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A delinqüência e o direito penal

01/10/1999 às 00:00
Leia nesta página:

"Amaldiçoam as devastações que o rio traz com as cheias,
mas não se lembram das margens que o comprimem."


O indivíduo para viver em sociedade não desfruta de plena liberdade. As limitações impostas a cada um estão para atender ao bem estar do grupo. Dessa forma, cada ente do corpo social entrega parte de sua liberdade pretendendo que a coletividade coexista harmoniosamente. Essa "entrega" pretende que o indivíduo atinja, através do grupo, a felicidade, a conservação e a evolução.

Para tal, os homens contratam-se uns com os outros. Prometem respeitarem-se mutuamente e buscarem juntos o bem de ambos e de todos, pois contratam-se com todos. Como em um contrato sinalagmático, são iguais, são livres dentro dos limites do que contatam e têm obrigações recíprocas.

Para promoverem-se, delegam a um Ser Livre de Paixões, o gerenciamento das autonomias que individualmente cederam ao grupo. E por todos os entes do grupo terem contrato entre si, é cedida a vontade do grupo. Esse Ser idôneo age em nome de todos os contratantes, através da vontade do grupo, buscando o bem comum.

Sendo os signatários iguais, todos tem os mesmos direitos e deveres. As oportunidades dentro do grupo são iguais. Cabendo ao Gerenciador das vontades, garantir a permanência da igualdade para todos. Com as mesmas oportunidades no grupo, o pacto se preserva, amplia e atinge o seu fim: O Bem Comum. O contrato será legítimo enquanto a Entidade fictícia, garantir, liberdade, preservação e igualdade de oportunidade.

Concentremo-nos no acima exposto.

O colossal contraste que impera no ventre de nossa sociedade é certamente a maior causa do aumento do crime no Brasil.

O fenômeno sociopolítico do crime, deixa claro a inútil tentativa de atribuir ao Direito Penal, tornando certas condutas delituosas, a solução da criminalidade.

Aumenta a cada dia a dúvida em saber se o Estado é ou não suficiente para garantir a conservação de seus cidadãos, um dos princípios do pacto social. E a cada dia o Estado se monstra mais omisso e insuficiente. Apresenta-se desinteressado com a origem da delinqüência, restringindo-se tão somente em tipificar condutas como criminosas. O Estado está impotente e desacreditado.

"Não foi tal descrença que precipitou o movimento que tornou-se historicamente conhecido como Revolução Francesa? Não seria o crime a revolução que se opera entre a sociedade injustiçada, apenas em moldes diferentes aos da ocorrida na Europa?" A essa indagação de Paulo Roberto Probst, temos a resposta no dia a dia Nacional.

O crescente desnivelamento social e o aumento dos miseráveis, não é o único, mas certamente a causa mais objetiva do aumento da delinqüência. Tentar atribuir ao Direito Penal a responsabilidade para conter a criminalidade, é negar o menos caso do Estado para com as desigualdades sociais. O Direito Penal não é uma panacéia.

Baccaria coloca-nos que "consultemos a história e veremos que as leis, que são ou deveriam ser pactos entre homens livres, não passam geralmente, de instrumentos das paixões de uns poucos, ou nascem da necessidade fortuita e passageira." Nossa sociedade apresenta uma ruptura do pacto social, ao codificar suas cláusulas par servir a uma minoria.

Ensinou-nos Montesquieu que na Democracia "O amor pela Democracia é o amor pela igualdade,... todos devem gozar das mesmas felicidades e regalias".

Não sabemos, todavia, até que ponto o pacto social no Brasil está ameaçado, pois nossos cidadãos, donos de enorme verve e humor, e grandes ironizadores de suas próprias tragédias e misérias, pouco sabem e muito ignoram acerca de nossa realidade.

O trato social deve ser preservado a bem da perpetuação da sociedade. Qualquer agressão ao pacto necessita de uma sanção correspondente ao valor da ofensa. A pena entra , então, como forma inibidora da usurpação ao depósito das liberdades renunciadas.

Alguns juristas defendem a despenalização corajosa para o país. Mas será possível manter a sociedade de pé sem pena?

