Resumo: Trata-se de um estudo com ampla pesquisa sobre o advento de tecnologias altamente disruptivas como as criadas pela blockchain e moedas eletrônicas. Um trabalho de intensa pesquisa para levar o leitor a refletir sobre se as políticas fiscais penais ainda vigentes, altamente punivistas, datadas da década de 90, quando a internet ainda estava nascendo, e nem se pensava como ela transformaria a realidade em que vivemos, e seus reflexos nos procedimentos de fiscalização pelo Estado-Fisco, passando pelos direitos fundamentais neste ponto e, ainda, traçando linhas sobre os debates em torno da reforma tributária, a CPMF como uma alternativa comprovada de simplificação do sistema tributário, as moedas eletrônicas em e sua relação com crimes de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.
Palavras-chave: Crimes de Lavagem de Dinheiro, Crimes de Sonegação Fiscal e a Excludente de Ilicitude do Estado de Necessidade, Crimes Contra a Ordem Tributária, Reforma Tributária, CPMF, Moedas Eletrônicas, Blockchain, Metaverso, Direito Penal Tributário, Política Criminal, Direito Tributário, Direito Econômico.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Revolução das Moedas Digitais e a Tecnologia Blockchain. 2.1. Da Correria Por Um Projeto de Lei Para Chamar de Meu na República das Bananas - O Início da Regulamentação das Criptomoedas no Brasil. 2.2. O Início do Uso Oficial da Tecnologia Blockchain e a Inevitável Necessidade da Criação de Uma Moeda Digital Soberana no Brasil. 2.3.A Chegada do Real Digital em 2022 . 3.Dos Crimes Contra a Ordem Tributária. 4.Reforma Tributária em Debate. 5.A CPMF Como Uma Alternativa Eficiente No Combate à Sonegação Fiscal. 6. Crimes de Sonegação Fiscal e a Excludente de Ilicitude do Estado de Necessidade. 7. Moedas Eletrônicas e Crime de Lavagem de Dinheiro. 8. Metaverso - Um Mundo Virtual Com Grandes Implicações Jurídicas. 9. Conclusão.
1. Introdução
As políticas fiscais em nosso país parecem ser sempre desenvolvidas de forma extremamente gananciosa, de modo a inflar as obrigações dos contribuintes e despreocupadas em lhes retornar algo em contra partida. Frente a essa realidade, o reflexo dessas políticas, meramente arrecadatórias, catalisada por uma política criminal demasiadamente punitivista, causadora de uma verdadeira elefantíase legislativa penal, não traz qualquer benefício ao ambiente de negócios, como pretendem as propostas de reforma tributária atuais2.
Resultado dessa conjunção de fatores, sem obviamente descartar outras, é o atual estado de coisas, em que de um lado o cidadão contribuinte vê-se com enormes encargos tributários e, de outro, cercado pela força bruta do Estado-Fisco, que o sonda diuturnamente por meio dos mais diversos instrumentos, no que se pode chamar de um verdadeiro Tribunal do Santo Ofício da Inquisição Fiscal.
Por essas e outras razões, o ambiente de negócios brasileiro faz com que o empreendedor viva em meio a um terrorismo fiscal, onde o Estado prefere lhe cortar a cabeça que preservá-lo.
As propostas de reforma tributária, em discussão atualmente, devem trazer uma justa correção de rumos se pretendem realmente melhorar o ambiente de negócios; uma das questões centrais das propostas.
Para se alcançar o sucesso pretendido, alcançando-se uma justiça fiscal honesta e eficiente, simplificando o sistema tributário e melhorando a vida do empreendedor, há que se repensar também a política criminal fiscal vigente.Desde há muito o contribuinte, seja pessoa física ou o empresariado, são vistos e tratados pelo Estado-Fisco como potenciais sonegadores; um juízo de presunção velado, mas inegavelmente existente contra aqueles que geram riqueza, pagam seus impostos, mas são vistos e fiscalizados como potenciais criminosos, em um sistema caótico, onde um erro de cálculo pode lhes custar, além de pesadas multas, um processo criminal.
Lamentavelmente, não é possível afirmar que as atuais propostas de reforma tributária estejam dando total atenção à realidade presente ou futura, por louvável que sejam suas intenções. Não apenas porque não propõem soluções menos drásticas ao contribuinte do que lhes tratar sempre como sonegadores potenciais, mas também porque, se pretendem uma simplificação do anárquico Direito Tributário Brasileiro, deveriam estar repensando o passado, mas com olhos no presente e no futuro, em razão das radicais mudanças tecnológicas, em vertiginoso e irrefreável crescimento, como são as moedas eletrônicas. Ao não repensar o passado em relação à política criminal fiscal vigente, e ao presente e futuro, no que tange o dinheiro eletrônico e seu potencial disruptivo do sistema monetário mundial, qualquer reforma que vier a ser aprovada já nascerá, por um lado ultrapassada e, por outro, ainda fomentadora do péssimo ambiente de negócios vigente.
