SUMÁRIO:
1. INTRODUÇÃO. 2. AGENTE INFILTRADO 2.1 Agente infiltrado na legislação brasileira e a ampliação trazida pelo Pacote Anticrime 3. ANÁLISE OPERACIONAL DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES. 4. ANÁLISE PROCEDIMENTAL DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES. 5. UTILIZAÇÃO E VALOR DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES POLICIAIS. 7. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO.
A Lei n. 12.850/13, responsável por clarear nebulosa ausência legislativa acerca da definição de organização criminosa no Brasil, estabeleceu em seu corpo, diversos meios de obtenção de provas.
Os meios de reunir provas, previstos na Lei n. 12.850/13, em especial a infiltração de agentes e sua operacionalização é merecedora de um aprofundamento teórico, já que se trata de tema tormentoso inserido no contexto do crime organizado, o qual, como se sabe, traz consequências nefastas para a paz social.
Assim, em razão da necessidade de maior eficácia nas investigações que envolvem a criminalidade organizada, a infiltração de agentes policiais mostra-se como importante e interessante meio de obtenção de provas durante a investigação, embora ainda seja, como será visto neste ensaio, muito pouco utilizado no Brasil.
Por todo o exposto, tendo em vista o potencial da infiltração de agentes policiais enquanto meio de obtenção de provas frente a essa criminalidade especializada, esmiuçar os procedimentos trazidos pelo texto legal e analisar as diversas posições doutrinárias, em especial no que diz respeito a validade das provas obtidas, mostra-se como importante esforço para que esta técnica seja efetivamente utilizada e incentivada na investigação de organizações criminosas por parte dos Delegados de Polícia.
2. AGENTE INFILTRADO
Conceitualmente, a infiltração de agentes objeto central do estudo - é uma técnica especial de investigação com caráter sigiloso, aplicada em situações especiais e expressa necessidade de autorização judicial prévia.
Na prática, o agente policial, sem se identificar como tal, se insere na organização criminosa como se fosse um deles, para obter provas que futuramente possam desbaratar a organização, seus planos e ações, ou seus participantes e mandatários.
A respeito desta técnica especial de investigação, Gabriel Habib[1] ensina:
O legislador trouxe a figura do agente infiltrado, por meio do qual permitiu a infiltração do agente de polícia na organização criminosa com o fim de, uma vez dentro da organização, verificar o seu funcionamento, a sua hierarquia, a sua estrutura, o funcionamento da divisão de tarefas, os delitos por ela praticados, os locais onde os seus componentes estão sediados e os locais que eles frequentam etc.
No mesmo sentido Cleber Masson e Vinicius Marçal conceituam:
A infiltração de agentes consiste em um meio especial de obtenção de prova verdadeira técnica de investigação criminal , por meio do qual um (ou mais) agente de polícia, judicialmente autorizado, ingressa em determinada organização criminosa, forjando a condição de integrante, com o escopo de alcançar informações a respeito de seu funcionamento e de seus membros[2].
Sobre o tema, são precisas as lições de Guilherme de Souza Nucci ao afirmar que a infiltração de agentes representa uma penetração, em algum lugar ou coisa, de maneira lenta, pouco a pouco, correndo pelos seus meandros. Tal como a infiltração de água, que segue seu caminho pelas pequenas rachaduras de uma laje ou parede, sem ser percebida, o objetivo deste meio de captação de prova tem idêntico perfil.[3]
No mais, no que tange à sua conceituação, mister descrever as lições de Nádia Martins Bosnich, onde discorre que o agente infiltrado precisa buscar infiltrar-se no alto escalão da organização criminosa, pois a divisão piramidal de funções e poderes, bem como a necessidade de absoluto sigilo para o sucesso dos empreendimentos criminosos, muitas vezes fazem com que aqueles que estejam na base da pirâmide (o chamado exército do crime) não saibam quem é o real líder da organização criminosa, bem como quais são seus propósitos, seus cúmplices e as atividades que desempenham. Desta forma, quanto mais próximo o agente infiltrado estiver do chefe da organização criminosa, mais produtiva será a infiltração, tendo em vista que conseguirá lograr maior quantidade de dados e informações da organização.[4]
Ainda neste contexto, o guia de boas práticas acerca da técnica especial de investigação para o combate ao crime organizado, elaborado pela ONU trata a infiltração de agentes da seguinte forma, em livre tradução:
A utilização de agentes infiltrados apresenta várias vantagens sobre o uso de informantes, tais como a obtenção de informações em primeira mão, bem como a melhor gestão da segurança pessoal e do controle das atividades. Ele também permite a coleta de provas através de gravações de áudio/vídeo, quando permitido pela legislação nacional. No entanto, não se pode esquecer que este meio de prova envolve alto risco e dificuldades inerentes à infiltração. É preciso alertar que o tempo, recurso intensivo, e provas recolhidas por policiais disfarçados podem ser potencialmente inadmissíveis; portanto, considerações específicas devem aplicar-se na implantação de policiais disfarçados em investigações. Por exemplo, ao colocar um policial disfarçado em uma casa segura, uma equipe de plantão, supervisão, avaliação de riscos, estratégia de saída e salvamento operacional devem ser postas em prática. Policiais envolvidos na operação devem ser especialmente treinados para executar operações secretas. Nas operações de migração ilegal, por exemplo, o treinamento deve incluir medidas adicionais de segurança, como se familiarizar com a linguagem e gírias usadas, sem esquecer as particularidades da cultura do grupo de migrantes ou contrabandistas sob vigilância. Houve casos de programas de intercâmbio de oficiais disfarçados entre jurisdições. Desenvolvimento dos agentes secretos devem ser sujeitos à estrita confidencialidade e avaliação de riscos inerentes. Os objetivos das investigações devem ser claramente definidos, com autorização necessária, considerando de suma importância o bem-estar e a segurança dos migrantes[5].
