TUDO O QUE É SÓLIDO SE DESMANCHA NO AR?

Leia nesta página:

.

Resumo: Marshal Berman foi um professor norte-americano de Ciência Política da Universidade de Nova York. Seu pensamento era de cunho marxista, sendo Tudo que é sólido desmancha no ar seu livro mais lido, livro este que faz referência direta ao Manifesto Comunista. Nesse livro, começa fazendo uma comparação entre o Fausto de Goethe e a sociedade industrial moderna. Para Berman, o burguês engana-se, pois imagina que tudo o que o capital produz é para ser bastante sólido e duradouro; no entanto, devido à necessidade de consumo constante, a verdade seria outra: a produção é cada vez mais frágil e efêmera, justamente para que o consumidor tenha que comprar mais. O objetivo deste ensaio é apresentar uma abordagem sobre os capítulos primeiro e segundo da obra referida,  fazendo um contraponto e tentando mostrar que Berman está correto apenas parcialmente, pois atribui uma falsa solidez ao capitalismo, esquecendo-se de que o mesmo passa com o comunismo, afinal o que ambos, capitalismo e comunismo, produzem termina por se desmanchar no ar, ao menos desde uma perspectiva religiosa.

Palavras-chave: Fausto, Industrialização, capitalismo,  comunismo, religião. 

 

                                 DOES EVERYTHING SOLID CRAKE INTO AIR?

Abstract: Marshal Berman was an American Professor of Political Science at New York University. His thought was Marxist, and Everything That Is Solid dissolves into the air his most widely read book, a book that makes direct reference to the Communist Manifesto. In this book, he begins by making a comparison between Goethe's Faust and modern industrial society. For Berman, the bourgeois is wrong, since he imagines that everything that capital produces is to be quite solid and durable; however, due to the need for constant consumption, the truth would be different: production is increasingly fragile and ephemeral, precisely so that the consumer has to buy more. The aim of this essay is to present an approach to the first and second chapters of the aforementioned work, making a counterpoint and trying to show that Berman is only partially correct, as he attributes a false solidity to capitalism, forgetting that the same happens with communism , after all, what both capitalism and communism produce ends up melting into thin air, at least from a religious perspective. 

Keywords: Faust, Industrialization, Capitalism, Communism, Religion.


 

1. O Fausto de Goethe e a mentalidade contemporânea

O Fausto de Goethe é o ponto de partida para a análise de Berman sobre a sociedade industrializada. Berman a considera como uma representação da mentalidade da época, mentalidade esta que, de um lado, já possuía um pensamento com características ideológicas marcadas pelo Iluminismo; de outro, uma estrutura político-econômica que recordava a da Idade Média. 

E era justamente esse choque cultural que marcaria os começos da Revolução Industrial. 

O protagonista do livro de Goethe, Dr. Fausto, é uma figura isolada, sombria e algo rancorosa que, embora exitosa em muitos pontos, deseja que o mundo o entenda e admire. Ele, movido pela ganância e vaidade, quer apropriar-se das experiências, senti-las profundamente. Representa, segundo Berman, um movimento em direção à formação da mentalidade capitalista contemporânea: o desejo de movimento, de transformar, de apropriar-se do todo. 

Nas anteriores versões da história do Doutor Fausto, ele aparecia apenas querendo bens materiais, pois estava cansado de não ter êxito e glória. O Fausto de Goethe, entretanto, quer experimentar a completude absoluta de todas as sensações possíveis sentidas pela humanidade: não só a glória, mas a desgraça total, a vida e a morte, a turbulência e a calma: ou seja, ele quer ser o ser em si mesmo, inclusive desejando o próprio aniquilamento.

Nesse ponto, representaria o complexo jogo de interesses entre os distintos grupos sociais, alguns muito ricos, outros na lamúria constante provocada pelas péssimas condições de trabalho ou, pior, pelo desemprego e fome. No entanto, tais grupos, mesmo que aparentemente distintos, se olhados por uma perspectiva macro constituíam-se numa unidade indissolúvel. 

Embora Goethe seja um autor romântico idealista, está inserido em uma sociedade capitalista que se prepara para uma verdadeira transformação na forma de produzir bens, levando o homem a um individualismo cada vez mais ganancioso de novas experiências. É por isso que o homem do período é marcado por um pessimismo angustiante, conhecido como o “Mal do Século”, cujo maior expoente filosófico se encontra em Schopenhauer, quem coloca toda a desgraça humana na vontade de ser, de poder, de querer ser, e, somente aniquilando-a totalmente, é que se poderia ter a paz completa. Por isso, para fugir da vontade de manter-se na existência, muitos jovens, influenciados pelo pensamento do filósofo alemão, buscaram no suicídio a maneira de atingir a paz, que seria mais ou menos a versão ocidental do “Nirvana” busista. 

