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Algumas (das muitas) inconstitucionalidades do Decreto paulista nº 51.520/07

08/02/2007 às 00:00
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            Mal tomou posse no Governo do Estado de São Paulo, o Governador José Serra já faz publicar o Decreto nº 51.520, o qual pretendeu revogar uma série de artigos do Regulamento do ICMS (Decreto nº 45.490/00).

            De acordo com o referido Decreto, ficam revogados os artigos 50, 53, 106, 395, 396, 397, 398, 399, 400, 403, 479, 564, 574, § 9º do artigo 61 e inciso II do artigo 68, além do artigo 13 do Anexo II, artigos 7º, 9º e 10, do Anexo III e, por derradeiro, os artigos 9º e 10, do Anexo XX.

            Como se pode observar a partir de uma leitura atenta do RICMS/00, a grande maioria dos artigos que o Decreto pretendeu revogar disciplinam redução de alíquotas e base de cálculo do ICMS, bem como o diferimento do momento de seu recolhimento, o que na prática implica aumento do ICMS devido pelos contribuintes.

            Dentre as várias alterações produzidas pelo Decreto nº 51.520/07, que passou a vigorar a partir de 1º de fevereiro de 2007, destacam-se aquelas que majoram a alíquota de diversos produtos integrantes da cesta básica e também que implicaram na revogação do tratamento favorecido às micro e pequenas empresas (isenção para as microempresas e regime especial para as empresas optantes pelo Simples Paulista).

            Ocorre que o aumento da alíquota e base de cálculo de um tributo, no caso o ICMS, somente pode ser validamente promovida por meio de uma Lei em sentido formal, ou seja, discutida e aprovada pelo Poder Legislativo, sob pena de se ferir o Princípio Constitucional da Legalidade Tributária, expresso no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

            Este preceito básico, dirigido exclusivamente ao ente tributante, a fim de se garantir direitos mínimos ao contribuinte, foi violado pelo Estado de São Paulo pois, por meio de Decreto emanado do Chefe do Poder Executivo, pretendeu aumentar a carga tributária.

            Repise-se: o aumento da carga tributária, mediante a instituição ou aumento de um tributo necessariamente deve ser promovida por meio de uma Lei, jamais por meio de Decreto, como muito bem observa Aliomar Baleeiro ao afirmar que é "inconstitucional o tributo instituído ou majorado por decreto do Executivo Estadual, ou Municipal" [01].

            Também o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a imperiosidade de uma lei, em sentido estrito, para que se viabilize a instituição ou aumento de tributos, conforme se pode deduzir do acórdão proferido em 29/04/1981, de lavra do Ministro Antônio Neder, onde ficou consignado que "as alíquotas do ICM, como previsto nas regras acima citadas, só poderiam ser aumentadas mediante lei, e não por meio de Decreto. Prevalência do Princípio da Legalidade Tributária" [02].

            Apenas para o fim de demonstrar o absurdo jurídico objetivado com a edição do presente decreto, se estas alterações promovidas na legislação se dessem por meio de uma lei, ainda assim estaria ela eivada de inconstitucionalidade, por ferir os princípios constitucionais da anterioridade e anterioridade mitigada, previstos, no artigo 150, inciso III, alíneas b e c, respectivamente, eis que a data de sua publicação é 30 de janeiro de 2007 e a pretensão para seu início de vigência é 1º de fevereiro do mesmo ano, como bem observa Hugo de Brito Machado ao afirmar que "pelo princípio da anterioridade, a criação ou aumento do tributo devem ocorrer antes do início do exercício no qual é cobrado, e a lei respectiva terá um período de vacância de pelo menos 90 dias." [03]

            Não obstante os vícios acima referidos já serem suficientemente robustos para a caracterização da inconstitucionalidade do Decreto, ao intentar revogar os benefícios tributários destinados às micro e pequenas empresas, feriu também a disposição prevista no artigo 170, inciso IX da Constituição Federal, que determina seja deferido tratamento favorecido a esta categoria de empresas.

            Diante destas considerações, a conclusão que se impõe é no sentido de que o Decreto nº 51.520/07 encontra-se eivado de inconstitucionalidade, por extrapolar seu poder meramente regulamentar das leis, ao intentar majorar tributo mediante aumento da alíquota e base de cálculo, bem como revogar o tratamento favorecido às micro e pequenas empresas.


Notas

            01

Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed., 1999, Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi, p. 64

            02

RExtr. Nº 76.114/SP, Primeira Turma.

            03

Curso de Direito Tributário, 25ª ed., 2004, p. 53.
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Sobre o autor
Willian Montanher Viana

advogado em São Paulo(SP), pós-graduando em direito empresarial pela UNI-FMU/SP, sócio do escritório Arruda Araldi e Ferreira Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANA, Willian Montanher. Algumas (das muitas) inconstitucionalidades do Decreto paulista nº 51.520/07. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1317, 8 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9473. Acesso em: 28 mar. 2024.

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