A modalidade probatória de infiltração de agentes, na Legislação Brasileira, começa com a previsão na Lei nº 9.034/95, que, segundo o artigo 2º, em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:
infiltração de agentes da polícia especializada em quadrilhas ou bandos, vedada qualquer coparticipação delituosa, exceção feita ao disposto no art. 288 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, de cuja ação se preexclui, no caso, a antijuridicidade.
Em 2001, por meio da Lei nº 10.217, de 11 de abril, o inciso V, recebeu nova redação, ficando assim definido:
V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.
Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração.
Posteriormente, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), a qual o Brasil ratificou através do Decreto nº 5.015/04, previu em seu art. 20, item I, o instituto do agente infiltrado contra as organizações criminosas, todavia, tratava de uma assertiva genérica, sem pormenorizar (e nem seria este o objetivo da convenção) no que consistiria exatamente esse meio de prova, a configurar mera recomendação, revelando-se inviável, bem por isso, sua imediata aplicação em nosso direito interno[6].
Noutro giro, a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) em seu art. 53, inciso I, tratou de disciplinar a infiltração de agentes, porém, mais uma vez, restou omisso, não se revelando eficazes, tendo muitas dúvidas sobre eles levantadas.
Assim, somente em 2013, com o advento da Lei 12.850/13 com as alterações promovidas pelo pacote anticrime - o instituto da infiltração de agentes, em meio a outros institutos, passou a ser detalhado, quanto aos seus aspectos procedimentais, alcance, prazos, responsabilidades, dentre outros procedimentos importantíssimos.
Referido comando legislativo foi ampliado, em 2019, com a publicação da Lei n. 13. 964/2019 (Pacote Anticrime), onde restou acrescentado o art. Art. 10-A[7], admitindo a ação de agentes de polícia infiltrados virtuais/cibernéticos, com o fim de investigar os crimes praticados por organizações criminosas, desde que, por óbvio - assim como na modalidade presencial - demonstrada sua necessidade e indicados o alcance das tarefas dos policiais, além dos nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas.
Com relação ao prazo, a modalidade de infiltração virtual, igualmente no que ocorre com a infiltração presencial, terá duração de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, todavia, aquela possui um prazo limite de duração, que é de 720 (setecentos e vinte) dias.
4. ANÁLISE OPERACIONAL DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES.
Importa, sem a pretensão de esgotar o tema, por demais controvertido, discorrer, ainda que de forma sucinta sobretudo porque existem, na prática, poucos casos divulgados com publicidade, no Brasil, de infiltração de agentes - sobre a sistemática operacional da infiltração de agentes.
Concernente ao procedimento operacional, Denilson Feitoza Pacheco[8] assevera:
Os serviços de inteligência possuem sólidos conhecimentos sobre operações de inteligência, baseados em regulamentação interna consolidada. A generalidade das leis processuais penais, as quais apenas estabelecem alguns marcos legais, certamente não chegarão no nível de detalhamento e segurança exigidos pelas operações de inteligência. Portanto, o conhecimento e experiência dos serviços de inteligência podem ser aproveitados para as atividades de inteligência criminal. O princípio do devido processo legal significa, dentre outras coisas, a controlabilidade da persecução penal. A maioria dos meios de prova não possuem previsão legal detalhada de sua realização e, no entanto, eles são utilizados, especialmente pelo controle judicial a que são submetidos, pois o juiz é garante dos direitos fundamentais. A observância dos rígidos procedimentos de infiltração já utilizados pelos serviços de inteligência satisfaz, em níveis superiores aos previstos para os meios de prova em geral, às exigências de controle que são impostas pelo princípio do devido processo legal. Desse modo, o planejamento da infiltração, baseado em prévio estudo da situação, deve ser suficientemente rigoroso para se possibilitar a execução e controle da infiltração, bem como sua avaliação contínua e final. O planejamento deve, inclusive, antecipar as possíveis medidas posteriores ao encerramento da infiltração.
Em pesquisa realizada nas poucas obras que tratam do tema, conseguiu-se chegar a uma uniformidade quanto ao número de 8 (oito) fases da operação de infiltração.
Na primeira delas, chamada de recrutamento (captação e seleção) são analisados quais agentes adequam-se nas características necessárias a satisfazer os objetivos institucionais e, posteriormente, são difundidas as informações acerca de suas necessidades, com o intuito de capacitar o infiltrado.
