3. Dos Crimes Contra a Ordem Tributária
A Lei 8.137/9022, que trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica, e contra as relações de consumo, data de antes das revoluções tecnológicas que alteraram substancialmente a relação Estado-Contribuinte.
A mencionada lei data da década de 90, criada e introduzida em nosso sistema jurídico-penal pelo Governo Fernando Collor. Uma lei ultrapassada, que trata os contribuintes sempre como potenciais sonegadores, em um juízo presuntivo levado a efeito pelos órgãos de fiscalização, que certamente em nada auxiliam atualmente a criação de um ambiente de negócios sadio, como pretendem as propostas de reforma tributária. As propostas de reforma tributária, para se dizerem modernas, deveriam visar, não somente o que mais pregam, que é a simplificação do sistema tributário, e a melhoria do ambiente de negócios- uma decorrente da outra-, mas aproveitar para se debruçar também sobre a legislação que trata dos crimes fiscais, adotando um tratamento menos inquisidor em relação a nossos contribuintes, em especial a nossos empresários.
Novas tecnologias, nem tão recentes, adotadas tanto pelo contribuinte como pela Administração, tornaram a fiscalização fiscal altamente informatizada e eficiente, ao ponto de ser chamada, pela mídia e pelos contribuintes, de Big Brother Fiscal, ou, mais eufemisticamente, de Governo Eletrônico, sigla GE. Esses mecanismos já são responsáveis pelo aumento da arrecadação fiscal em função da eficiência no cruzamento de dados de forma instantânea, deixando para traz, ousamos dizer, a ultrapassada intenção do legislador da década de 90, em aumentar a arrecadação usando como instrumento o Direito Penal. Com toda a mudança tecnológica desenvolvida e largamente utilizada ao longo de 30 (trinta) anos, com os avanços tecnológicos constantes, e encontrando-nos em momento de grande discussão sobre assuntos tributários, seria muito oportuno e coerente uma revisão também da política criminal tributária implementada há mais de 30 (trinta) anos.
Edson Sebastião de Almeida23, ao introduzir o leitor em sua obra, explica que:
“O tema tratado no presente trabalho tem por objetivo, primeiramente, mostrar ao meio jurídico, empresarial, acadêmico, enfim aos leitores, de maneira geral, que os crimes contra a ordem tributária estão previstos na Lei n.º 8.137 de 27/12/1990, introduzida na década de 90, no Governo Fernando Collor, a qual foi editada numa época em que o governo tomou medidas visando conter gastos públicos e melhorar a eficiência das receitas tributárias, adotando uma política fiscal com maior austeridade e notório combate à sonegação fiscal. Entretanto, atualmente, com novos paradigmas da era digital das Modernas Administrações Públicas e Privadas e suas Governanças Corporativas, notamos que há uma necessidade de adequação do Código Penal, que inclui a lei de sonegação fiscal e demais leis extravagantes, pois hoje, existe outra realidade diferente daquela da década de 90, no que diz respeito às incriminações das condutas previstas nos crimes de sonegação fiscal”.
Ao discorrer sobre a extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo, Hugo de Brito Machado24 já colocava que:
“Constitui hipocrisia negar que a criminalização tem inegável caráter utilitarista, pois, se a razão de ser da criminalização é compelir as pessoas ao pagamento, como de fato é, pagar o tributo com acréscimos legais satisfaz plenamente os objetivos da lei; é um equívoco acreditar que o efeito intimidativo da pena é capaz de fazer com que todos paguem regularmente os tributos; não haverá estímulo à sonegação, desde que sejam aplicadas penas pecuniárias severas e a fiscalização tributária seja eficiente (...)”.