Esse desejo de fuga, entretanto, não era característico de toda a sociedade da época, mas sim de uma classe abastada, sufocada pela vaidade, pelo ócio e, simultaneamente, ferida pelo remorso de saber-se responsável pela miséria econômica de muitos. Muitos membros dessa classe sofriam uma espécie de “sentimento de culpa” por serem ricos, algo parecido com o que ocorre hoje com os grandes magnatas, os quais doam grandes fortunas para os pobres, lutam pelo meio-ambiente - como o faz Bill Gates, por exemplo - com o intuito de aplacar um progresso econômico que, ironicamente, são os grandes responsáveis pelo recrudescimento, sobretudo através do incentivo massivo a compras de produtos, formando um público consumidor cada vez mais exigente de novidades, novidades estas que não podem vir sem a destruição do meio ambiente ou o surgimento de grandes conglomerados capitalistas que as financiam. 

Nesse mesmo barco está uma grande porção de jovens classe média, bem alimentados, criados em uma sociedade capitalista, estudados, mas que, repentinamente, passam a crer que o capitalismo é o pior de todos os sistemas político-econômicos e, por isso, resolvem combatê-lo. Então, tem-se o seguinte panorama: um grupo de muitos ricos, movidos pelo remorso, resolvem financiar os movimentos políticos de outro grupo, oriundo das classes médias, para ambos protestarem contra o capitalismo, fonte, ironicamente, do bem-estar de tais grupos.

Essa sensação de remorso já era sentida pelo homem dos períodos pré-romântico e romântico. Um livro de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, foi o estopim de uma onda de suicídios na Europa, onda esta que não atingiu a classe obreira, preocupada com o sobreviver e sendo constantemente alimentada de rancor contra as classes mais ricas.

É esse dualismo de sensações que o Fausto, segundo a mentalidade de Berman, representa, dualismo que marcará a evolução do capitalismo: 

 

Uma das ideias mais originais e frutíferas do Fausto de Goethe diz respeito à afinidade entre o ideal cultural do autodesenvolvimento e o efetivo movimento social na direção do desenvolvimento econômico. [...] O único meio de que o homem moderno dispõe para se transformar é a radical transformação de todo o mundo físico, moral e social em que ele vive (BERMAN, 1986, p. 40). 

 

Tal transformação traria, ao mesmo tempo, o prazer e a dor, a paz e o remorso, fazendo a riqueza e a pobreza se tocarem de forma contínua, por intermédio de movimentos sindicais, rurais e guerras constantes. 

Na Idade Média, havia o conformismo das classes obreiras: nasciam pobres, morriam pobres, e isso não era fonte de revolta. O homem moderno e contemporâneo é irascível, rebelde, descontente com tudo e consigo mesmo. Nunca se contenta, está sempre em busca do novo. É por isso que Berman diz: 

 

A heroicidade do Fausto goethiano provém da liberação de tremendas energias humanas reprimidas, não só nele mesmo, mas em todos os que ele toca e, eventualmente, em toda a sociedade à sua volta. Porém, o grande desenvolvimento que ele inicia — intelectual, moral, econômico, social — representa um altíssimo custo para o ser humano. Este é o sentido da relação de Fausto com o diabo: os poderes humanos só podem se desenvolver através daquilo que Marx chama de “os poderes ocultos”, negras e aterradoras energias, que podem irromper com força tremenda, para além do controle humano. O Fausto de Goethe é a primeira e ainda a melhor tragédia do desenvolvimento (BERMAN, 1986, p. 41).

 

O problema de Berman, todavia, é pensar que isso é culpa do capitalismo, não existindo essa avalanche destruidora no comunismo-socialismo. O equívoco dos marxistas é comparar o capitalismo real com um comunismo ideal. Não percebem eles que ambos sistemas possuem o mesmo “sangue”, que o comunismo é historicamente filho rebelde do capitalismo. Há um mito grego que diz que a higiene é filha da sujeira, e é verdade: depois de séculos de mortandade provocada pela imundície, pela falta de saneamento básico, a humanidade percebeu que sem a limpeza a sociedade enfermaria. Da mesma forma, as brutalidades do capitalismo geraram a Revolução Francesa, e é nesta que se pode encontrar muitas das bases históricas, e até legais, para o surgimento do comunismo enquanto sistema político. Se os capitalistas fizeram crueldades, os revolucionários franceses também o fizeram na mesma proporção. Se a revolução bolchevique lutava contra os desmantelos de uma oligarquia russa antiquada, os revolucionários russos, assim que chegaram ao poder, tiveram que matar milhões de rebeldes até que ficassem somente os que compartilhavam os mesmos ideais revolucionários.

