Dispõe o § 2º, inciso X, b do art. 155 da CF:
“X. Não incidirá (o ICMS):
...
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica”.
Muita controvérsia doutrinária e jurisprudencial reinei, de início, em torno dessa matéria. Argumentava-se que tributar na entrada, porque vedada a tributação na saída, configuraria uma burla ao preceito constitucional da imunidade.É que tanto a doutrina como a jurisprudência proclamavam que as expressões “não incidência”, ou “isenção”, quando empregadas no texto constitucional, estão a significar imunidade. Argumentava-se, por exemplo, com a imunidade das filantrópicas prevista no § 7º, do art. 195 da CF: “São isentas da contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Essa afirmativa prevalece até os dias atuais, com a exceção adiante mencionada.
Porém, no caso da letra b sob análise o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que não se trata de imunidade objetiva, mas, de não incidência conforme dispõe a própria norma. Entendeu a Corte Suprema que essa não incidência não alcança a compra de combustível para circulação, por configurar uma operação interna, bem como que ela visa beneficiar o Estado consumidor, e não o consumidor final.
Segundo o entendimento do STF a norma constitucional firma, nas operações interestaduais de remessa de derivados de petróleo e outros produtos mencionados na letra b sob análise, a competência do Estado destinatário (onde se dará o consumo do produto) para a arrecadação do ICMS incidente na operação.[1]
Todavia, há dúvida quanto à não incidência na operação de saída do álcool anidro, visto que o texto constitucional se limita a combustíveis derivados de petróleo, que são originários de fontes não renováveis.
Tendo em vista a restrição do texto constitucional vigente, entendo não servir de parâmetro a jurisprudência antiga fundada no art. 21, VIII, da Carta Política antecedente que se referia a “lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos e de energia elétrica”.[2]
Efetivamente, uma coisa é afirmar que o álcool anidro é combustível líquido, outra coisa bem diversa é sustentar que o álcool anidro é derivado de petróleo. É matéria a ser dirimida pela Corte Suprema levando-se em conta não apenas o princípio da igualdade, como também a finalidade da regra de não incidência de favorecer os Estados consumidores.
Uma outra questão bastante controvertida diz respeito ao recente julgamento do STF, que sob a égide de repercussão geral, decidiu, por maioria de votos, que cabe ao Estado destinatário o ICMS decorrente de operação interestadual de fornecimento da energia elétrica a consumidor final, para emprego em processo de industrialização (RE nº 748.543-RS, Rel. Min. Marco Aurélio; relator para Acórdão, Min. Alexandre de Morais, DJe de 10-9-2020).
Essa tese conflita abertamente com o disposto no art. 3º, inciso III, da Lei Complementar nº 87/96, abaixo transcrito:
“Art. 3º. O imposto não incide sobre:
[...]
III – operações interestaduais relativas a energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização”. (grifamos).
Contudo, não foi proclamada a inconstitucionalidade desse preceito da LC nº 87/96, como sugerido pelo Ministro Alexandre de Morais, prolator do voto majoritário, tão porque na causa em julgamento não estava em discussão a constitucionalidade do citado preceito normativo.
Ao que parece, a Corte Suprema confundiu “destinado a consumo” com “destinado a consumidor final”, que é coisa bem diversa. Nesta hipótese finaliza-se a etapa de circulação da mercadoria, ao passo que na destinação da energia elétrica para consumo no processo de industrialização, o valor dessa energia elétrica consumida incorpora-se no preço do produto industrializado que será tributado, desde a fonte produtora até final destinação ao consumidor.
Observe-se, outrossim, que a expressão “consumidor final para emprego no processo de industrialização” é ambíqua. A energia elétrica, no caso, está sendo utilizada como insumo cujo valor é incorporado ao produto novo resultante da industrialização. Diferente quando a energia elétrica é utilizada para iluminar o ambiente industrial.
[1] RE no 358.956-3/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe no 117, divulgado em 26-6-2008 e publicado em 27-6-2008. No mesmo sentido: RE no 198.088, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 5-9-2003; RE no 338.681 – AgRg-ED, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 3-2-2006; RE no 201.703, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-12-2001; AI no 749.431 – AgR, Rel Min. Eros Grau, DJe no 191 de 9-10-2009; AI no 801149, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe no 112, divulgado em 18-6-2010.
[2] RE no 92739/RJ, Rel. Min. Leitão de Abreu, DJ de 12-12-1980, p. 10.582.