Acerca desta sistemática, Rômulo Macedo[9] leciona:
A primeira chama-se recrutamento, que se divide em duas subfases: captação e seleção. Na captação são analisados quais sujeitos se enquadram nas características necessárias a satisfazer os objetivos institucionais. Já na seleção, a polícia difunde, de maneira restrita, a informação acerca de suas necessidades, com o intuito de capacitar o infiltrado, escolhendo-o dentro de um rol de agentes pré-selecionados e que apresentem características pessoais e profissionais adequadas à investigação.
Para uma segunda fase, chamada de formação, realiza-se uma espécie de curso de formação naquele agente previamente escolhido para o mister, ou seja, uma capacitação básica para o policial desenvolver as qualidades fundamentais de agente infiltrado e que correspondem ao perfil traçado ao agente a ser formado para a infiltração[10].
No que concerne às demais fases, Rômulo Macedo assim discorre:
A terceira fase se chama imersão. Esta serve para formar uma identidade psicológica falsa em um infiltrado previamente designado, já com uma missão concreta, com os objetivos a serem atingidos. A quarta fase é especialização da infiltração. Nesta ocorre o aprimoramento da dimensão operativa de inteligência, com o objetivo de garantir que o agente assuma identidade psicológica falsa de forma a representá-la com o máximo de eficácia. Após isso, inicia-se a infiltração propriamente dita. Nessa fase, o agente terá os primeiros contatos com os integrantes da organização criminosa, por meios táticos já analisados no contexto da atividade de inteligência policial, pois houve previamente um estudo do ambiente e das pessoas com quem o agente se envolveria. A sexta fase é o seguimento. Nele desenvolve-se uma cobertura técnica com a finalidade de preservar a integridade física e psicológica do agente dentro do ambiente criminoso, tendo em vista que já iniciou a identificação de fontes de prova e coleta de elementos de informação sobre a organização criminosa. A sétima fase é a pós-infiltração. É um procedimento tático em que se buscam as melhores alternativas para a saída do agente infiltrado do ambiente criminoso. O ideal é que esta fase esteja associada a um programa de proteção a vítimas e testemunhas, conforme prevê a Lei nº 9.807/99. Por fim, a oitava fase é a reinserção. Ela tem o objetivo reinserir o agente à vida que tinha antes da operação, ajudando-o a recuperar sua verdadeira identidade junto de sua família e no trabalho. Nesse momento, deve haver um acompanhamento médico e psicológico, tendo em vista que o agente permaneceu inserido no seio da organização criminosa por bastante tempo[11].
Muito embora a lei que rege a matéria não seja específica acerca do procedimento operacional adotado[12], é de grande valia que seja realizado, sempre, um planejamento adequado que a doutrina chamou de plano operacional da infiltração[13] - com detalhes de toda operação a ser realizada, a fim de que o Magistrado competente para deferi-la, após manifestação do Ministério público, tome a decisão mais fundamentada possível, evitando posteriores declarações de nulidade.
Seguindo, ainda, nesta linha, o plano deverá conter, também, as espécies de condutas típico-penais que eventualmente o agente infiltrado poderá praticar, dependendo das circunstâncias concretas, dentro da linha restritiva acima exposta. Em outras palavras, o plano deve definir o que o agente pode ou não fazer.
É bom que se registre que o procedimento operacional descrito acima quase nunca ocorre, tendo em vista que o cumprimento das fases elencadas demanda investimento público de recurso financeiro, o que não se vê, infelizmente, em grande parte das polícias do Brasil.
5. ANÁLISE PROCEDIMENTAL DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES. INFILTRAÇÃO PRESENCIAL/TRADICIONAL E INFILTRAÇÃO VIRTUAL/CIBERNÉTICA.
Realizada uma breve síntese operacional da infiltração policial abordar-se-á referida técnica de investigação e de obtenção de meio de provas sob o ponto de vista procedimental, que necessita de um estudo pormenorizado tanto da Lei n. 12.850/13, para tratar da espécie presencial, quanto da Lei nº 13.441/17, para tratar da espécie virtual/cibernética.
A Lei 12.850/2013 tratou da infiltração, por policiais, em atividade de investigação como meio especial de obtenção da prova (art. 3.º, VII) e, em seus arts. 10 a 14, disciplinou pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico o instituto dando-lhe desejáveis contornos procedimentais (legitimidade; exigência de autorização judicial; distribuição sigilosa; prazo de duração; fixação de limites; controle judicial e ministerial; relatórios circunstanciado e parcial etc.) e dotando o agente infiltrado de alguns direitos.
O art. 10 que trata da infiltração de agentes policiais em organizações criminosas estabeleceu:
Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. [...]
§ 2º Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1o e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
É bem verdade que não há, ao certo, um consenso entre os autores quanto à quantidade de requisitos para a infiltração de agentes policiais.
A despeito dessa incongruência quantitativa, o conteúdo mínimo dos requisitos estabelecidos pela doutrina é convergente e está, em sua maioria, ligado às disposições contidas no dispositivo legal acima transcrito.
Alguns doutrinadores, a exemplo de Levy Emanuel Magno e Clever Rodolfo Carvalho Vasconcelos, estabelecem cinco requisitos para a infiltração de agentes policiais em grupos criminosos organizados: (i) prévia autorização judicial; (ii) que os atos típicos da organização criminosa estejam em curso para que sobrevenha a infiltração; (iii) demonstração de necessidade da infiltração; (iv) observância do princípio da proporcionalidade; e (v) sigilo absoluto.[14]
Alguns outros, como Eduardo Araújo da Silva, elencam, tão somente, três requisitos legais para a infiltração de agentes: (i) indícios da prática de crime de participação em organização criminosa; (ii) necessidade da medida; e (iii) estabelecimento dos limites da atuação do infiltrado[15].