O comunista aponta com lupa as atrocidades capitalistas (que existem em abundância, é verdade), mas fecha os olhos às desgraças feitas pelas sociedades comunistas, sempre a dizer que tais sociedades nunca, jamais, praticaram, de verdade, o pensamento de Marx, distorcendo-o, quase contradizendo-o. 

Já o problema do capitalista, por sua vez, é comparar o êxito do capitalismo com os fracassos do comunismo, não olhando que nas sociedades capitalistas há uma pobreza crescente ou que, por exemplo, as duas grandes guerras do século passado tiveram como raiz a cobiça capitalista. Hitler não foi fruto do comunismo, Napoleão não foi fruto do comunismo.

Ambos, entretanto, aspiram a algo: o desejo de "super-man", alcançar o inalcançável, colocar o homem como o centro do universo. Os capitalistas dizem que o "super-man" está no indivíduo, já os comunistas, no coletivo. Tais tipos de “super-man” são oriundos da mentalidade materialista, industrial, progressista, na qual o homem parece não precisar de mais nada além da força do seu braço e engenho. 

Nestas duas sociedades, a capitalista e a comunista, o transcendente e o divino são minimizados, até ridicularizados. Algo raro passa aí: nas sociedades comunistas, os governos pregam o ateísmo, mas as populações, de forma angustiada e oculta, buscam cada vez mais o divino, sendo perseguidas por isso. No capitalismo, onde se prega a diversidade religiosa, continuamente as entidades religiosas se aproximam de uma visão empresarial e materialista, totalmente distinta da verdadeira espiritualidade: ou seja, os fiéis estão sendo treinados para conseguir riquezas e bens materiais, rejeitando as palavras sagradas a respeito da fuga dos enganos do mundo material.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não é à toa que o capítulo primeiro do livro de Berman se intitula A tragédia do desenvolvimento. Eu acrescentaria: de todo o desenvolvimento capitalista e comunista. 

 

2. O sólido no ar

Já o livro tem como título Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. O livro tem como mote a seguinte frase de Marx, segundo o próprio Berman: “Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com outros homens” (MARX apud Berman, 1986, p. 87). 

Nesta frase, há coisas que comentar:

A tendência no século XIX, sobretudo entre os intelectuais, foi negar o transcendental e o divino e a colocar a existência no material apenas. Neste sentido, sem o transcendente, o homem seria conduzido a não pensar nem cristianamente nem platonicamente: se para o cristianismo este mundo material não tem realidade em si mesmo, sendo apenas o reflexo de uma Verdade Superior, para o materialista, contudo, apenas existe a matéria, eterna, fria e inconsciente. 

Negando o Transcendente, o homem passa a assombrar-se com a sua própria existência, buscando um fundamento válido para manter-se vivo. O resultado é o famoso vazio existencial, no qual as drogas, o sexo e, principalmente, a preocupação voraz com as questões político-sociais, leva a muitos a pensar que, por meios de protestos, conflitos e guerras, conseguirão atingir a paz universal. 

O homem, sem o consolo da espiritualidade, encontrar-se-ia só em um mundo hostil, tendo apenas sua própria razão para auxiliá-lo. Com esta, segundo os materialistas, aprenderia também que o ser pobre não o conduziria ao Paraíso, que isto teria sido uma artimanha de determinados grupos oligárquicos para manter o povo manso e obediente. E o que ocorre? Os que tanto criticam a religião, embora mui bem intencionados, revoltam-se, reúnem-se, protestam, fazem a guerra (se preciso for), chegam ao poder e, uma vez estando ali, começam a criar um grupo de seguidores fiéis, de gente que pensa da mesma forma, excluindo e, principalmente, usando do aparelho ideológico do Estado, por meio da educação formal, para dominar o povo. Em suma, cria-se uma nova oligarquia.

Na medida em que o homem moderno duvidaria do mundo divinal, começaria a crer que a única forma de atingir o Paraíso seria por meio da ciência, da tecnologia e da luta contra as desigualdades. Talvez um bom exemplo disso seja a criação do Estado de Israel: depois de milênios de espera pelo Messias, um grupo de judeus começou a divulgar que o Messias não era outro senão o próprio povo judeu em sua coletividade. O Estado de Israel passou a ser, então, orquestrado e planejado, inclusive foi pensado em ser concretizado na América ou África, por um grupo rico, poderoso e influente de judeus que tudo fez para que seu povo tivesse um lar. A questão é a seguinte: tal grupo se desgostou, colocando a força não na profecia milenar, mas no seu próprio intelecto e poder econômico.  

