Não é não! Uma análise processual penal sobre o assédio

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Atualmente muito se fala sobre questões de assédio contra mulheres em diversos âmbitos da sociedade, seja em festas, como o pré-carnaval, ou no local de trabalho. Apontou-se na cena 01 o caso do bloco de pré-carnaval de rua Só Safados, que reuniu milhares de foliões com intuito de se divertir e extravasar, mas que ocasionou em alguns casos traumatizantes de assédio, como relatado pelo jornal O Imparcial. No caso 03, houve no último ano e na última cerimônia do Oscar muito debate acerca dos casos de estupro e assédio na indústria cinematográfica, crescendo e tomando proporções inimagináveis através das hashtags compartilhadas nas redes sociais, como a #metoo e a #BalanceTonPorc, incentivando milhares de mulheres ao redor do mundo a denunciar casos de assédio e estupros sofridos no seu ambiente de trabalho. Há também aqueles, principalmente homens, que em vez de ajudar a causa, acabam atrapalhando, como é o caso da música apresentada no caso 02, onde o cantor dissemina discurso de estupro, havendo nitidamente apologia ao crime, o que não contribui com uma conscientização acerca de um tema que há tempos tenta-se consertar. O case busca elucidar alguns pontos, como a constituição do consentimento, a diferenciação de assédio, estupro e importunação, bem como a apologia. Há também a necessidade de caracterizar o não e o sim nesse contexto. Por fim, também se faz necessário abordar a questão da influência alcoólica e drogas ilícitas sobre o poder de consentimento.

Para abordar os temas mencionados na descrição do caso, é importante que se caracterize juridicamente o que é o consentimento. Não há amparo legal no sistema Penal Brasileiro, no caso o Código Penal, para a conceituação do consentimento. Assim, tudo o que sabemos é de forma supralegal e se dá através do que se entende do mesmo. Para Lélio Braga Calhau (2002), não há a inclusão, no Código Penal Brasileiro, do consentimento do ofendido para caracterizar uma causa de excludente do crime, porém, tal ato deve considerar-se uma condição supralegal, haja vista que o legislador não é capaz de abarcar todas as hipóteses da exclusão no caso concreto. Ainda sobre tal, Assis apud Greco (2015, grifo nosso) aponta os requisitos caracterizantes do consentimento:

São requisitos do consentimento justificante: a) que o ofendido tenha manifestado sua aquiescência livremente, sem coação, fraude ou outro vício de vontade; b) que o ofendido, no momento da aquiescência, esteja em condições de compreender o significado e as consequências de sua decisão, possuindo, pois, capacidade para tanto; e) que o bem jurídico lesado ou exposto a perigo de lesão se situe na esfera de disponibilidade do aquiescente; d) finalmente, que o fato típico penal realizado se identifique como que foi previsto e se constitua em objeto de consentimento pelo ofendido.

Logo, assim, juridicamente, é preciso que haja permissão do ofendido sem que haja coação, fraude ou vício daquela permissão, bem como o mesmo deve estar em condições de conceber o conteúdo e implicações de tal decisão, necessitando que se tenha capacidade para isso, como outros pontos que inferem em outras esferas, não do corpo em si, trabalhado no presente caso. De acordo com tal conceituação dada por Assis, partimos às hipóteses em que há interferência no consentimento quando o ofendido está sob efeito de álcool ou drogas ilícitas, conforme destacado na citação anterior, o mesmo deve estar em condições de compreender o significado E as consequências do que decide, além de estar capaz de concordar com qualquer coisa. Sobre o assunto, também temos o Código Penal (BRASIL, 1940), que penaliza aquele que tem conjunção carnal ou pratica qualquer ato libidinoso com aquele que não possa oferecer resistência.

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Cessada a discussão acerca do consentimento e da falta do mesmo nos casos em que o ofendido está sob efeito de álcool ou ilícitos, há de se falar sobre o ponto principal do caso: a diferenciação de assédio, estupro e importunação, bem como a caracterização do sim e do não no contexto apresentado.

