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A forca e a atual lógica democrática norte-americana

02/02/2007 às 00:00
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No último dia 30 de dezembro houve o desfecho da, parafraseando Garcia Marques, crônica de uma morte anunciada. Saddam Hussein, ex-presidente Iraquiano, deposto por força das armas pelos Estados Unidos da América, foi executado. A forca foi o destino imposto ao homem que governou um país que, até a invasão americana, se constituía em um dos mais bonitos, ricos e organizados do planeta.

A pretexto de combater armas de destruição em massa, que o Iraque nunca possuiu e que o governo norte-americano a toda evidência sempre soube que este não possuía, foi invadido o Iraque e absolutamente destruído o País, sendo levado aos escombros, produzindo-se atos de violência sexual em massa contra as mulheres iraquianas pelas forças invasoras, desenvolvendo-se uma indústria de torturas comparável aos momentos mais trágicos da Santa Inquisição.

Apesar da evidente verificação da ausência das referidas armas de destruição em massa no Iraque, ocorreu um silêncio mundial em relação aos massacres que se desenvolveram, de um lado pelo temor coletivo de, em eventual represália pela manifestação de um posicionamento crítico, também ser alvo de ações militares ilegítimas, como a que vitimou os cidadãos iraquianos; de outro pelo bombardeio ideológico produzido por parte dos veículos de comunicação de massa, com o objetivo de fazer crer que os Estados Unidos lutavam para trazer a democracia a um povo oprimido, embora este em momento algum tivesse pedido ajuda e tenha ido às ruas lutar em defesa de seu Presidente deposto.

O enforcamento de Saddam Hussein, além de um grosseiro espetáculo do atraso humano, representou a fixação da atual lógica democrática americana, qual seja, a clara fixação de que a democracia real passa longe da estrutura de poder hoje existente nos Estados Unidos da América, não sendo mais que um instrumento de uso retórico para justificar o emprego da força contra aqueles que se contrapõe aos interesses econômicos norte-americanos ou contra a vaidade yankee.

Lembre-se que Saddam Husseim foi condenado à morte por um Tribunal de exceção, em um julgamento sem defesa efetiva, executado com filmagem e guardas a hostilizá-lo no momento derradeiro, tudo para ensinar ao mundo Democracia.

A Democracia é assentada, necessariamente, nos postulados fundamentais da pessoa humana, entre os quais insere-se o repúdio à pena capital, que rebaixa o condenado de sua condição fundamental de ser humano para a posição de objeto, a servir de instrumento para a vingança dos detentores do Poder em determinado tempo.

A garantia de ampla possibilidade defensiva também se constitui em elemento central da estrutura democrática. Todo aquele que restar acusado pelo Estado deve ter mecanismos efetivos de contrapor a força do ente estatal dentro da racionalidade do processo. Lembre-se que os Advogados de Saddam Hussein foram proibidos de falar e apresentar provas e os três que desafiaram tal ordem do invasor do Iraque foram, coincidentemente, no mesmo dia em que se manifestaram em defesa do ex-presidente Iraquiano, assassinados em condições que o Tribunal considerou de difícil explicação e que não foram objeto de nenhuma investigação.

O Tribunal que julgou Saddam Hussein foi constituído por Juízes de grupos de oposição direta ao antigo Presidente Iraquiano, após os fatos pelos quais ele foi julgado, por pessoas indicadas pelo Estado que invadiu o Iraque e depôs o Presidente pela força das armas e o único Juiz que se manifestou em dúvida quanto à forma como se desenvolvia o processo foi imediatamente afastado.

Algumas reflexões sobre os fatos pelos quais Saddam Hussein foi julgado também merecem ser desenvolvidas. Reflita-se que Saddam Hussein foi condenado pela morte de xiitas na fronteira com o Irã, no auge dos conflitos que Irã e Iraque travavam. Será que as pessoas já esqueceram das comprovadas ligações do governo Norte-Americano, com o envio de armas, inclusive químicas, ao governo Iraquiano do então Presidente Saddam Hussein para o enfrentamento do Irã e extermínio dos movimentos extremistas Islâmicos Xiitas, em especial na fronteira com o Irã, temidos pelos Estados Unidos pela sua vocação à construção de um Estado Socialista Teocrático nos moldes Iranianos?