2. A Revolução das Moedas Digitais e a Tecnologia Blockchain
O crescimento tecnológico exponencial das últimas décadas, que promete uma mudança radical na forma como vivemos, traz consigo facilidades outras. Entre elas as moedas eletrônicas estatais, chamadas de stablecoins3, e outras inúmeras moedas eletrônicas de mecanismo descentralizado, bem como a tecnologia blockchain4; essa última mãe de todas as moedas eletrônicas existentes. A Quarta Revolução Industrial esta a pleno vapor. Grandes e pequenas nações, por diversas razões, já estudam a criação de suas próprias moedas eletrônicas, o que alguns já preludiam, virão a ser o fim do dinheiro em papel moeda e metal.
No Brasil, país com um dos sistemas monetários e bancários mais modernos do mundo, foi recentemente implementado o chamado Pix (Sistema de Pagamentos Instantâneos). Da forma como o sistema funciona e foi desenhado, e com as diretrizes de criação de uma CBDC5 (Central Bank Digital Currency) pelo Banco Central, não há como não concluir, que o Pix é o prelúdio da adoção de uma moeda digital oficial no Brasil.
Não precisamos ir longe. Além de o dinheiro que usamos em verdade já ser eletrônico, apenas é representado em forma física por papel e metal, uma vez que há muito já não é atrelado a nenhum bem de valor que lhe dê lastro, nosso Banco Central já vem trabalhando na implementação de uma moeda digital. O próprio Pix, novíssima modalidade de pagamentos e transações, portanto, nada mais é que uma espécie de moeda digital.
Em razão da forma como o Pix foi desenhado, e a arquitetura do seu sistema, pode ser considerado o embrião de uma moeda eletrônica estatal do Brasil.
A ideia é digitalizar o passivo do Banco Central circulante, ainda de forma física, porque boa parte do passivo do Banco Central, ou seja, toda a moeda circulante, já é digital há muitos anos, mas necessita de representação física, o que gera custos elevados de produção e reposição.
O Banco Central já apresentou diretrizes para o potencial desenvolvimento do real em formato digital6. Segundo a nota:
“o objetivo é desenhar uma moeda digital de emissão do BC, que seja parte do cotidiano das pessoas, sendo empregada por quem usa contas bancárias, contas de pagamentos, cartões ou dinheiro vivo”.
Mas o que isso tudo tem a ver com as propostas de reforma tributária, e os crimes fiscais? Bom, sendo algo digital, o monitoramento e a supervisão do contribuinte serão ainda mais constantes e eficientes; a ponto de alguns já dizerem que esse modelo será autoritário. Fato é que, por aqui, a CBDC brasileira será certamente mais um instrumento a favor do fisco, monitorando constantemente a movimentação financeira de toda a população. Com a implementação da CBDC tudo estará digitalmente informatizado, o CPF o CNPJ, a precisa identificação dos usuários, o montante transacionado, enfim, toda a movimentação financeira executada deixará seu rastro.
A tecnologia blockchain que proporcionou o surgimento do Bitcoin, em meio à crise financeira mundial de 2008, como meio de reserva e proteção de capital, e permite o funcionamento de todas cryptocoins, despertou a revolução que estamos vendo e que causará, irremediavelmente, uma disrupção do sistema monetário mundial.
Nesse sentido, leciona Rudá Pelini7:
“(...) Transformar a indústria do dinheiro tem impacto maior, pois o setor financeiro está em todos os outros. Onde há dinheiro envolvido – seja no relacionamento entre pessoas, empresas ou governos – a indústria financeira está presente. Por isso, a disrupção dessa indústria atinge todos os setores da economia e todos os cidadãos de forma indistinta. Essa disrupção coloca o indivíduo e suas dores no centro de todas as situações”.
É imprevisível o impacto que o dinheiro eletrônico causará à pratica de crimes fiscais e a forma de combatê-los. Mas certo é que o monitoramento de suas transações, com o advento das CBDCs, aumentará, diminuindo ainda mais a sonegação fiscal, possibilitando, quem sabe, uma revisão da política criminal defasada, datada dos longínquos anos 90.
O tema das moedas eletrônicas ainda é uma questão em fase embrionária, uma vez que a cada dia surgem novas moedas, com diversos propósitos. O ser humano, sabemos, é voltado tanto para o bem como para o mal. Se por um lado essa nova forma de interagir com a transação de valores pode auxiliar no combate à sonegação fiscal, se regulada e gerenciada centralmente pelo Estado, não podemos esquecer que sua tecnologia foi pensada e criada, inicialmente, com propósitos diversos8.