Quanto ao principal requisito elencado pelo legislador, qual seja, autorização judicial, tem-se que a mesma deve ser circunstanciada (de maneira a abranger as particularidades do caso concreto, impor limite de duração razoável à infiltração e diretrizes a serem seguidas), motivada (com a exposição de argumentos fáticos e jurídicos que justificam a adoção da providência) e sigilosa (a fim de não colocar em risco a operação e a vida do agente e de seus familiares).
Referido requisito é condição primária para a infiltração de agentes, sem a qual o resultado é a ilicitude das provas obtidas, de forma que deverá conter os fundamentos que justificaram a operação, as circunstâncias que a exigem e os motivos pelos quais foi decretada.
Recomenda-se, ainda, que a autorização judicial relacione as condutas que o agente estará autorizado a praticar, bem como aquelas que lhe serão vedadas, no exercício das atividades de infiltração.
Nas palavras de Masson[16]:
Disso resulta que o magistrado ou o órgão colegiado formado com espeque no art. 1.º da Lei 12.694/2012 , ao deferir a medida, deve estabelecer o local da infiltração (art. 11), ou seja, o campo de atuação (limite espacial) do agente infiltrado, a fim de legitimar a sua presença enganosa junto à organização criminosa, e especificar o prazo (limite temporal) de duração da medida (art. 10, § 3.º), as pessoas (quando possível art. 11) a serem investigadas e as técnicas especiais de investigação de que poderá se valer o agente no cumprimento de seu mister (limites investigatórios).671 Esses são alguns dos limites a serem estabelecidos pelo juiz, por imposição do art. 10, caput, da Lei 12.850/2013. O rompimento desses limites poderá macular os elementos probatórios eventualmente colhidos. Aliás, ilicitude haverá se a atuação do agente policial for intrinsecamente antiética ou ilegal, o que vem sendo chamado na doutrina de conduta ultrajante do Estado. A título de exemplo, imaginese que o policial infiltrado obtivesse uma prova central para o deslinde do caso investigado mediante a prática de tortura ou por meio da realização de interceptação telefônica não autorizada judicialmente. A ação policial ultraja os valores pétreos da dignidade humana e do devido processo legal de tal modo que o reconhecimento da sua ilicitude é medida de rigor.
Acerca do requisito da autorização judicial detalhada e minuciosa, Ana Luiza Almeida Ferro[17] apontando uma crítica à legislação pátria, aponta:
O que nos parece importante é destacar que a autorização inicial de uma operação encoberta mediante a utilização de infiltrados, deverá desenhar o campo de atuação do agente policial, legitimando sua presença enganosa junto à organização criminosa, especialmente com referência ao prazo de duração da investigação, aos delitos que serão objeto de investigação e quais as pessoas apresentam indícios de pertencerem ao grupo delitivo. Por fim, vale mencionar que o legislador brasileiro poderia ter se inspirado no art. 282 bis, 3, da Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola, que prescreve que quando as atuações de investigação possam afetar a direitos fundamentais, o agente infiltrado deverá solicitar ao órgão judicial competente, as autorizações que, a respeito, estabeleça a Constituição e a lei ordinária, assim como cumprir as demais previsões legais aplicáveis. Percebe-se que na citada legislação estrangeira, o magistrado possui a oportunidade de analisar previamente quais seriam os eventuais direitos e garantias do investigado que poderão ser violados ou mitigados, emitindo-se assim, uma resolução na forma de autorização, muito próxima de um viés garantista.
Tem-se, ainda, como requisito para o deferimento de infiltração de agentes, que os atos típicos da organização criminosa estejam em curso para que sobrevenha a infiltração.
Os doutrinadores explicam que esse requisito é fundamental, sob pena de, não estando em curso referidos atos, o agente infiltrado passar a funcionar como agente provocador de crimes, produzindo a figura do flagrante preparado e contaminando as provas colhidas de nulidade[18].
No que tange ao requisito da necessidade da medida, que também se encontra no § 2º do artigo 10 da Lei nº 12.850/2013, tem-se que a aplicação da infiltração de agentes deve ser vista como ultima ratio probatória (caráter subsidiário deste meio de prova em relação aos demais), ou seja, se existir qualquer outro meio investigatório à disposição e menos gravoso que se mostre suficiente para a finalidade buscada pela investigação, o juiz não deve optar pela concessão da autorização para a infiltração.