Mas surge outro questionamento: por dois mil anos os judeus economizaram, trabalharam duro, planejaram voltar à Terra Prometida, em vão, porém; quando, entrentanto, a empreitada parecia mais impossível, eis que surge o Estado judeu das cinzas. Na mentalidade materialista, isso foi pura obra da astúcia e inteligência dos judeus; muitos judeus ortodoxos, todavia, dizem que o próprio contexto de criação de Israel foi permitido pelo poder do Transcendente. 

Pela perspectiva de muitos materialistas, sejam eles capitalistas ou comunistas, há sempre um grupo humano, ou uma mente brilhante como a do Bill Gates, tramando a exploração ou o domínio dos demais. No entanto, é-lhes difícil crer que possa haver uma força destrutiva inteligente, não material, que, pelo engano e astúcia, iluda os líderes mundiais, tanto comunistas quanto capitalistas, ao ódio e à guerra. A visão modernista é a de que o “outro” é sempre o culpado, ao menos no dizer de Sartre: “O inferno são os outros”. 

No entanto, a verdadeira causa, segundo Berman, pela qual tudo que é sólido se desmancha no ar está contida em um longo fragmento, que vale a pena transcrevê-lo: 

Os celebrantes do capitalismo falam-nos surpreendentemente pouco de seus infinitos horizontes, de sua audácia e energia revolucionárias, sua criatividade dinâmica, seu espírito de aventura, sua capacidade não apenas de dar mais conforto aos homens, mas de torná-los mais vivos. A burguesia e seus ideólogos jamais se notabilizaram por humildade ou modéstia; no entanto, parecem estranhamente empenhados em esconder muito de sua própria luz sob um punhado de argumentos irrelevantes. A razão, suponho, é que existe um lado escuro dessa luz que eles não são capazes de suprimir. Eles têm uma vaga consciência desse fato, todavia se sentem profundamente constrangidos e amedrontados por isso, a ponto de preferirem ignorar ou negar sua própria força e criatividade a olhar de frente suas virtudes e conviver com elas. O que é que os membros da burguesia têm medo de reconhecer em si próprios? Não seu impulso em explorar pessoas, tratando-as simplesmente como meios ou (em termos mais econômicos do que morais) mercadorias. A burguesia, como Marx o sabe, não perde o sono por isso. Antes de mais nada, os burgueses agem dessa forma uns com os outros, e até consigo mesmos; por que não haveriam de agir assim com qualquer um? A verdadeira fonte do problema é que a burguesia proclama ser o “Partido da Ordem” na política e na cultura modernas. O imenso volume de dinheiro e energia investido em construir e o auto-assumido caráter monumental de muito dessa construção — de fato, em todo o século de Marx, cada mesa e cadeira num interior burguês se assemelhava a um monumento — testemunham a sinceridade e seriedade dessa proclamação. Não obstante, a verdade é que, como Marx o vê, tudo o que a sociedade burguesa constrói é construído para ser posto abaixo. “Tudo o que é sólido” — das roupas sobre nossos corpos aos teares e fábricas que as tecem, aos homens e mulheres que operam as máquinas, às casas e aos bairros onde vivem os trabalhadores, às firmas e corporações que os exploram, às vilas e cidades, regiões inteiras e até mesmo as nações que as envolvem — tudo isso é feito para ser desfeito amanhã, despedaçado ou esfarrapado, pulverizado ou dissolvido, a fim de que possa ser reciclado ou substituído na semana seguinte e todo o processo possa seguir adiante, sempre adiante, talvez para sempre, sob formas cada vez mais lucrativas (BERMAN, 1986, p. 41).

 

Ou seja, pelo fragmento, a burguesia não teria vergonha de explorar as demais classes, mas de possuir um discurso contraditório: pregaria a ordem e o progresso, a tentativa de criar o mundo ideal aqui na Terra, mas, ao contrário, precisaria de um mundo em constante processo de construção/destruição, representado pela necessidade de criar necessidades nos consumidores, de fazê-los comprar coisas que, em pouco tempo, teriam que trocar por outras equivalentes. Criaria, assim, a falsa ideia de que o progresso é retilíneo e constante.

 

3. À guisa de debate

Parece não ter como negar que quem assim critica a burguesia tenha razão, mas o feito criticado é de fato ruim? Sim e não. 