A eficiência das tecnologias digitais desenvolvidas desde a publicação da jurássica lei mencionada, fez com que programas computacionais sejam hoje capazes de efetuar cruzamentos de dados quase em tempo real. Se esses sistemas devassam constantemente a vida do contribuinte, com efeito, também propiciaram a coibição da sonegação fiscal em maior escala e, por consequência, contribuíram com o aumento da arrecadação fiscal ao passar do tempo. Só por essa razão já nos parece crível que uma revisão da política criminal fiscal deveria ser discutida nas reformas tributárias em debate, evitando que o texto que vier a ser aprovado não alcance seu objetivo de criar um ambiente mais favorável aos negócios, ao empreendedorismo e a atração de empresas estrangeiras.
Respeitadas as opiniões em contrário, a utilização do Direito Penal deve ser medida extrema. Existem, e nascem a cada dia, de forma exponencial, tecnologias com mecanismos eficientes para reduzir o dano ao erário que não existiam, ou nem se pensava serem possíveis de criação há 30 (trinta) anos atrás, ou até mesmo em um passado recente. Com efeito, há que se repensar a criminalização de determinadas condutas para esse fim, abandonando-se o odioso tratamento do pagador de impostos como um perigo a ser neutralizado, mas sim como um ser humano a ser respeitado.
Novas tecnologias, nesta nova revolução industrial que presenciamos diariamente, surgem a cada dia, sendo algumas já perfeitamente implementadas, ou ainda em desenvolvimento, por bancos centrais mundo a fora. Inclusive no Brasil, que possui hoje um dos sistemas bancários mais modernos do mundo.
Moedas eletrônicas, tecnologia blockchain, sistemas de cruzamento de dados altamente sofisticados, o recente lançamento do sistema PIX, moeda digital soberana25, algumas das quais falaremos mais à frente, já devem estar no radar de qualquer projeto tributário que se pretenda moderno e eficaz no seu intuito mor de simplificação do Sistema Tributário Brasileiro, e na melhoria do ambiente de negócios no Brasil para que, sejam usadas na coibição da sonegação fiscal, aumentando-se a arrecadação sem majoração de alíquotas ou a criação de novos tributos, e, principalmente, sem que para isso seja preciso utilizar o direito criminal como um instrumento de coação.
A lei penal deve ser a ultima ratio, embora pareça que há muito esse princípio basilar venha sendo ultrajado em razão de uso utilitarista da lei penal. Quem sabe essas novas tecnologias não sejam suficientemente eficazes, possibilitando agora o afastamento do uso inquisitorial e nefasto do Direito Penal, como instrumento de coibição da sonegação fiscal, na busca por aumento de arrecadação.
O contribuinte, além de não ver um retorno satisfatório em contrapartida ao pagamento dos impostos, não os pagando ainda é punido, não apenas com a imposição de pesadas multas, o que lhe coloca muitas vezes ainda mais perto da insolvência, mas também pelo cometimento de crime fiscal, com aplicação de pena privativa de liberdade. Certo que é hora desse cenário ser revisto.
Nessa esteira, a politica criminal datada da longínqua década de 90, além de ultrapassada, não parece respeitar o princípio do direito penal mínimo, afetando demasiadamente o ambiente de negócios, e gerando, com efeito, um contencioso que em nada contribui para a saúde dos cofres públicos, dados os elevados custos de processos administrativos e judiciais.
4. Reforma Tributária em Debate
Mesmo em um ambiente político extremamente polarizado como o atual, a questão da reforma tributária e a necessidade de simplificação do Sistema Tributário Nacional, como questões urgentes para a melhoria do ambiente de negócios, e uma profunda mudança no tratamento do Fisco com o contribuinte, de forma a possibilitar essa melhoria, parece ser atualmente um dos únicos consensos entre nossos agentes políticos, sejam de esquerda, de direita, liberais ou intervencionistas. Esse mencionado consenso reforça a real e urgente necessidade dessas mudanças.
Não é para menos, são em média 2000 (duas mil) horas gastas pelas empresas apenas para calcular os tributos a serem pagos. Isso afasta investidores estrangeiros, sobretudo, porque tal dificuldade de calcular o que se tem a pagar coloca-lhes, inevitavelmente, muito próximos ao cometimento de crime fiscal, sem que necessariamente haja má-fé na supressão do pagamento a menor. A culpa é também é da complexidade do sistema, que acaba por tornar todo o contribuinte um potencial sonegador, mas não é só isso.