Dentro deste contexto, novamente Masson[19] alerta que:
Em função do princípio da necessidade (necessità del provvedimento), apresentado como uma das facetas do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, estabelece-se a imposição de se utilizar o meio que menos interfira em um direito fundamental. Assim, se as provas podem ser conseguidas com a interceptação das comunicações telefônicas de um ou mais membros da organização criminosa, por que violar mais drasticamente e, por vezes, por mais tempo, a intimidade dos investigados com a infiltração policial? Destarte, acreditamos que, ordinariamente, a infiltração deve ser precedida de outros meios de prova, ainda que também invasivos, como as interceptações de comunicações telefônicas e de dados, buscas e apreensões etc
Ainda, segundo o escolio de Ana Luzia Almeida Ferro[20]:
Inovou a nova Lei, ao condicionar o deferimento da infiltração à comprovação prévia, por parte do órgão requerente, do esgotamento de outras formas de investigação, menos lesivas a direitos fundamentais daquelas pessoas investigadas. Como toda atividade que pode resultar em restrições ou flexibilizações de direitos e garantias fundamentais, a atuação do agente infiltrado deverá ser marcada por alguns limites. Um dos maios importantes está referido à obediência ao critério da ultima ratio, o qual impõe o emprego desse meio extraordinário de investigação, como último recurso a ser utilizado, depois de esgotadas todas as outras formas possíveis de obtenção de provas, já amplamente utilizadas pelas autoridades de persecução criminal, a exemplo das interceptações telefônicas, das buscas e apreensões, da produção de prova testemunhal, etc.
Em suma, o instituto da infiltração de agentes somente será colocado em prática, quando inviável outras vias ordinárias de produção de prova.
Com relação ao alcance da operação (limites da atuação do agente infiltrado), segundo o doutrinador Rômulo Macedo, o mandado judicial de infiltração pode conter autorização extensiva expressa para que o agente, em condições favoráveis e sem risco pessoal, apreenda documentos, de papéis a arquivos magnéticos. Durante a operação é bem provável que o agente infiltrado tenha que se utilizar de outros meios investigativos, como escutas e filmagens ambientais, captação de áudio e vídeo, dentre outros. Flávio Maltez Coca descreve outras situações que possam surgir e que devem constar no alcance da operação, tais como tirar fotos de pessoas e veículos, ter acesso a agendas, instalar equipamentos de geolocalização, etc. Descreve-se ainda que possa haver necessidade de acessar dados de celulares dos investigados, verificando a agenda, últimas ligações, com intuito de colher números para que seja solicitada interceptação telefônica, bem como ver mensagens de rede sociais como Telegram, WhatsApp, Facebook etc[21].
Assim, todas as possibilidades previamente levantadas nas fases iniciais da infiltração devem constar na solicitação à autoridade judiciária competente, para que determine os limites de atuação do agente e se pronuncie desde o início com relação a outros procedimentos investigatórios.
Com relação ao relatório circunstanciado, existe divergência na doutrina acerca do momento de sua apresentação, uma defendendo que deve ser apresentado um relatório para cada término de período, enquanto a outra corrente advoga a tese no sentido de que o relatório deve ser apresentado somente ao final de toda a operação ou a qualquer tempo, mediante determinação do Delegado de Polícia ou do Ministério Público (Art. 10, §§2º e 3º da Lei nº 12.850/13).
No que tange ao sigilo absoluto, importante destacar a necessidade de uma ação conjunta entre o Delegado de Polícia, o Ministério Público e o Magistrado, no sentido de preservar o caráter sigiloso da infiltração, para tanto, o Delegado deverá reduzir, ao máximo, o conhecimento acerca da operação a ser desencadeada. Destarte, somente os agentes que efetivamente forem empregados na missão poderão tomar conhecimento da infiltração e da representação junto ao Poder Judiciário[22].
No trâmite do requerimento de infiltração policial, somente o servidor que será empregado na missão é que poderá ter acesso às peças sigilosas[23], o que se aplica, igualmente, ao Poder Judiciário, o qual deverá criar mecanismos internamente com o fim de evitar que se vazem informações acerca da operação policial, e desta forma se efetive da melhor forma possível à infiltração.
Por derradeiro, tem-se, ainda, o prazo de duração da medida, pois, ao contrário do que ocorria na Lei nº 9.034/9539 e na própria Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), a já citada Lei nº 12.850/2013 inovou no ordenamento jurídico ao estabelecer um prazo de autorização para atuação do agente infiltrado.
Ou seja, com a nova lei, o prazo de duração da medida passou a ser de 6 (seis) meses, período em que o agente policial deverá se ambientalizar com os membros da organização criminosa e estabelecer vínculos de confiança com os mesmos, tudo com o fito de colher provas para instrução do inquérito policial[24].
É importante esclarecer que, muito embora a lei tenha restado omissa, não há limite para as renovações[25] conforme arremata Ana Luiza Almeida Ferro[26]:
Resta prevista a possibilidade de eventuais renovações. Fato é, que ao não se delimitar o número máximo de renovações, acabou o legislador por deixar dito, ao menos implicitamente, que poderão ser vários os pedidos de prorrogação do prazo para se findar a infiltração. Poderá ser justificada esta ampliação do tempo de duração, em razão de que o infiltrado não haja conseguido dentro do lapso temporal previsto, colocar em prática todo seu trabalho, necessitando de mais tempo para se obter as informações imprescindíveis para o êxito da operação () Em nossa opinião, inclusive, quando da prorrogação, desde que o magistrado fundamente sua decisão, apontando as razões que o motivaram, poderá dispor sobre um prazo além dos 06 (seis) meses previsto no § 3º.[27]
No referente à infiltração na modalidade virtual, também chamada de cibernética regulamentada pelo pacote anticrime muito dos requisitos para seu deferimento assemelham-se àqueles contidos para a infiltração presencial/tradicional, acrescentando-se, tão somente, requisitos no que tange aos dados de conexão e dados referentes a nome e endereço do usuário registrado ou autenticado.
