Aprendemos que o costume é fonte do direito, mas não será ele o próprio direito?
Primeiramente, cabe ressaltar que é uma palavra derivada do latim consuetudo, designa tudo que se estabelece por força do uso e do hábito [01].
Podemos afirmar que o costume tem força de Lei, no que diz respeito à tecnologia jurídica, a qual vem mostrar o princípio da regra não escrita, que se introduziu pelo uso, com o consentimento tácito de todas as pessoas que admitiram sua força como norma a seguir na prática de determinados atos.
Em outras circunstâncias, o costume é considerado Lei, a qual o uso estabeleceu e que se conserva sem ser escrita, por uma longa tradição. Assim, "o costume é a prática social reiterada e considerada obrigatória" [02].
A Lei, por sua vez, difere do costume por ser um preceito escrito, elaborado por um órgão competente, com forma estabelecida. É, em seu conceito jurídico, a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato, que lhe é outorgado pelo povo. Também é derivada do latim lex, de legere – escrever, atribuindo-se por sua etimologia o que está escrito [03].
A realidade é que o costume é o verdadeiro direito, pois é a primeira manifestação da ética de um povo, uma espécie de ética natural. O direito nada mais é, que a expressão genuína da consciência de uma sociedade e não um produto do legislador. O legislador não cria o direito, apenas o traduz em normas escritas existentes no espírito do povo (costume). Por este prisma, o direito deve ser o espelho do costume.
Exemplo disso é o do cheque pós-datado, vulgarmente conhecido como pré-datado. O costume, neste caso, descaracterizou o cheque como ordem de pagamento à vista, e o Poder Judiciário não pôde deixar de conhecer deste fenômeno imposto pela grande maioria das pessoas em seus atos de comércio.
Pode-se dizer que o uso e o costume de emitir cheque pós-datado criou o instituto do cheque como promessa de pagamento, diferente do regulamento legal, que é a ordem de pagamento à vista.
Outro exemplo que pode ser citado é a Lei da União Estável, que surgiu da observação de que na sociedade brasileira existe um grande número de famílias que se formam a partir da união do homem e da mulher, fora do matrimônio. E, como o direito estuda os fenômenos sociais ocorridos com freqüência na sociedade, obrigou o legislador a elaborar a Lei do Concubinato.
Observa-se, então, que a norma abrange o costume, possuindo uma função transformista. Partindo-se do pressuposto de ser o direito um permanente compromisso entre liberdade e segurança, não o considerando como a expressão de um valor absoluto ou de um saber jurídico verificável em cada hipótese concreta, mas como um produto de prudente combinação de fatores sócio-científicos, fáticos e axiológicos, circunstanciais, de conveniências e oportunidades, que não fazem da norma jurídica um modelo definitivo [04].
Utilizando-se do silogismo da norma para saber sua designação, verifica-se que os cidadãos são os seus genuínos destinatários, haja vista que a juridicidade da norma decorre do fato de pertencer a um sistema jurídico e não a sanção [05]. Desta forma, o costume se apresenta como a norma constante não escrita e obrigatória, só diversa da lei em seu aspecto formal. É necessário frisar que o costume deve ser ao mesmo tempo, lícito, justo e útil.
Problema que paira é o da aplicação do costume na justiça. Como fazer sem que haja uma lei que o prescreva? A solução está nas mãos dos juristas, eles são os porta-vozes da comunidade. Neles se manifestam uma aguda capacidade para intuir as exigências do desenvolvimento social. São os primeiros a adquirir consciência do desajuste entre o direito vigente e as novas circunstâncias sociais. E o que fazem? São escravos da lei, porém precisam ter em mente que se acabou a neutralidade de só se fazer o que a lei manda. Assim, busca-se uma formação humanística e não legalista, para que saiba o que é e o que pode ser a presença do direito e da justiça no desenvolvimento da pessoa humana e nas relações sociais [06]. Em outras palavras, o juiz é destinado a proteger os direitos humanos.
De outro norte, nota-se que o mundo moderno vive em estado de alerta, impedindo a formação de costumes, obrigando a solução dos problemas através somente da legislação, que pode ser ditada e modificada rapidamente. Entretanto, esta conclusão não significa suprimir todo o valor do costume.
Está superada também a teoria que aspira a formar o direito científica e racionalmente em sua totalidade. Deve-se buscar uma solução de equilíbrio entre ambas as tendências opostas, reconhecendo que a norma jurídica se inspire a ser aceita e cumprida em uma comunidade, adaptando suas modalidades e características na parte em que os costumes não se chocam com os princípios que lhe dão fundamento. Os usos e costumes coletivos são com efeito, a fonte inspiradora de inumeráveis leis, sentenças e doutrinas, as quais são convertidas em direito, uma vez que o legislador, o jurista e o magistrado as traduzem em normas escritas.
Dizer que o costume é uma fonte subsidiária ao julgador, o qual deve ser aplicado em caso de omissão de lei, conforme prescreve o artigo 4º, da Lei de introdução ao Código Civil, é a mesma coisa que impedir a evolução da sociedade e de seus usos e costumes.
O costume não deve ser utilizado apenas como Segundum Legem, Praeter Legem, mas também contra a lei, por ser uma expressão do direito, pela maneira como se exprime, se conhece, se revela na comunhão social. Pode ainda revogar uma lei, pois, se um costume começa a ser aplicado no direito e a lei que antes regulava tal ato entra em desuso, não haveria razão de sua vigência, esperando a elaboração de uma nova legislação para sua revogação, e sim sua revogação pela aplicação do costume.
O que adiantaria ter uma norma sintaticamente eficaz, por apresentar condições técnicas de atuação, mas semanticamente inefetiva, por ser regularmente desobedecida, por não mais se adaptar ao tempo, ao local, às convicções e aos pontos de vista valorativos da sociedade, correndo o risco de ser aplicada contra uma coletividade [07]. Porque, então, não assumir que a lei se revoga no todo ou em parte, de forma expressa ou tácita por força do costume ou do desuso geral.
Dessa maneira, se o poder legiferante agisse em total sintonia com o povo, a lei refletiria um desejo da comunidade. Pois, o direito surge do arbítrio humano e da convivência social, uma vez que o costume é a norma jurídica oral, resultante da consciência coletiva do povo, e não dá vontade única do legislador em criar leis, haja vista, que em direito, a maioria das coisas não consistem em leis, mas sim em costumes.
Daí vem a possibilidade da sociedade criar o direito, pois, ao contrariar uma norma escrita, a vontade popular não só diz que essa norma não lhe serve, como também inspira o legislador e os aplicadores do direito a seguirem os avanços sociais.
Assim sendo, o costume é mais sábio que o próprio legislador e que o próprio aplicador do direito juntos, pois, estes terão que levar em consideração o costume de um povo, que são as práticas usuais tornadas regras no meio social.
Deste emaranhado, é que está nascendo o direito alternativo, inovador, e que vem sendo aplicado por alguns juízes e criticados por outros.
Esses Juízes "alternativos" estão acompanhando de frente a evolução do direito, pelo uso e costumes, e aplicando bem o poder de decidir, deixando de lado a lei nua, crua e fria. Estão eles analisando o costume e o caso concreto, empregando assim a verdadeira justiça, sem cometer excessos ou omissões, buscando um julgamento justo, que o nosso ordenamento recomenda em qualquer circunstância.
Desta maneira, os legisladores não podem legislar para uma sociedade tão díspar como a nossa sem conhecer as suas especificidades, usos e costumes. A norma jurídica não pode ser asséptica, a-histórica, a-temporal, a-costume, a-uso. O direito não tem razão em si mesmo, senão quando comprometido com a realidade social, o uso, costume e hábitos de uma comunidade.
A dinâmica da realidade social, o uso e o costume, ultrapassam a atividade legislativa criadora do direito positivo, pois este é um mero referencial para a aplicação de Justiça no sentido formal do termo. Entretanto a justiça, efetivamente, não tem se realizado no sentido material. Em outras palavras, tem-se um excessivo apego à lei e não à justiça. A lei tem sido feita como fim e não como meio.
Assim, o costume deve estar sempre em primeiro plano para a aplicação da justiça e para a criação das leis, o que não acontece. Possuímos um furor legislativo sem igual em nosso ordenamento, mas que não acompanha a evolução de nossa sociedade, criando injustiças que parecem até serem justas, por estarem fundamentadas em leis. "A maior das injustiças é parecer ser justo sem o ser" [08].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DE PLÁCIDO E SILVA. Dicionário Jurídico, 12.ed. São Paulo: Forense, 1996.
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Enciclopédico de Direito. São Paulo: Brasiliense.
DE PLÁCIDO E SILVA. Dicionário Jurídico, 12.ed. São Paulo: Forense, 1996.
BLANCO, Pablo Lopez, La ontología jurídica de Miguel Reale. São Paulo: Saraiva, 1975.
BOBBIO, Noberto, Teoria del la norma giuridica. ed. Torino. Giappichelli: 1958.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saravia, 1994.
PLATÃO – Diálogos.
NOTAS
01 DE PLÁCIDO E SILVA. Dicionário Jurídico, 12.ed. São Paulo: Forense, 1996.
02 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Enciclopédico de Direito. São Paulo: Brasiliense.
03 DE PLÁCIDO E SILVA. Dicionário Jurídico, 12.ed. São Paulo: Forense, 1996.
04 BLANCO, Pablo Lopez, La ontología jurídica de Miguel Reale. São Paulo: Saraiva, 1975.
05 BOBBIO, Noberto, Teoria del la norma giuridica. ed. Torino. Giappichelli: 1958.
6 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.
07 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saravia, 1994.
08 PLATÃO – Diálogos.