É necessária uma reestruturação do sistema tributário, pois o nosso sistema atual é antigo, e não se enquadra na realidade atual e pujante de um mundo eletrônico. Da mesma forma, as leis que tratam de crimes fiscais também são de épocas passadas, e deveriam ser tratadas nas propostas de reforma; o que não é o caso, tornando-as superficiais, e nascituramente ultrapassadas.
Muita coisa deve ser pensada e discutida para gerar um ambiente de negócios favorável. Atualmente, como gerar um ambiente favorável, por exemplo, para empresas disruptivas como, por exemplo, Uber que é a maior empresa de locomoção mundial e não possui frota; a Amazon que vende uma espécie de estilo de vida, se o próprio fisco ainda não sabe como tribular esses serviços. Certo que empreendedores desse novo tipo de empresa da chamada 4ª Revolução Industrial, não estarão dispostos a terem seus centros de pesquisa e desenvolvimento nesse caótico ambiente, onde são tradados pelo Estado-Fisco como potenciais sonegadores ao invés de gênios.
A reforma tributária pode ser fundamental para o crescimento do país. Não é para menos, é mais fácil hoje fazer negócio no Senegal que no Brasil, segundo dados do Banco Mundial, por meio do Doing Business26.
A complexidade do Sistema Tributário Brasileiro gera medo e incertezas permanentes nos investidores. O sistema é tão complexo que as pessoas acabam muitas vezes cometendo crime achando que é algo normal. Exemplo disso é o grande número de empresas enquadradas no Simples Nacional atualmente; o que acreditamos ser um verdadeiro “laranjal”, porque se a empresa sair do simples ela não sobreviverá.
De fato, a administração tributária gera insatisfação e medo no contribuinte; tudo fruto da complexidade do sistema, e do uso do direito criminal como instrumento de coação. O empresário brasileiro tem que andar “em cima dos cascos” o tempo todo, temendo o “Leviatã Fiscal”.
O Brasil também é um país extremamente burocrático, porque burocracia gera punição e punição vira dinheiro para o Estado, do qual boa parte acaba destinado à corrupção e não retornando ao contribuinte na forma de serviços dos mais essenciais, criando um ambiente de guerra permanente entre o sujeito passivo e o sujeito ativo das obrigações tributárias.
Nesse contexto muitos falam que o brasileiro não tem senso do coletivo por não querer pagar impostos e, muitas vezes, parte para sonegação em detrimento do erário público, lesando assim a coletividade. Mas como ter senso de coletividade quando se vive em meio ao caos, muito próximo da pratica criminosa, em um verdadeiro ambiente de sobrevivência? Não é razoável e natural uma reação defensiva?
A reforma que vier tem que resolver esse sentido no brasileiro. Um povo que não tem orgulho de fazer parte de uma nação jamais irá adiante coletivamente. E um importante passo nesse sentido seria afastar o contribuinte da prática de sonegação fiscal, seja pela necessidade de sobrevivência, seja pelo erro de cálculo do montante a pagar. Se fosse simples não sonegar imposto do Brasil, não seriam necessárias 2000 (duas mil) horas em média para se calculá-los.
As propostas de reforma tributária em discussão, não visam redução de tributos, ao contrário do que muitos pensam. Mas isso não é problema para a criação de um ambiente de negócios sadio. Em verdade a corrupção, ao contrário do que muitos pensam não é fruto de países subdesenvolvidos, mas sim filha direta de sistemas altamente burocráticos. Em verdade é a burocracia que propicia a corrupção. Por outra via, também, ao contrário do que muitos parecem crer, a carga tributária em si não se relaciona diretamente com o desfavorecimento do ambiente de negócios, por estranho que pareça. Há países com alta carga tributária, porém com um ambiente de negócios sadio e satisfatório. Na esteira dessas razões é que insistimos que uma revisão da polícia criminal vigente é inarredável para que a reforma tributária alcance seu objetivo, e não seja mais apenas uma morosa e inócua reforma legislativa.