Quando se fala em terrorismo e violência no Oriente-Médio, ademais, deve-se ter viva a memória do escândalo conhecido como "Irã-Contras", com claro envolvimento do então Vice-Presidente dos Estados Unidos, ninguém outro que George BUSH (o pai), com o financiamento do terrorismo internacional com dinheiro proveniente da venda ilegal de armas pelo governo americano para os movimentos extremistas iranianos, ou seja, o governo americano distribuiu armas para ambos os lados do conflito Irã-Iraque, fomentando a matança na região e o terrorismo internacional em um único ato. Interessa observar, sobre o Irangate, ainda, que em 24 de dezembro de 1992, no ocaso de sua administração, já como Presidente, George BUSH perdoou todos os envolvidos no escândalo, sendo que alguns deles se tornaram os principais conselheiros militares da administração de seu filho George W. BUSH.

Desta forma, é claro que, em sendo verdadeiros os fatos que motivaram a condenação de Saddam Hussein, é inegável o envolvimento direto do governo Norte-Americano nos mesmos, financiando as mortes que agora tenta fazer de justificativa para mais mortes.

Vale destacar que houve recusa da entrega de Saddam Hussein para ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional, sendo forçado o seu julgamento pelo Tribunal ad hoc, que se criou no Iraque após o golpe que o conduziu ao aprisionamento, sendo durante todo o período de seu julgamento, mantido em lugar secreto, sob a custódia das forças norte-americanas.

Saddam Hussein talvez tenha cometido crimes contra a humanidade, certeza não há e nunca existirá, pois as máculas que contaminaram seu julgamento, a evidente manipulação dos veículos de comunicação de massa, nunca permitirão que se saiba se alguma das acusações contra ele feitas é verdadeira. Não se pode, porque um determinado telejornal afirmou, imaginar que corretos sejam os fatos, até porque não é escondido de ninguém que nos países ocidentais, uma parte dos veículos de comunicação de massa simplesmente repete as notícias das principais redes americanas, que em assuntos delicados limitam-se a ler os relises encaminhados pela Casa Branca.

A imprensa é fundamental para o crescimento de um País e merece toda a respeitabilidade, porém veículos de comunicação, com seus cerca de 50 (cinqüenta anos), quando muito, ligados diretamente ao governo americano, que se constituem na principal fonte de informação mundial sobre assuntos de interesse do momentâneo "Estado Nacional Texano", seguramente não podem se julgar conhecedores da verdade absoluta para decidir de forma inquestionável o que é mais saudável para os árabes do planeta, cuja cultura já se desenvolve há bem mais de 2.000 (dois mil anos). Decidindo inclusive que é saudável matá-los para ajudá-los, como em 2006, que, segundo o relatório da ONU, publicado em 16 de janeiro de 2007, foi a produzida a morte, em apenas um ano, do assombroso número de 34.452 (trinta e quatro mil, quatrocentos e cinqüenta e duas) pessoas no Iraque.

Não se pode afirmar que Saddam Hussein não deveria ser condenado por crimes contra a humanidade, assim como não se pode dizer que devesse, porém é seguro afirmar que não poderia ter sido julgado como foi e executado da maneira cruel com que se desenvolveu sua agonia final.

É seguro que o povo Iraquiano não merecia sofrer a carnificina que lhe foi imposta por BUSH filho, para vingar a derrota eleitoral em 1992 de papai BUSH, no pós-guerra do Golfo. Como é certo afirmar que se julgamento deveria sofrer Saddam Hussein, por crimes contra a humanidade, melhor sorte não socorre ao atual Presidente Norte-Americano, que não mede esforços e vidas na sua luta para o reaquecimento da indústria bélica e de construção civil de seu País, primeiro destruindo Nações independentes pela força das armas, depois determinando a reconstrução delas pelas empreiteiras Norte-Americanas.