No entanto, foi o Bitcoin9 que, por meio da tecnologia blockchain, apresentou ao mundo uma moeda eletrônica descentralizada, criando um novo modo de se relacionar com o dinheiro; e essa nova tecnologia pode ser usada tanto de forma lícita quanto ilícita, uma vez que não tendo um órgão oficial central, que concentre as informações das transações, um universo de novas práticas criminosas será possível, entre elas a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro.
Esse novo universo tecnológico, impressionantemente disruptivo, que já esta e irá mudar irremediavelmente a maneira como toda a humanidade se relaciona com o dinheiro -talvez uma das maiores mudanças já ocorridas nesse sentido- sem dúvida deveria estar na ponta das discussões das propostas de reforma tributária. Sobre tudo no que toca o combate aos crimes fiscais, uma vez que afeta, de forma drástica, a capacidade de o Estado-Fisco rastrear e identificar as transações feitas por esse meio, pois existem diversas moedas criptográficas que são desenvolvidas justamente com a intenção de manter a privacidade e anonimato absoluto de seus usuários10.
2.1. Da Correria Por Um Projeto de Lei Para Chamar de Meu na República das Bananas - O Início da Regulamentação das Criptomoedas no Brasil
Recentemente, em um verdadeiro fiasco jurídico que foi a CPI da Covid, orquestrado por nossos representantes, os mesmos que pretendem- atualmente já com 8 (oito) Projetos de Lei dos quais falaremos a seguir-, regulamentar o mercado cripto por aqui, mais precisamente na pessoa do Sr. Renan Calheiros que, ao questionar um renomado empresário brasileiro, perguntou-o se o mesmo “já havia operado com “crépto moeda ou bitcóio”. Frente a esse escárnio, difícil acreditar que eles tenham a mínima ideia do que seja essa nova indústria. Criam PLs apenas para estarem à frente de seus pares.
Atualmente tramitam, no Senado e na Câmara dos Deputados, alguns Projetos de Lei que visam regular os criptoativos e as exchanges no Brasil. No Senado tramitam 3 (três), de forma conjuntamente, isso é dizer, dentro agora de um mesmo texto. São eles: Projeto de Lei n.º 3.82511 de 2019, Projeto de Lei n.º 3.94912 de 2019 e Projeto de Lei n.º 4.207 de 202013. Como se vê, no Senado todos são relativamente recentes. Já na Câmara dos Deputados tramitam os Projetos de Lei n.º 230314 de 2015 (já aprovado e que segue agora para o Senado Federal), Projeto de Lei n.º 2060 de 2019, Projeto de Lei n.º 2234 de 2021 e Projeto de Lei 2140 de 2021. Na Câmara, o interesse regulatório é mais antigo, desde 2015, com o PL n.º 2303, ao qual todos os demais foram apensados, passando a tramitar conjuntamente. Não trataremos aqui do objeto de cada um desses projetos, apenas para se veja a sanha estatal de criar regulamentação em torno de um assunto que pouco ou nada nossos representantes parecem entender. Embora, admita-se, seja necessária alguma regulamentação, percebe-se já há um interesse enorme em regular algo que nasceu para ser descentralizado, e é de sua natureza própria sair da esfera do envolvimento estatal.
Como também já falamos aqui, a utilização do direito penal é sempre presente, como se este servisse como instrumento aos anseios regulatórios do Estado. A exemplo, o PL n.º 2303/15 (mais antigo de todos e com texto aprovado recentemente) prevê a tipificação dos crimes de fraude em prestação de serviços que envolvam criptoativos; como também o aumento de pena para crimes de lavagem de dinheiro que façam uso dessa nova classe de ativos. Como se crimes de fraude já não existissem, e com a ingênua ideia de que o aumento de pena irá dissuadir a prática criminosa de lavagem de dinheiro.
Não entendem que essas tecnologias, surgidas a partir do advento do Bitcoin, mas já pensadas há muito tempo, desde o movimento cyberpunk –já comentado-, são pensadas justamente para não sofrerem regulamentação estatal. Verdade é que já existem protocolos que visam apenas o anonimato como fundamento, como a moeda digital Secret15, por exemplo, entre outras. Quanto mais o Estado apertar o cerco, mais desses protocolos surgiram, e mais valor ganharão; nossos governantes parecem não entender sequer o princípio básico de descentralização desses ativos.
A regulação de criptomoedas, com efeito, torna-se, sem dúvida, uma preocupação global. O Fundo Monetário Internacional (FMI), ente com função de preservação da estabilidade financeira mundial, já se manifestou igualmente sobre essa demanda, propondo que se comece a instrumentalizar, a nível mundial, uma estrutura de regulação coordenada.