Ainda, se o Brasil pretende entrar para a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, chamada de “Clube dos Ricos”, não será uma reforma tributária superficial, que vise apenas a simplificação de impostos, e alguns outros pontos o que, não se pode negar, já é bastante difícil frente às dificuldades jurídicas e políticas, mas deve também visar a criação de um ambiente de negócios atrativo. A atual política criminal utilitarista inequivocamente é diametralmente oposta a esse desejo.
5. A CPMF Como Uma Alternativa Eficiente No Combate à Sonegação Fiscal
Há meios já disponíveis e de razoável facilidade de implementação que poderiam fazer parte da reforma tributária, que impactaria diretamente os crimes de sonegação fiscal. Muitos não vão gostar do que vamos falar, mas a CPMF é uma excelente alterativa para simplificar o sistema tributário vigente, e ajudar a criar um ambiente mais favorável de negócios, e nessa esteira diminuir o contencioso fiscal, em especial dos crimes fiscais.
Esse tributo, embora odiado por alguns, pode ser um caminho nesse momento porque possui características especiais, como ser universal e insonegável.
Seus críticos alegam que seu uso, por atingir toda a cadeia produtiva, acabaria desestimulando o ambiente de negócios. Mas nada impede que uma nova modalidade de CPMF, mais justa e calibrada seja criada.
A substituição de outro tributo pela CPMF simplificaria sobremaneira o sistema tributário, uma vez que é impossível a sonegação, e os órgãos fiscalizadores sabem exatamente a movimentação financeira do sujeito passivo da obrigação tributária. A CPMF pode, inclusive, auxiliar na investigação de outros crimes pela Polícia Federal, uma vez que, incidindo sobre qualquer movimentação financeira, as investigações tornar-se-iam muito mais fáceis, por ser um tributo, a princípio, no seu modelo atual, de natureza universal. Mas é bom observar que não poderia vir como um acréscimo de arrecadação; deve-se retirar de outro lugar para se colocar na CPMF, para não aumentar a carga tributária, o que não é o objetivo das propostas de reforma tributária.
Marcos Cintra27, nesse sentido, esclarece que:
“A CPMF tem um mérito inegável, convenientemente ignorado por vários de seus críticos: o de eliminar do atual sistema tributário sua maior aberração, qual seja, as diferenças artificiais de custos de produção causadas pela ampla e generalizada sonegação de impostos no país. A sonegação cria uma vantagem comparativa perversa. Permite a sobrevivência de empresas ineficientes na produção, desde que ousadas na sonegação; e deixa morrer as que são competitivas na produção, mas tímidas na evasão. A forma pela qual a evasão de impostos distribui a atual carga tributária implica distorção econômica mais grave do que a alegada alteração nos preços relativos que um turnover tax, como a CPMF, poderia estar causando na economia brasileira. No mundo global e informatizado não se deve imaginar que os impostos convencionais e ortodoxos gerados na era do papel, dos livros contábeis, das barreiras físicas de transporte e de comunicação, e do isolacionismo político e econômico serão capazes de evitar a generalizada evasão tributária, e de servirem de base para a urgente reforma tributária que o Brasil necessita”.
Não ignoramos, e sim, respeitamos opiniões diversas, e severas crítica existentes contra a CPMF, principalmente com o argumento deque é um tributo que atinge a todos indiscriminadamente e que, com efeito, vai de encontro ao princípio da proporcionalidade, entre outros.
Não obstante ser muito mal vista pelos economistas em razão de que desestimularia operações financeiras, não há que se excluir a possibilidade de uma nova CPMF, em um novo modelo e formato, com faixas de isenção, ou por características especiais do contribuinte, mitigando seus malefícios e potencializando nela o que há de melhor, como a vantagem de ser um imposto não declaratório, universal e insonegável, com alíquotas baixas, mas universais.