O fim da pena é reeducar. Já vai longe o tempo da vingança privada ou estatal. Mas o que vemos objetivamente é a vingança. Se a pena tem o escopo de reeducar, como conceber cárceres cheios que mais assemelham-se a depósitos de restos humanos, onde a indiferença do corpo político, crescentemente ineficaz em sua função repressora, traduz pela indignidade e pela infâmia que ferem o contrato social de maneira tão evidente como o faz a conduta criminosa.

Alguns, buscando solução para o problema da delinqüência, oferecem para debate tema tão horrendo quanto o próprio crime: a pena de morte. Entendemos que a pena de morte feri o pacto social. Ora, se o homicídio é repudiado pelos contratantes, não pode o corpo depositário arvora-se em praticá-lo e agir contra as disposições do trato social. Como poderia a sociedade atual ter a morte provocada como valor de sua existência. A pena capital é mais uma demonstração de impotência política frente a crescente miséria e consenqüentemente a delinqüência. Certamente prevendo as paixões sociais, o Poder Constituinte de 88, mostrando-se sensível à Declaração Universal dos Direitos dos Homens, considerou o valor da vida como Cláusula Pétrea, o que torna impossível, juridicamente, qualquer emenda ou lei que tente instituir a pena de morte.

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A pena moderna, posto que civilização atual não pode formalmente admitir que sofrimento e miséria sejam objetivos máximos, deve reeducar o delinqüente. Mas como reeducar se o seu escopo parece sucumbir ante o quadro dantesco de nossas instituições. O problema é muito mais político e social que jurídico.

Não podemos chegar ao ponto de cegarmo-nos para o delinqüente. O que se põe em debate é saber se o delinqüente é por si criminoso ou se é um aborto social. Acreditamos em ambas. Há aquele que conscientemente, mesmo reunindo todas as condições para fazer um julgamento pacífico de seus atos, mesmo com uma educação e um conhecimento social nítido e não apresentando nenhum desnível psicológico, põe-se a contrariar a norma jurídica; há outro que apesar de estar no grupo social, é dele a margem. Não corre em seu curso, não desfruta de seu benefícios. Mas por estar alí, a margem da sociedade, vê o rio passar e dele quer fazer parte. Por não reunir as condições exigidas para usufruir do que é posto para aquela sociedade ou dela participar, procura ele de outros meios, destoando dos padrões morais e normativos da sociedade. Este delinqüente apresenta-se das mais variadas formas, mas tem geralmente a mesma origem: a desigualdade social, a instabilidade social, as misérias, as privações. No primeiro caso acreditamos que há um criminoso, nos demais, um desajustado social. No primeiro a sanção, nos demais reeducação.

Por fim, entendemos não ser o Direito Penal a panacéia para o fenômeno social crime. É o crime conseqüência política e social. Tem sua origem na desigualdade social, na miséria e no descaso do Estado. A reabilitação do delinqüente não será conseguida em depósitos humanos onde valores se misturam e corrompem-se. Não se consegue a reeducação, apenas guarda-se o agente do delito em cárceres que o faz mais violento, enfraquecendo seus valores. Devolve-se-o ao corpo social mais violento, indignado e nocivo. A pena capital não seria, apesar dessa realidade, uma solução, pois os valores de nossa civilização estariam corrompidos se assim fosse.

Em fim concluímos que a educação é solução para o crime; a reeducação além de cara é estruturalmente falida. Só a educação pode dar a cada homem o direito da igualdade, o direito de ser parte do copo social; é a educação, na concepção de Montesquieu, o elo que prepara-nos para sermos cidadão.


BIBLIOGRAFIA

O CONTRATO SOCIAL; Jean-Jacques Rousseau;

O ESPÍRITO DAS LEIS; Charles-Luois de Secondat, Barão de La Bréde e de Montesquieu;

DOS DELITOS E DAS PENAS: UM BREVE ESTUDO DAS TESES BECCARIANAS E A REALIDADE BRASILEIRA; Paulo Roberto Probst – Artigo colhido na INTERNET.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Souza da Silva

acadêmico na Faculdade de Direito de Sete Lagoas (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Roberto Souza. A delinqüência e o direito penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/942. Acesso em: 23 dez. 2024.

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