6. UTILIZAÇÃO E VALOR DAS PROVAS OBTIDAS PELO AGENTE INFILTRADO NAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS.
Analisar-se-á, neste capítulo - objeto central e paradigma do presente trabalho - a utilização e o valor das provas obtidas pelo agente infiltrado nas organizações criminosas.
Trata-se de tema tormentoso, em razão da ausência de material legislativo sobre a matéria, de forma que restou à doutrina e aos poucos julgados existentes acerca dessa temática, procurarem soluções para as questões atinentes à validade probatória[28].
Acerca da pouca utilização do instituto do agente infiltrado e, consequentemente, da quase inexistência de material didático, doutrinário e jurisprudencial, a Juíza da 6ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, no Seminário Crime Organizado: Mecanismos de combate e reflexos no Estado Democrático de direito, realizado pelo TJRJ, salientou que além de ser pouco debatida, a infiltração como método de investigação é pouco utilizada.
Disse, ainda, a Magistrada, nunca ter autorizado o instrumento e que nunca lhe foi solicitado o uso de agente infiltrado em uma investigação[29].
Pois bem. Antes mesmo do advento da Lei nº 12.850/13, havia posicionamento doutrinário advogando a tese no sentido de que as provas que decorressem da infiltração de agentes, seriam provas ilícitas, pois violariam o direito constitucional à intimidade, mormente diante da falta de amparo legal que tratasse do instituto de forma objetiva e clara.
Dentro deste contexto, Maria Jamile[30], em sua tese de Mestrado em Direito, defendendo este posicionamento, questiona:
as provas obtidas por meio da infiltração policial são sempre fruto do engodo. O infiltrado angaria provas ao manter o investigado em um estado ilusório, fazendo-o acreditar que é alguém que, na realidade, não é. Assim sendo, podem ser tais provas valoradas por um juiz e, ainda, servir de alicerce a uma sentença condenatória?
Referido entendimento não poderia ser aceito apenas pelo fato de restringirem determinados direitos fundamentais do acusado.
Ora, entre prestigiar a intimidade de delinquentes que se organizam para operar crimes e proteger a sociedade alavancando a investigação de atos ilícitos, prevalecerá, a nosso ver, o interesse público.
É neste sentido, inclusive, que se aplicará o princípio da proporcionalidade, o qual estabelece que numa situação de oposição entre dois princípios constitucionais há de preponderar o de maior peso.
Entre a intimidade do indivíduo (art. 5º, X, CF) e o direito a segurança social e coletiva (art. 5º, caput, CF), o último ostenta maior dimensão e deve ser privilegiado.[31]
Ocorre que, inobstante toda esta discussão acerca da legalidade ou não das provas obtidas pelo agente infiltrado, adveio o tratamento legal da matéria, trazida pela Lei nº 12.850/13, a qual disciplinou o instituto como meio especial de obtenção de prova, de maneira que não há mais falar em qualquer ilegalidade nos atos praticados pelo agente, desde que, por óbvio, obedeçam os trâmites legais pertinentes à espécie, muito embora o legislador não tenha disposto sobre qual a validade/dimensão/valor que as provas obtidas por meio de infiltração policial poderiam alcançar.
Acerca da valoração da prova colhida na técnica de investigação do agente infiltrado, Marlon Souza explica que o exame da valoração da prova colhida pelo agente, é visto como perfeitamente válido e aplicável às operações de infiltração policial em organizações criminosas, observando as teorias gerais previstas no Código de Processo Penal acerca da convalidação da prova (descoberta inevitável e fonte independente)[32].
Ainda sobre a validade das provas obtidas por meio do agente infiltrado, Sérgio Ricardo de Souza[33] ensina:
Embora tenha avançado significativamente, a exemplo da legislação anterior e principalmente da revogada Lei 9.034/90, a Lei 12.850/13 não regulou, e dificilmente conseguiria fazê-lo, de forma integral as regras alusivas à captação e posterior introdução no processo, das provas obtidas através do agente infiltrado. A omissão do legislador brasileiro terá de ser suprida pela construção doutrinária e jurisprudencial, inclusive com auxílio do direito comparado. () Parece fora de dúvida que estando a atuação do agente infiltrado autorizada por lei e visando ela especialmente a propiciar aos órgãos de segurança do Estado meios mais eficazes no combate às organizações criminosas, que tantos malefícios tem imposto à sociedade em geral, aquelas provas que forem obtidas sem afronta as garantias de privacidade das pessoas investigadas ou à sua dignidade enquanto pessoas humanas (art. 1º, III) podem ser validamente utilizadas, como seria o caso de através de uma conversa, direta ou não, o agente ficar sabendo o local onde são guardados os produtos do crime, ou o depósito onde estão as drogas, ou ainda o banco onde são feitos os depósitos, bem como o nome de outros integrantes do grupo criminoso etc.
