A quantidade de ações paralisadas à espera do julgamento de temas de demandas repetitivas impõe uma reflexão sobre o instituto de recursos repetitivos e o incidente de resolução de demandas repetitivas, consagrados pelo chamado Código Fux.
Os dispositivos do CPC que tratam do tema são, principalmente, os que seguem:
Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:
I - incidente de resolução de demandas repetitivas;
II - recursos especial e extraordinário repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.
Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:
I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;
II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
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Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
Sabe-se que a tutela jurisdicional é um remédio que em regra só produz efeitos depois de longo tempo de duração do processo.
Entretanto, essa infeliz tradição não pode servir de justificativa para a aceitação de mais um instrumento de paralisação processual.
O fato é que a suspensão do processo por admissão de incidente de resolução de demandas ou de recurso repetitivos vai de encontro ao que se espera da Justiça e, especialmente, ao inciso LXXVIII, do art. 5º, da CF, que diz:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Os institutos em questão se mostram como barreiras processuais aos “meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, não só em relação às decisões de mérito, mas também no que diz respeito às tutelas cautelares e satisfativas de urgência. A realidade tem mostrado que as medidas de urgência enfrentam muito mais resistência de implantação quando postuladas em processos paralisados que aguardam uma decisão uniformizadora por parte de um tribunal superior.
Para piorar o cenário, tem-se constatado na prática que o prazo limitador de suspensão dos processos, inicialmente previsto para ser de um ano, a partir da instauração do incidente, pelo art. 980 do CPC, acaba perdurando até o julgamento do recurso, prevalecendo, como regra, a exceção (“salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário”), também presente no mesmo dispositivo.
Suspender o enfrentamento do mérito até que um tribunal superior possa uniformizar a jurisprudência sobre um determinado tema, o que em regra costuma impor a espera de longos anos, ou até mesmo décadas, ofende a razoabilidade, porquanto é preferível oferecer ao paciente um remédio disponível, ainda que insuficientemente testado, a outro que precisa aguardar estudos mais aprofundados, mas sem prazo certo, uma vez que corre-se o risco deste último chegar apenas após a morte do enfermo.
Aliás, não é novidade que a suspensão de demandas promovida nas lides repetitivas aumentou sobremaneira o número de jurisdicionados que não sobrevivem à decisão de mérito e muito menos ao trânsito em julgado da sentença de seus processos.
Qual, então, a segurança jurídica proporcionada por tais institutos?
Necessário realçar que a pretensa segurança jurídica é tão somente um norte a ser buscado, jamais um ponto efetivamente alcançável, haja vista a fluidez da jurisprudência. O próprio legislador deixa isso claro ao prever a modificação de entendimento dos tribunais, no parágrafo quarto do artigo 927 do CPC, que assim estabelece:
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
A necessária segurança jurídica às decisões judiciais já se encontra contemplada pelo ordenamento jurídico, sem o desproporcional efeito colateral da morosidade acarretado pelos recursos repetitivos.
O direito pátrio já dispõe de mecanismos para enfrentar os naturais dissensos jurisprudenciais, sem a necessidade de paralisar demandas antes do trânsito em julgado. Assim se verifica com a inexigibilidade da “coisa julgada inconstitucional”, bem como com a ação rescisória, a qual talvez precise apenas ser aperfeiçoada pela possibilidade (legal ou judicial) de suspensão do prazo de interposição, quando a decisão rescindenda tiver contrariado um incidente admitido antes dela, mas ainda não decidido na data da sentença ou acórdão.
Por essas resumidas razões, necessário se faz que o Supremo seja provocado a enfrentar a inconstitucionalidade dos dispositivos do CPC que impõem a suspensão ou sobrestamento de processos em decorrência de recursos repetitivos ou do incidente de resolução de demandas repetitivas, a exemplo do artigo 12; do inciso IV, do artigo 313; do inciso III do artigo 1.030; parágrafo 5º do artigo 1.035; parágrafo 1º do artigo 1.036; e do inciso II do artigo 1.037, entre outros.