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Base de cálculo do IPTU

14/12/2021 às 14:45
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Muitos têm a errônea noção de que a base de cálculo do IPTU é apurada por pesquisas de mercado pelo agente administrativo competente para lançar o imposto.

Tema aparentemente fácil, mas, que na prática reina a maior discussão é o que diz respeito à base de cálculo do IPTU.

Todos, ou quase todos limitam-se a apontam o art. 33 do CTN para afirmar que a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel:

“Art. 33. A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel”.

E completam com a conceituação doutrinária do que seja valor venal como sendo o  “preço que determinado imóvel alcançaria no mercado em uma operação de compra e venda a vista, em condições normais do mercado imobiliário, admitindo-se a variação de dez por cento para mais ou para menos”  consoante escrevemos.[1]

Daí partem para a errônea noção de que a base de cálculo do IPTU é apurada por pesquisas de mercado pelo agente administrativo competente para lançar o IPTU.

Nada mais equivocado! Se dois imóveis contíguos, absolutamente iguais em área construída e em padrão de construção e idade aparente, forem objetos de lançamentos por agentes fiscais diferentes há possibilidade, bem como,  grande probabilidade de aqueles imóveis apresentarem valores venais distintos, tudo dependendo  dos imóveis considerados nas pesquisas de mercado pelos agentes administrativos.

Ora, o instituto do lançamento regulado pelo art. 142 do CTN não confere ao agente administrativa tamanha discrição:

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

Como se verifica, o lançamento opera-se sob o império do princípio da legalidade cabendo ao agente administrativo constatar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido e identificar o sujeito passivo. Não há referência a qualquer ato discricionário do agente para efetuar pesquisa de mercado com vistas à apuração da base de cálculo do tributo.

Ao contrário, o parágrafo único prescreve que a atividade do lançamento é vinculada, sob pena de responsabilidade funcional. Pergunta-se, vinculada a que? Obviamente vinculada à lei, expressão que soa como pleonasmo, pois, a palavra vinculada tem o sentido oposto à palavra discricionária. O agente lançador atua como escravo fiel da lei, não importando a sua vontade subjetiva, nem o entendimento ou conhecimento próprio acerca do valor venal do imóvel objeto de lançamento.

Simplesmente deve o agente administrativo confrontar o imóvel objeto de lançamento com a legislação de regência da matéria, isto é, lei que fixa a Planta Genérica de Valores —PGV—, a fim de enquadrar o referido imóvel no valor unitário do metro quadrado do terreno em diferentes situações aí descritas, bem como, no valor unitário do metro quadrado de construção segundo o tipo de construção (horizontal, germinado, sobrado, vertical) e padrão construtivo (modesto, médio, luxo etc.) constantes do quadro anexo da Lei. No Município de São Paulo a lei do PGV é a de nº 10.235, de 16-12-1986.

A pesquisa de mercado serve para duas finalidades: a) orientar o legislador na elaboração da Planta Genérica de Valores de sorte que os valores venais fixados na PGV não superem os valores de mercado; e b) subsidiar a decisão administrativa ou judicial caso haja impugnação do valor venal estabelecida em lei.

Nada mais. Não pode a pesquisa de mercado ser utilizada para a prática do lançamento. O destinatário da pesquisa é o legislador, e não o agente lançador que está preso aos ditames da lei.

Daí porque é insuficiente afirmar que a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel.

O imposto, como um dos raros conceitos determinados em direito, deve apontar um valor certo e determinado. E esse valor certo e determinado não resulta de pesquisa de mercado, mas, da PGV aprovada por lei. O trabalho do agente lançador não é o de pesquisar, porém, o de proceder o enquadramento do imóvel objeto de lançamento em uma das situações previstas na PGV e realizar os cálculos aritméticos.

Essa questão, tão elementar que resulta do princípio da legalidade tributária, é ignorada pela maioria da jurisprudência de nossos tribunais.

Confundem pesquisas de mercado, enquanto instrumento de dilação probatória em hipóteses de anulação do lançamento do IPTU por exacerbação da base cálculo, com dados a serem levados em conta no ato do lançamento tributário que deve ser feita debaixo do princípio da legalidade na forma do art. 142 do CTN.

Para bem distinguir o valor venal referido no art. 33 do CTN do valor legal que resulta da PGV basta fazer uma simples pergunta:

 Você venderia o seu imóvel pelo valor venal expresso no carnê de lançamento do IPTU?

Claro que não! O valor venal do IPTU normalmente está fixado aquém do seu valor real, para não gerar contestações administrativas ou judiciais.

O contrário é uma hipótese rara. Decorre da indevida transposição do valor unitário de metro quadrado de imóveis em situações normais para imóveis localizados no topo de morro, por exemplo.

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Quando no exercício do cargo de Diretor de Departamento de Desapropriações deparamos com esse quadro. Imóveis localizados no longo da marginal do Rio Pinheiros, nas proximidades da “Curva da Traição” no topo de morro, praticamente, sem valor comercial por se localizarem em zona estritamente residencial, onde não havia probabilidade de edificação de prédio residencial  por falta de acesso à via pública, agravada pelo ruído provocado por tráfego intenso de caminhões, estavam com valores venais súper elevados.

Recusamos o depósito pelo valor cadastral do imóvel para fins de imissão provisória na posse. O expropriado argumentou que vinha pagando o IPTU com base naquele valor venal e que em hipótese de desapropriação deve depositar o valor venal que vem utilizando para cobrar o imposto.

O argumento, conquanto lógico e compreensível, era totalmente impertinente. A desapropriação é  meio de recomposição do patrimônio desfalcado pela expropriação de bens, e não de enriquecimento do expropriado. A indenização há de ser justa para as partes da relação jurídica.

Quanto à cobrança do IPTU pelo valor venal exacerbado cabia ao contribuinte proceder à impugnação administrativa. Não tendo feito isso, não pode pretender por ocasião da desapropriação uma indenização que extrapola os valores de mercado.

Fizemos o depósito inaugural para fins de imissão provisória, precedida de laudo avaliatório fundado em pesquisas de mercado de imóveis em idênticas situações. A nossa tese foi acolhida pelo Judiciário.

Concluindo, a pesquisa de mercado serve para contrariar o valor venal constante no cadastro imobiliário da prefeitura. (SQL), nunca para proceder ao lançamento do IPTU. Serve, também, para nortear a ação do legislador por ocasião da elaboração de lei instituindo ao PGV.


[1] Cf. nosso IPTU doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p.122.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Base de cálculo do IPTU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6740, 14 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95442. Acesso em: 25 abr. 2024.

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