Em recente publicação, o FMI pediu “uma abordagem abrangente, consciente e coordenada” para aproveitar os benefícios da tecnologia dos criptoativos e, ao mesmo tempo, mitigar alguns de seus riscos16”.
2.2. O Início do Uso Oficial da Tecnologia Blockchain e a Inevitável Necessidade da Criação de Uma Moeda Digital Soberana no Brasil
Tudo que aqui foi dito sobre a nova era digital, principalmente no que toca a blockchain, tecnologia essa revolucionária e altamente desruptiva que, não obstante, foi a que propiciou a criação da primeira moeda eletrônica, que conhecemos como Bitcoin, e todas as que a seguiram, é sustentado agora, com as recentes manifestações da Receita Federal do Brasil e do Banco Central. O que não podia ser diferente. Quanto à blockchain, o Banco Central, enquanto escrevíamos este artigo, autorizou a emissão de tokens em blockchain para funcionamento dentro do Sistema Financeiro Nacional17. Em final de novembro o Banco Central emitiu nota anunciando que enfim foi criada o que chamou de Bolsa OTC Brasil. Sem nos aprofundarmos nesse ponto, cabe dizer apenas que o Banco Central do Brasil curvou-se à essa maravilhosa tecnologia. Com o desenvolvimento de aplicações da blockchain funcionais dentro do Sistema Financeiro Nacional, espera-se uma significativa redução de custos em procedimentos administrativos diversos, o que impactará inclusive a redução de despesas com serviços de advocacia. Pois é claro leitor. Nós advogados seremos sim fortemente afetados. As revoluções tecnológicas atingem alguns menos outros mais; nós estamos do lado do mais. Por isso a importância desse artigo. É necessário, mais do que nunca, estarmos atento, para adaptar-se a nova era que se aproxima.
2.3. A Chegada do Real Digital em 2022
Mundo a fora, diversos países já entenderam de antemão que as criptomoedas vieram para ficar. A tecnologia por trás desse novo tipo de ativo é tão revolucionária, que é possível sim afirmar que em breve não veremos mais dinheiro em forma física. Trata-se de um marco histórico sem precedentes.
Frente a essa irrefreável mudança, diversos países mundo a fora já estão ou já criaram suas moedas digitais soberanas, ou aceitaram o Bitcoin como moeda de curso legal.
O banco central sueco, por exemplo já criou a eKrona18, a primeira moeda descentralizada com apoio oficial de um Estado.
Outros países como China e El Salvador e agora Brasil, seguem o mesmo caminho.
El Salvador é um caso muito interessante. Foi o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda de curso legal no país – o que não é o mesmo que moeda soberana, frise-se-.
Como o sistema de verificação da blockchain do Bitcoin demanda muita energia elétrica para que os computadores ao redor do mundo, ligados à sua rede, façam o processo de confirmação e registro das transações, o que criou sérias discussões sobre questões ambientais, o presidente do país anunciou algo inusitado: a mineração será alimentada pela energia de vulcões. Isso mesmo, você não leu errado. Ainda, El Salvador pretende criar uma cidade inteira em torno do Bitcoin, por meio de investimentos estrangeiros advindos deste mesmo ativo19.
Pois bem, posto um pequeno panorama do que acontece no mundo, chegou a vez de falarmos da criação do Real Digital.
Inúmeros problemas a parte de nosso país, verdade é que nosso sistema financeiro é um dos mais avançados do mundo. Talvez essa eficiência seja para monitorar melhor o seu dinheiro, e arrecadar mais tributos, o que se pode dizer que o Real Digital também venha a ter essa finalidade: uma melhor rastreabilidade de movimentações financeiras para arrecadação de impostos, aumentado a invasão do Estado na vida pessoal dos contribuintes. Não sejamos ingênuos de ao menos não vislumbrarmos essa possibilidade.
Tudo indica que já no ano que se aproxima o Real Digital esteja presente em nosso cotidiano. Digo isso em razão de que, recentemente, o atual presidente do Banco Central do Brasil, Sr. Roberto Campos, mencionou, em tom afirmativo, que sim, em 2022 será lançada uma primeira versão do Real Digital20.
Incialmente serão feitos diversos testes, inclusive com uso de blockchain, para a finalização e entrega de uma moeda digital soberana brasileira, que segundo Campos, deverá chegar definitivamente em 2024.
Um dos objetivos centrais do Real Digital é proporcionar a construção ou interconectividade do sistema financeiro nacional com as finanças decentralizadas (DeFi)21. Nesse sentido, parece que nosso Banco Central esta muito bem alinhado com as novas tecnologias, em um caminho virtuoso para quem sabe se tornar uma referência neste grande movimento que afetará a todos, inclusive a nós profissionais do direito.