Antigamente, pelo Código Penal de 1940, o crime de estupro era extremamente limitado e possuía apenas um sujeito passivo: a mulher. Estava previsto, em seu art. 213. que estupro era: "Constranger mulher À conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça". Assim, Santos (2013), aponta que "nesse texto, [há] certa limitação quanto às figuras dos sujeitos ativo e passivo, visto que necessariamente sobre a mulher recairia o ato de compelir à prática da conjunção carnal, e obrigatoriamente, este seria praticado pelo homem". Atualmente, de acordo com Soares (2015) o estupro:

é a coação feita pelo homem ou pela mulher que, mediante emprego de violência (física ou real) ou grave ameaça, compele a mulher ou o homem à cópula sexual ou à prática, ativa ou passiva, de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Em grande maioria, é difícil caracterizar a prática da "violência ou da grave ameaça" pelo agressor para tipificar o crime de estupro, restando à vítima tentar a tipificação através da "importunação ofensiva ao pudor", que está prevista no art. 61. da Lei de Contravenções Penais (BRASIL, 1941), que acarreta apenas em aplicação de multa ao agressor. A importunação ofensiva é, pela Lei das Contravenções Penais: "importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor".

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Em relação ao assédio sexual, Ernesto Lippmann (2004) afirma que:

havendo uma ação de cunho sexual não aspirada, praticada por superior hierárquico, de forma repetida e, tendo como consequência, o retardamento na produção do serviço da vítima e afetar a sua dignidade e integridade física e psicológica, aí está configurado o assédio sexual.

Assim, o assédio sexual é uma ação, de cunho sexual, que acontece reiteradamente e indesejadamente pela vítima e que fere vários princípios constitucionais básicos do ser humano e principalmente o da dignidade da pessoa humana, uma garantia fundamental prevista na Constituição Federal Brasileira em seu artigo 1º, inciso III, bem como o da liberdade sexual, que, de acordo com Maria Helena Diniz (1998) é:

Direito de disposição do próprio corpo ou de não ser forçado a praticar ato sexual. Constituirão crimes contra liberdade sexual: o ato de constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça; o atentado violento ao pudor, forçando alguém a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal; a conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude, a praticar ato libidinoso.

Para encerrar a discussão, vale apontar algumas questões. Na questão do assédio vs. a paquera, o assédio é tudo aquilo que vem depois do "não" no momento da paquera. É assédio quando a mulher não gosta, geralmente o que vem depois do "não" vem por meio de agressão, com um comportamento desagradável e incômodo à vítima. Há, por parte do nosso Código Penal, uma ausência da consideração dos fatores socioculturais estruturantes, como comportamentos machistas e uma dificuldade de reconhecer os conteúdos de dominação, de classe e de gênero.

Ainda sobre os fatores socioculturais dominantes, observa-se que o assédio sexual é a reafirmação da dominação masculina, uma vez que homens e mulheres acabam lidando de forma diferente com sua sexualidade, onde o homem busca mostrar seu poder de macho.

Finalmente, hoje, através da evolução da luta feminista e da luta por direitos iguais às mulheres, onde as mesmas estão sendo ouvidas e se fazendo valer, seja de forma opinativa como decisiva nas questões da sociedade, esse tipo de atitude não é mais aceitável e tudo que vem depois do "não" é assédio, que, na maioria das vezes, leva ao estupro. Não é não!


Referências

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Lei das Contravenções Penais. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 22 abr. 2018.

CALHAU, Lélio Braga. Vítima e direito penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Editora Saraiva, São Paulo, 1998.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 17. Ed. Rio de Janeiro: Impetus: 2015.

LIPPMANN, Ernesto. Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. LTr, São Paulo, 2004.

SANTOS, Italo Barros. O crime de estupro e a sua evolução no sistema jurídico- penal. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 16, n. 108, jan. 2013. Disponível em: <https://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/thumb.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12675>. Acesso em: 20 abr. 2018.

SOARES, Daniela Bastos. Análise jurídica do crime de Estupro. Conteúdo Jurídico, Brasília, mar. 2015. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.52686&seo=1>. Acesso em: 21 abr. 2018.

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