Da mesma forma Rafael Pacheco[34] ao tratar do assunto, leciona que:
O fato é que, se as dúvidas referentes ao uso da infiltração policial forem maiores do que as certezas, se nenhum relato concreto tiver sido feito pela autoridade policial, se nenhuma descrição tiver sido feita dos contatos estabelecidos, se nenhuma indicação tiver sido fornecida pela instância de controle formal, enfim, se não houver elementos nos autos que permitam estabelecer a existência de orientação judiciária na aferição das vantagens e desvantagens de uma intervenção dessa natureza, não haverá como conceder valor probatório ao feito. Mas, em sentido contrário, no caso de o agente infiltrado atuar com plena observância das garantias legalmente estabelecidas, sua atuação será válida e as provas derivadas também gozarão de validez, pois a licitude dessas provas decorre da expressa disposição legal que autoriza a infiltração como meio de investigação.
Muito embora sejam consideradas válidas as provas obtidas, observadas as regras legais, através da técnica da infiltração de agentes, é importante salientar que referidos elementos probatórios não podem, sozinhos, ensejar uma condenação, eis que é imperioso e necessário que sejam conjugadas com os demais elementos de prova produzidos em juízo.
Assim, por ser a infiltração de agentes mero instrumento probatório, por ser apócrifo, é extremamente recomendável a combinação da infiltração de agentes com a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (técnica especial prevista no artigo 3º, II da Lei 12.850/2013), com o uso de equipamentos de filmagem ou captação de conversas.[35]
Maria Jamile destaca:
tem-se que apenas a prova obtida pelo agente infiltrado, de maneira isolada, não serve para embasar uma sentença condenatória. Para que possa subsidiar uma condenação, deve estar ela acompanhada de outros elementos de prova que a corroborem[36].
Referido entendimento vem corroborado por decisão do Superior Tribunal de Justiça, lançada no HC nº 47.188 RJ, in verbis:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROVAS OBTIDAS POR MEIO DE AGENTE INFILTRADO. DISCUSSÃO ACERCA DA LICITUDE DAS PROVAS. APELAÇÃO PENDENTE DE JULGAMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O recurso de apelação detém efeito devolutivo amplo, cujo âmbito de cognição permite que o tribunal ad quem examine, com profundidade, todo o conjunto probatório colhido durante a instrução criminal. Assim, em princípio, a apelação é a via processual adequada para a impugnação de sentença condenatória recorrível, pois é esse recurso que devolve ao tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria dos autos, permitindo a reapreciação de fatos e de provas.
2. O Tribunal de origem deixou de conhecer do habeas corpus lá impetrado, não só porque o writ era substitutivo de recurso próprio (no caso, de apelação), mas também porque, ao analisar o tema trazido na inicial da impetração, não evidenciou a ocorrência de nenhuma ilegalidade manifesta a ensejar a concessão de habeas corpus, de ofício.
3. Não há, no ato aqui impugnado, teratologia ou error in judicando que justifiquem a concessão, ex officio, da ordem de habeas corpus, sobretudo porque, à primeira vista, a condenação do recorrente pelo crime de associação para o tráfico transnacional de drogas encontra-se alicerçada também em outros elementos de prova colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
4. Ainda que a sentença condenatória, no que se refere ao crime de associação para o tráfico de drogas, esteja apoiada em provas remetidas pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal de Portugal as quais foram obtidas por intermédio de infiltração de um agente de nacionalidade portuguesa no País (com pseudônimo de Antonio) , não se pode olvidar que a análise, por este Superior Tribunal, da alegada ilicitude dessas provas relacionadas à medida cautelar de infiltração, enquanto pendente de julgamento o recurso de apelação pela Corte regional, implica, efetivamente, ostensiva supressão de instância.
5. Recurso em habeas corpus não provido. (destaque nosso)
Destarte, questão fundamental a ser levantada, ainda, acerca da validade das provas obtidas por meio da infiltração policial, é sobre a possibilidade do agente infiltrado induzir ou macular a voluntariedade na conduta delitiva do autor dos fatos.
É pacífico o entendimento no sentido de que não pode o agente infiltrado fazer nascer no alvo o intuito delitivo ao contrário do que ocorre com o agente provocador de forma que a vontade deste tem que ser preexistente, sob pena de restar totalmente maculada e incidir na hipótese de crime impossível, a teor da Súmula 145 do STF.
A propósito, é neste sentido o Enunciado 4, da I Jornada de Direito e Processo Penal, no seguinte teor:
Não fica caracterizado o crime do inc. IV do § 1º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, incluído pela Lei Anticrime, quando o policial disfarçado provoca, induz, estimula ou incita alguém a vender ou a entregar drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à sua preparação (flagrante preparado), sob pena de violação do art. 17 do Código Penal e da Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal.
Rafael Pacheco, dando um norte hermenêutico acerca do tema doutrina:
O que realmente importa para legitimar a ação e determinar a validação da prova produzida pelo agente infiltrado é que ele não induza e não instigue os sujeitos envolvidos a praticarem crimes que de outro modo não praticariam[37].
Ainda, segundo Damásio E. de Jesus:
Considerando os diversos tipos de comportamento que o agente infiltrado pode ter em uma organização criminosa, é possível concluir que a prova somente poderá ser considerada ilícita nos casos nos quais o agente induz o sujeito provocado a praticar a infração penal, ou seja, quando o seduz enganosamente para o cometimento do delito. A violação de direitos fundamentais nesse caso não constitui restrição legítima como antes afirmado, mas implica, sim, total esvaziamento do seu conteúdo essencial, mostrando-se absolutamente desproporcional e igualmente intolerável qualquer aceitação. Nos demais casos, a prova provocada é perfeitamente válida, já que não se verifica nenhum comportamento decisivo ou determinante do agente em relação à vontade do integrante ou dos integrantes do grupo criminoso[38].
Nessa esteira, invoca-se, também o ensinamento de Viviane Afonso Zanin[39]:
Agindo em infiltração policial devidamente autorizada judicialmente, dentro dos limites estabelecidos pela lei e pela autorização conferida pelo magistrado, os objetos de provas colhidos pelo agente infiltrado deverão ser valorados como qualquer outra prova na instrução231. Noutro giro, se o agente infiltrado agir em operação não autorizada judicialmente, ou, no caso de autorizada, executá-la indevidamente, ter-se-á como resultado a invalidade da infiltração e, consequentemente, a ilicitude das provas dela advindas. Isto porque a ilicitude na execução da infiltração de agentes contamina todas as provas que dela sejam derivadas, em consonância com a teoria dos frutos da árvore envenenada.
Diante disto, verifica-se que o instituto do agente infiltrado como meio de investigação em organizações criminosas para o colhimento de provas, apesar de ser de grande utilidade e elucidar muitas vezes quem está realmente liderando estes grupos criminosos organizados, não poderá, assim como ocorre com a colaboração premiada, por si só, valer-se como fundamento para uma condenação criminal, pelo fato de carecer do princípio do contraditório constitucional, e tendo como fundamento o art. 155, do Código de Processo Penal, que disciplina que o Magistrado não poderá formular sua convicção apenas com as provas obtidas pelo meio investigativo.[40]
Em linhas gerais, uma vez obedecidos os limites impostos pelo magistrado, bem como observados os requisitos e procedimentos estabelecidos pela Lei nº 12.850/13, não há que se falar na ilicitude das provas obtidas pela infiltração de agente, pelo contrário, sua utilização é recomendável e deve ser incentivada, sobretudo porque totalmente albergada pela legislação específica e pela Constituição Federal.
7. CONCLUSÃO.
É consabido que criminalidade organizada emerge sem fronteiras ou freios, fugindo ao controle estatal, cujos métodos tradicionais de combate à criminalidade já se revelaram antiquados e ineficazes ante a essa nova sistemática organizada de crimes que se espalha por diversas áreas.
Dentro deste contexto, a figura do agente infiltrado, sem dúvida, é de grande valia para a elucidação de crimes de grande impacto social, como os praticados pelas organizações criminosas.
Através deste trabalho é possível verificar o quanto poderoso é a infiltração de agentes, sobretudo quando obedecido, estritamente, o plano operacional de infiltração, bem como o procedimento legal que rege à espécie, os quais, se devidamente obedecidos, a prova obtida diante deste meio especial de obtenção de prova poderá ser utilizada como parâmetro para uma condenação criminal, desde que esta esteja acompanhada de outros elementos de provas que se infira o contraditório e corroborem com as provas obtidas em sede de infiltração, como qualquer outro elemento investigativo.
Ou seja, obedecidos os limites impostos pelo magistrado, bem como observados os requisitos e procedimentos estabelecidos pela Lei nº 12.850/13, a infiltração de agentes é recomendável e deve ser incentivada, sobretudo porque totalmente albergada pela legislação específica.
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MACEDO. Rômulo. Op. Cit.
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Macedo. Rômulo. Op. cit.
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Vale destacar que no caso de uma infiltração virtual algumas das fases citadas podem ser suprimidas ou podem ocorrer de forma mais rápida, tendo em vista que o policial não terá contato direto com os investigados e, normalmente, não terá sua imagem revelada.
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Denilson Feitoza Pacheco assevera que o plano operacional da infiltração plano deverá conter: Situação (elementos fáticos disponíveis, alvo e ambiente operacional), missão (objetivo da infiltração, provas a serem obtidas), especificação dos recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, treinamentos necessários, medidas de segurança da infiltração a serem observadas, coordenação e controle precisamente definidos com a pessoa de ligação, prazos a serem cumpridos, formas segura de comunicação, restrições etc. O plano de infiltração, no processo penal, deverá conter as espécies de condutas típico-penais que eventualmente o agente infiltrado poderá praticar, dependendo das circunstâncias concretas ...
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CONSERINO, Cassio Roberto; VASCONCELOS, Clever Rodolfo Carvalho; MAGNO, Levy Emanuel (Orgs.). Crime organizado e institutos correlatos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 82/83
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SILVA, Eduardo Araujo da. Crime organizado: procedimento probatório. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p 94/95
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MASSON, C.; MARÇAL, Op. cit.
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FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime organizado e organizações criminosas mundiais. Editora Juruá. 2009, p. 207.
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ZANIN. Viviane Afonso. A Infiltração de agentes policias como meio de obtenção de provas contra o crime organizado: Uma análise à luz da Lei n. 12.850/2013. Monografia apresentada à UFPR. Curitiba.: 2015. p. 33.
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MASSON, C.; MARÇAL, V. Op. cit.
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FERRO. Ana Luzia Almeida. Op. cit. p. 202.
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MACEDO, Rômulo. Op. cit.