamente sobre Floresta Amazônica Brasileira, a Serra do Mar, a Mata Atlântica, o Pantanal e a Zona Costeira.

Na prática, o Estado e o Distrito Federal não podem contrariar as normas gerais editadas pela União, da mesma forma que os Municípios devem se coadunar às normas gerais editadas pela União e pelos Estados no caso de omissão federal.

Toshio Mukai [25] destaca que em matéria ambiental a legislação municipal e a estadual não podem ir de encontro à lei federal, visto que a legislação municipal terá que observar as normas gerais válidas da União e dos Estados, e os Estados e o Distrito Federal terão de observar necessariamente as normas gerais editadas pela União.

Isso significa que embora o Município possa legislar a respeito da poluição sonora, não pode ele estabelecer padrões de qualidade mais permissivos do que aqueles determinados pela União ou pelo Estado, ainda que seja perfeitamente possível o estabelecimento de níveis mais rígidos.


9. Legislação e poluição sonora

A preocupação com a poluição sonora enquanto problema ambiental é recente, embora tenham existido alguns dispositivos que procuraram disciplinar a questão do ponto de vista do direito de vizinhança.

É o caso do decreto de 6 de maio de 1824, que vedava a produção de poluição sonora dentro da cidade estabelecendo multas de 8 mil réis e penas de dez dias de prisão ou de cinqüenta açoitada em se tratando de infrator escravo.

A Portaria nº 92/80 do Ministério do Interior é a primeira das normas gerais nacionais mais recentes que procurou disciplinar a questão:

I - A emissão de scns e ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda, obedecerá no interesse da saúde, da segurança e do sossego público, aos padrões, critérios diretrizes estabelecidos nesta Portaria.

II - Consideram-se prejudiciais à saúde, à segurança e ao sossego público para os fins do item anterior, os sons e ruídos que:

a) atinjam, no ambiente exterior do recinto em que têm origem, nível de som de mais de 10 (dez) decíbéis - dB (A), acima do ruído de fundo existente no loc sem tráfego;

b) independentemente do ruído de fundo, atinjam no ambiente exterior recinto em que tem origem, mais de 70 (setenta) decibéis - dB (A), durante o dia e 60 (sessenta) decibéis - dB (A) , durante a noite;

c ) alcancem, no interior do recinto em que são produzidos, níveis de som superiores aos considerados aceitáveis pela Norma NB-95, da Associaçao Brasileira de Normas Técnicas -ABNT, ou das que lhe sucederem.

A Resolução nº 001/90 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, ao adotar os padrões de qualidade determinados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, dispõe nos seus itens I e II:

I – A emissão de ruídos, em decorrência de qualquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política. Obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.

II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior as ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.151 - Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas -–ABNT.

Os índices permitidos de poluição sonora estão estabelecidos pela Norma Brasileira Regulamentar nº 10.151 segundo a zona e horário em questão.

Nas zonas hospitalares o limite é de 45 (Db) diurno e de 40 (Db) noturno, nas zonas residenciais urbanas o limite é de 55 (Db) diurno e 50 (Db) noturno, no centro da cidade o limite é de 65 (Db) diurno e 60 (Db) noturno e nas áreas predominantemente industriais o limite é de 70 (Db) diurno e 65 (Db) noturno.

É por não existir uma lei federal específica sobre poluição sonora que restou ao Conselho Nacional do Meio Ambiente a tarefa de estabelecer padrões mínimos de qualidade ambiental, que podem ser restringidos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.


10. Responsabilidade jurídica e poluição sonora

O § 3° do art. 225 da Constituição Federal de 1988 dispõe que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Disso se depreende que a responsabilidade jurídica em matéria ambiental ocorre de forma simultânea e independente nas esferas administrativa, cível e criminal.

A Lei n° 9.605/98 ratifica a tríplice responsabilidade em matéria ambiental ao determinar no caput do art. 3º, respectivamente, que "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade".

Sendo assim, aquele que produz poluição sonora deve ser a um só tempo responsabilizado no âmbito administrativo, civil e criminal.

De acordo com o art. 72 da Lei nº 9.605/98, "Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente".

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A poluição sonora constitui infração administrativa e por isso deve ser combatida com base no poder de polícia dos órgãos que fazem parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

As sanções administrativas aplicáveis à poluição sonora estão estabelecidas pelo art. 72 da Lei nº 9.605/98 e pelo art. 2º do Decreto Federal nº 3.179/99: advertência, multa simples, multa diária, apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, apetrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração, destruição ou inutilização do produto, suspensão de venda e fabricação do produto, embargo de obra ou atividade, demolição de obra, suspensão parcial ou total de atividades, restrição de direitos e reparação dos danos causados.

A poluição sonora pode ser questionada no âmbito civil tanto de forma individual quanto coletivamente, modalidade normalmente levada à frente pelo Ministério Público, podendo abarcar danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

É preciso destacar que com o advento da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, é que a responsabilidade objetiva foi amplamente adotada.

O § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81 dispõe que "Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente".

Já na esfera criminal é importante destacar que embora não exista um tipo penal específico, ao contrário do que previa o projeto original da Lei nº 9.605/98.

Mas o Decreto-lei nº 3.688/41 enquadrou a poluição sonora como contravenção penal quando estiver em jogo a tranqüilidade do indivíduo, tanto no que diz respeito ao seu trabalho quanto ao seu descanso:

Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda.

Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa.

De qualquer forma, a poluição sonora é criminalizada no art. 54, que determina pena de reclusão de um a quatro anos e multa, e de detenção de seis meses a um ano e multa se o crime for culposo, no caso de "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora".


11. Conclusões articuladas

11.1 A poluição sonora é uma perturbação no meio ambiente sonoro que pode causar danos à integridade do meio ambiente e à saúde dos seres humanos, caracterizando-se pelos gravíssimos efeitos que podem ser causados à qualidade de vida e à saúde dos seres humanos e pela dispersão e dificuldade de identificação das fontes.

11.2 Os efeitos da poluição sonora podem ser classificados em reações físicas e em reações emocionais ou psicológicas. As reações físicas são aumento da pressão sanguínea, aumento do ritmo cardíaco, interrupção do processo digestivo, problemas de ouvido-nariz-garganta, maior produção de adrenalina e de outros hormônios. No caso da poluição sonora mais prolongada existem ainda outros efeitos, como absenteísmo, incidência de úlcera, cefaléias, hipertensão, maior consumo de tranqüilizantes, náuseas e perturbações labirínticas. As reações emocionais ou psicológicas são ansiedade, desmotivação, desconforto, excitabilidade, falta de apetite, insônia, medo, perda da libido, tensão e tristeza.

11.3 A competência para combater a poluição sonora pertence simultaneamente a todos os entes federativos, já que a Constituição Federal estabelece que a competência administrativa em matéria ambiental é comum. Por isso é necessário que ocorra uma interação entre todas as esferas administrativas no sentido de coordenarem os esforços para cuidar do meio ambiente sonoro.

11.4 Cabe à União editar as normas gerais a respeito da poluição sonora restando aos Estados e ao Distrito Federal a competência para legislar supletivamente, e caso tais normas não existam os Estados e o Distrito Federal poderão editar as normas gerais. O Município possa legislar a respeito da poluição sonora, não pode ele estabelecer padrões de qualidade mais permissivos do que aqueles determinados pela União ou pelo Estado, ainda que seja perfeitamente possível o estabelecimento de níveis mais rígidos.

11.5 O responsável pela produção da poluição sonora pode e deve ser responsabilizado nos âmbitos administrativo, cível e criminal, já que de acordo com a Constituição Federal a responsabilização em matéria ambiental ocorre de forma simultânea e independente nas três esferas.

11.6 O meio ambiente sonoro diz respeito diretamente à qualidade de vida e à saúde do ser humano e por isso ele é protegido pelo art. 225 da Constituição Federal e por toda a legislação que de uma forma geral protege o meio ambiente.

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Sobre o autor
Talden Farias

advogado militante na Paraíba e em Pernambuco, mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especialista em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Paraíba (FACISA) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Talden. Análise jurídica da poluição sonora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1293, 15 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9390. Acesso em: 19 abr. 2024.

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