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Está se produzindo muito sangue inocente para o conforto econômico de poucos. Tudo em nome da Democracia. Mas que Democracia? A da forca? A das Cortes de exceção? A dos estupros?

Vale lembrar que a sociedade norte-americana muito edificou, no passado, em prol dos direitos civis. É inegável a contribuição que governos de vertente mais avançada no comando da maior potência do mundo trouxeram para o crescimento de países mais pobres e com necessidade de grande impulso desenvolvimentista.

Os Estados Unidos se constituem no grande império dos tempos atuais e tem, em seu corpo social, pessoas de intelectualidade ímpar, vanguardistas das liberdades e da igualdade. Não há dúvidas que muitos estadunidenses realmente acreditam no melhor do sonho americano e na igualdade entre os homens, bem como no poder de auto-afirmação dos povos, que foram a base da criação de seu País e não concordam com a forma como tem administrado o clã BUSH.

O Império Romano se constituiu no maior Império da história, teve os irmãos Graco, Senadores Romanos, os primeiros que se têm notícia a organizar um processo de reforma agrária e distribuição de riquezas, contudo lembre-se Roma também teve NERO.

NERO produziu o incêndio de Roma tocando e ouvindo o som doce das harpas. BUSH produziu a destruição do Iraque também tocando sua harpa, o discurso da Democracia, mas não se deve esquecer que a atual lógica democrática americana, em que tudo se justifica em prol do enriquecimento dos já ricos banqueiros, fabricantes de armas e empreiteiros estadunidenses não representa o que efetivamente deve ser entendido por Democracia, tampouco o que o próprio povo americano forjou como a Democracia que deseja viver.

O enforcamento de Saddam Hussein ensinou, sem dúvida, muito, mas, sobretudo, ensinou que a atual lógica democrática americana não serve ao seres humanos no presente estágio da evolução e nem todo o dinheiro do mundo, para manipular algumas fontes de informação de massa, servirá para fazer as pessoas deixarem de ver o óbvio, que tudo o que se tem dito nos últimos anos sobre o Iraque e outras nações que cometem o "grave pecado" de contrariar os interesses econômicos norte-americanos não passa de uma farsa.

E esta farsa não é aceitável, porque reduz os mais importantes sentimentos humanos ao utilitarismo econômico das nações mais poderosas, dando razão às palavras de Don Rigoberto, retratado na obra Vargas Llosa, quando diz "O patriotismo, que, em realidade, parece uma forma benevolente de nacionalismo — pois a ‘pátria’ parece ser mais antiga, congênita e respeitável que nação, ridícula engenhoca político-administrativa manufaturada por estadistas ávidos de poder e intelectuais a cargo de um senhor, quer dizer de mecenas, que dizer de tetas predispostas a succionar, é um perigoso mas efetivo álibi para as guerras que dizimaram o planeta não sei quantas vezes, para os interesses despóticos que consagraram o domínio do forte sobre o fraco e uma cortina de fumaça igualitarista cujas prejudiciais nuvens indiferenciam os seres humanos e os colonizam..."

A farsa do atual discurso de demonização dos críticos aos posicionamentos econômicos norte-americanos não se aceita porque se vale da Democracia, como Don Rigoberto de Vargas Llosa observou, ao tratar da apropriação da noção de pátria, para criar um álibi para as guerras que dizimam a humanidade. Repita-se, só em 2006 morreram, no confronto criado pelo governo americano no Iraque, 34.452 (trinta e quatro mil, quatrocentos e cinqüenta e duas) pessoas.

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Sobre o autor
Adel El Tasse

Professor de Direito Penal em cursos de graduação e pós-graduação, professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná e no Curso Cers, mestre e doutor em Direito Penal, coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais e do Núcleo de Estudos Avançados em Ciências Criminais e membro do Conselho de Direitos Humanos do Município de Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL TASSE, Adel. A forca e a atual lógica democrática norte-americana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1311, 2 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9454. Acesso em: 26 dez. 2024.

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