Pela perspectiva religiosa, sim, é ruim, pois, na medida em que o homem foca em si mesmo, no consumo exagerado, na tentativa de viver intensamente e insanamente aqui na Terra, esquece ou nega o Transcendente, materializando-se e brutalizando-se. Embora muitos filósofos digam que o capitalismo moderno tem como base o espírito empreendedor calvinista, que os Estados Unidos são a potência que são graças à mentalidade luterana contrária ao espírito católico (em cuja base encontra-se o anhelo de voltar à  autossuficiência da vida medieval, a um mundo no qual a agricultura familiar suplantasse a mecanizada e industrial, onde a “Pastoral da Terra” fosse mais importante do que a “Teologia da Prosperidade”), tais filósofos olham, todavia, o cristianismo protestante contemporâneo apenas como uma vertente da mentalidade burguesa. Olvidam-se de que o cristianismo verdadeiro sempre foi perseguido, principalmente pelo cristianismo oficial, seja ele católico ou protestante. O verdadeiro cristianismo é abafado menos pelos antirreligiosos e mais pelos cristãos materialistas. 

Por outro lado, pela perspectiva materialista, claro, é excelente. Que mal teria em criar uma sociedade consumista, que busca o prazer, que vive do jeito que deseja, colocando seus desejos e paixões por cima de tudo? Que mal haveria em construir algo efêmero que alimente o ego humano, que lhe dê sensações de grandeza e bem-estar?

Por uma perspectiva religiosa plena, portanto, capitalistas, comunistas e cristãos materialistas trabalham para o mesmo amo, embora muitos digam que este não exista. Ele existe e cega, fere, humilha, põe uns contra os outros, finge, engana, provoca a guerra e joga toda a responsabilidade no humano. Uma pessoa que mata outra pelo simples fato de esta torcer para o time A ou B, qual força a motiva? Capitalistas e comunistas não fazem algo parecido?

No entanto, desde uma ótica puramente materialista, o capitalismo, embora tenha seus altos e baixos, embora o burguês seja sórdido e explorador, embora pregue o consumo intensivo e crie uma propaganda para vender seus produtos, embora tudo isso seja verdade, possui uma grande vantagem sobre o comunismo: este se desmancha no ar de duas formas: espiritualmente falando, e nisso comparte casa com o capitalismo, e materialmente falando, porquanto o comunismo possui um fetiche enorme sobre a intelectualidade, mas não sobre as massas: uma sociedade com base no comércio se forma naturalmente, já o comunismo precisa de uma força de cima para baixo para impô-lo.

Capitalista e comunista coincidem, porém, quando dizem que a democracia não é perfeita, mas é o “melhor” dos sistemas. A noção de democracia comunista é difícil de entender, haja vista que o povo é dominado por uma elite intelectual - raríssimas vezes eficiente e benéfica à maioria da população, como é o caso do governo chinês atual, mas, inclusive ali, o povo não pode decidir. No capitalismo, o conceito de democracia também é difícil de assimilar, pois sempre quem verdadeiramente decide é um grupo de magnatas, sejam eles de esquerda ou direita. No fundo, o que existe aí é uma plutocracia. Neste sentido, o exemplo mais claro é o de Trump: como explicar que quase todos os meios de comunicação, grandes empresas, multimilionários diziam a mesma coisa a respeito dele? Foi posto no poder pelos ricos, foi tirado do poder pelos ricos.

O ideal seria uma sociedade igualitária, justa, sem preconceitos, humilhações, fome e, sobretudo, morte. Será que nós, os humanos, podemos construir tal sociedade, seja ela capitalista ou comunista? Já foi dito no passado que, neste mundo, sempre haverá pobres… E quem o disse sabia de tudo, porque tudo havia criado...

Por fim, capitalistas e materialistas não compreendem que o mundo em si é falho desde a sua natureza, porque assim o quer o Ser Supremo, o qual é indestrutível e jamais se desmanchará no ar.


 

Referências

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar a aventura da modernidade. Companhia das Letras, Digital Source, São Paulo, 1986.

GOETHE, Johann Wolfgang von. Os sofrimentos do jovem Werther. L&PM Pocket. Disponível em:  chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?

 

Sobre o autor
Elton Emanuel Brito Cavalcante

Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - UNIR; Mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia (2013); Licenciatura Plena e Bacharelado em Letras/Português pela Universidade Federal de Rondônia (2001); Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (2015); Especialização em Filologia Espanhola pela Universidade Federal de Rondônia; Especialização em Metodologia e Didática do Ensino Superior pela UNIRON; Especialização em Direito - EMERON. Ex-professor da rede estadual de Rondônia; ex-professor do IFRO. Advogado licenciado (OAB: 8196/RO). Atualmente é professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia - UNIR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos