Impactos e aspectos gerais da Covid-19 em relação ao instituto jurídico da pensão alimentícia

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Resumo:


  • O trabalho analisa as modificações na pensão alimentícia devido à pandemia de covid-19, importante para garantir direitos fundamentais ligados à vida.

  • Foram abordados os impactos da pandemia na obrigação alimentar, as formas de cobrança dos débitos alimentares e a prisão civil em tempos de crise sanitária.

  • O Poder Judiciário tem buscado soluções para garantir o cumprimento da pensão alimentícia, inclusive com recomendações para a prisão de devedores, considerando a situação pandêmica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar as modificações no instituto jurídico da pensão alimentícia, causadas pela crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19. Trata-se de um assunto delicado e de extrema relevância, uma vez que está ligado diretamente à direitos fundamentais que garantem a vida. Para tanto, a partir de uma análise doutrinária e jurisprudencial, buscou-se compreender como o Poder Judiciário tem se posicionado com relação aos alimentos durante o período pandêmico, bem como as medidas criadas e as modificações na lei para que os direitos dos indivíduos envolvidos nesse contexto fossem preservados. Assim, responder-se-á quais os impactos causados pela doença frente à obrigação alimentar e quais as soluções encontradas para resolver esse enorme problema social e jurídico.

Palavras-chave: Direito de família. Alimentos. Pandemia da Covid-19. Prisão Civil.


1. INTRODUÇÃO

A Covid-19 gerou isolamento social no Brasil a partir de 24 de março de 2020. Desde então o país sofreu grande impacto econômico, social e político, dando início a uma grande crise econômica e, como consequência, as relações familiares foram afetadas de forma prejudicial. Com o abalo, questões ligadas a pensão alimentícia chegaram até o Poder Judiciário.

Nesse sentido, far-se-á uma pesquisa de extrema relevância social, que gere impacto e busque soluções e alternativas para o âmbito jurídico. O presente trabalho buscou a resposta para a seguinte pergunta: diante da pandemia da COVID-19 ao redor do mundo, quais os impactos causados pela doença frente à obrigação alimentar e quais as soluções encontradas pelo Poder Judiciário para resolver o enorme problema social e jurídico?

O presente estudo está dividido em três etapas. Na primeira será apresentado aspectos históricos, culturais, conceituais e características que envolvem o tratamento jurídico referente à obrigação alimentar no Brasil. Os impactos gerados pela pandemia, seus reflexos na convivência familiar e no Direito de Família e os prejuízos na obrigação alimentar. Será abordado ainda, os pressupostos existentes nos artigos, 1.694 e 1695 do Código Civil, bem como os sujeitos que a compõe.

Na segunda etapa, fora empregado grande esforço para que ficasse de forma clara e objetiva o assunto de possivelmente maior importância do presente estudo, tendo em vista que serão esmiuçadas as formas de cobrança dos débitos alimentares, como se dá a eleição da modalidade de cobrança, além dos ritos que podem ser seguidos pelos credores, como o da prisão civil e da expropriação.

O terceiro capítulo, tem por objetivo demonstrar o método adotada para solucionar a prisão civil em tempos de pandemia. Quais as soluções e o métodos adotados pelo Poder Judiciário para resolver um assunto de divergência doutrinária. Ademais, foi abordada a Lei nº 10.410 de 2020 e as recomendações que influenciaram na decisão que mudou o rumo da prisão civil em um cenário pandêmico, bem como entendimentos contrários ao adotado pela justiça.

Para elaborar o presente estudo através do método quali-quantitativo, que tem como base uma pesquisa mista, que procurou compreender as motivações e analisou os fatores que acrescentaram para que tais alterações fossem possíveis na lei foi utilizada pesquisa explanatória, bibliográfica, documental e dogmática, dispondo de doutrinas e jurisprudências que abordam casos sobre o tema elaborado para que fosse possível identificar o posicionamento e entendimentos dos Tribunais.


2. OS ALIMENTOS

O instituto jurídico dos alimentos tem como fundamento garantir a todos os indivíduos que não possuem condições de prover seu próprio sustento, abrangendo não somente a alimentação, mas também, tudo aquilo que for necessário para manter uma vida digna, como por exemplo, vestuário, educação, moradia e etc.

A temática exige uma atenção especial por parte da sociedade, uma vez que a exoneração indevida, feita de forma automática por parte do alimentante, sem a propositura da ação de exoneração de alimentos, causa a inadimplência, e esta, por conseguinte, pode acarretar na prisão civil do devedor, conforme estabelece o artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal de 1988.

Desta forma, pode-se destacar que, visando a pacificação social, o pagamento da pensão alimentícia, encontra amparo constitucional, com princípios necessários à garantia dos direitos, individuais e coletivos, que norteiam o restante de todo o sistema de leis. Em seu artigo 1º, inciso III, a Constituição trata do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, do qual é alicerce para todo o Direito de Família, referindo-se às garantias vitais de cada indivíduo, tendo por pretensão protegê-los de qualquer forma de desprezo, não admitindo que lhes seja atribuído valor. O Princípio da Solidariedade Social, previsto ainda no artigo 3º Constituição, mas dessa vez em seu inciso I, prevê com um dos objetos da República, uma sociedade livre, justa e solidária. Sendo a família, de acordo com o artigo 226 da Carta Magna, a base da sociedade, a solidariedade familiar de cunho moral, material e social, se perfaz dentro dela, o que contribui para o desenvolvimento do indivíduo e, consequentemente, valorização em relação ao poder familiar.

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES

Deve-se relatar que antigamente, o Direito Romano limitava os alimentos às relações de clientela e patronato, de modo que a relação de dependência e dever de alimentos decorrente de relação familiar não era abordada pelos primeiros diplomas legais romanos.

A obrigação alimentar era de responsabilidade do pater famílias1. Portanto, o patêr exercia sua autoridade não só com os filhos, mas também com mulher e o restante dos descendentes. Com o passar dos anos, tal autoridade evoluiu, dessa forma o poder do pater ficou cada vez mais restrito, passando autonomia aos filhos e a mulher, de modo natural, surgiria um novo modo de formação familiar (CAHALI, 2009, P.41)

Para a Lei Eclesiástica, ou simplesmente Direito Canônico, a obrigação alimentar fora estendida entre ascendentes e descentes em linha reta, de forma concreta, houve o reconhecimento do vínculo de parentesco e do direito de alimentos (CAHALI, 2009, P.44).

No Direito Moderno, a mudança da economia agrária para industrial causou um impacto significativo na relação família, já que a mulher começou a atingir os mesmos direitos do marido.

O Direito Brasileiro, por sua vez, sofreu influências dos direitos já mencionados, desta forma, precisou se adaptar à realidade, vinculando sempre a mudança à dignidade da pessoa humana. Nos dias atuais, o poder familiar é exercido em igualdade de condições entre pai e mãe, sendo extinta a figura do chefe de família. Os direitos e deveres dentro do âmbito familiar são solidários, sendo dever dos pais encontrarem o equilíbrio necessário para que possam proporcionar aos seus filhos um ambiente saudável e que gere bem-estar. Por fim, passou a ser responsabilidade do Estado o que já era de responsabilidade dos pais, como supervisionar, prestar assistência e assumir obrigações diversas em relação às crianças, adolescentes, entre outras.

2.2 CONCEITO DE ALIMENTOS

Para a linguagem cotidiana, o conceito base de alimentos é tudo que aquilo que serve para alimentar, comida, sustento. Sendo assim, tudo aquilo que nutre e sustenta pode ser tratado como alimento.

No âmbito jurídico, o conceito não se limita ao alimento e à comida, tratando de forma mais ampla e abrangente, ao se referir alimentos como tudo aquilo que é necessário para a subsistência do indivíduo, como por exemplo, vestuário, educação, alimentação, saúde, habitação, lazer, dentre outras necessidades.

Conforme preceitua Barros (2004, p. 296):

[...] na terminologia jurídica, alimentos têm sentido mais lato do que o vigorante na linguagem comum, abrangendo não só o fornecimento de alimentação propriamente dita, como também de habitação, vestuário, diversões e tratamento médico (alimenta civilia e alimenta naturalia). Quando a pessoa alimentada for menor de idade, os alimentos compreenderão ainda verbas para instrução e educação. No caso de pleito judicial entre alimentante e alimentando, incluir-se-ão também, além das demais verbas, as expensa litis, honorários de advogado, custas e outras despesas judiciais.

A sociedade possui interesse na conservação do indivíduo, isso gera obrigações ao Estado que, em suma, tem por obrigação aplicar normas reguladoras sobre o direito de alimentos. Isso faz com que a doutrina conceitue os alimentos de forma mais extensa.

Sabe-se que o instituto jurídico da pensão alimentícia é regido pelo Direito de Família. Portanto, trata-se, de um tema social de extrema relevância para o ordenamento jurídico. Dessa forma, far-se-á estudos relacionados a Constituição Federal, para que possa haver efetividade a partir de seus princípios.

Na visão de Theodoro Júnior (2007, p. 677) alimentos, em sentido jurídico, são tudo a que uma pessoa tem direito de receber de outra para que se possa atender às suas necessidades físicas, morais e jurídicas. Por sua vez, Gonçalves (2005, p. 440) assevera que o conteúdo jurídico dos alimentos abrange o indispensável ao sustento, vestuário, habitação, assistência médica, instrução e educação.

O Código Civil aborda os alimentos no Livro IV, subtítulo III, entretanto, não traz nenhuma definição sobre o que é alimento. Ademais, há apenas uma abordagem norteadora sobre o conteúdo jurídico de alimentos no artigo 1.694.

Cabe destacar que o poder familiar, caracteriza-se com o nascimento do filho e extingue-se pela maioridade, entretanto, o simples fato de ter atingido a maioridade civil, não afasta o direito ao recebimento dos alimentos, o qual passa a ser fundamentado pelo vínculo de parentesco, conforme trazido pelo artigo 1.694, do Código Civil:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Dessa forma, o indivíduo, mesmo após atingida a maioridade, pode continuar a receber a pensão alimentícia, entretanto, deve provar sua necessidade e a possibilidade de quem proverá. Em outras palavras, enquanto na minoridade a necessidade é presumida, na maioridade ela deve ser comprovada, bem como a possibilidade do alimentante sem que isso prejudique seu próprio sustento.

Como já destacado, com a indefinição da lei quanto ao conceito dos alimentos, vários autores estabeleceram suas próprias definições, que giram em torno do art. 1694, do Código Civil.

3 AS FORMAS DE COBRANÇA

Inicialmente, cabe ressaltar que, a eleição da modalidade de cobrança, dependerá tanto da sede em que os alimentos estão estabelecidos (título judicial, extrajudicial), como do período em que está sendo cobrado (superior ou inferior a três meses).

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O Código Civil de 2015 dedicou atenção especial ao se tratar de cumprimento de sentença e decisão interlocutória, bem como execução de título executivo extrajudicial.

O credor que possuir título executivo judicial ou extrajudicial, poderá escolher entre os ritos da prisão, ou da expropriação, sendo possível ainda pleitear o desconto em folha de pagamento do devedor.

Desta forma, com as mudanças trazidas pela lei, é possível pleitear a cobrança através de quatro procedimentos: a) ação de cumprimento de sentença com base em título executivo judicial, sob pena de prisão; b) ação de cumprimento de sentença com base em título executivo judicial, sob pena de penhora; c) ação judicial de execução de alimentos, com base em título extrajudicial, sob pena de penhora; d) ação judicial de execução de alimentos, com base em título extrajudicial, sob pena de prisão.

3.1 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

A pensão alimentícia que tiver seu valor fixado através de sentença, ou decisão interlocutória que estabeleça provisoriamente os alimentos, pode ser cobrada pelo rito da prisão ou da expropriação.

Em relação a sentença sujeita de recurso ou execução de alimentos provisórios, o processo deve seguir em autos apartados, por outro lado, em caso de cobrança de alimentos fixados através de sentença definitiva, o processo deve ser buscado nos mesmos autos, conforme estabelece os parágrafos §1º e §2º do artigo 531 do CC.

Se o devedor de efetua o pagamento referente ao débito, mas não o faz em se tratando de custas processuais e honorários advocatícios, não é possível decretar sua prisão.

Em caso de pagamento da obrigação principal, porém inadimplente quanto as verbas sucumbenciais, a execução deverá prosseguir pelo rito da expropriação.

3.2 EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL

A lei não distingue a origem do título que possibilita à cobrança dos alimentos, podendo ele ser judicial ou extrajudicial, para que se possa buscar a satisfação da dívida através da tutela jurisdicional, de acordo com o artigo 911, do Código Civil. Além das sentenças, os títulos executivos extrajudiciais, possibilitam ao credor buscar a satisfação do crédito através da ameaça ao devedor com a sua prisão.

Não há necessidade de homologação judicial, em caso de reconhecimento da obrigação alimentar através de tais documentos, para que o credor possa buscar a tutela jurisdicional, quer seja pelo rito da prisão, quer seja pelo rito da expropriação. Nesses casos, no entanto, o juiz não pode agir ex officio2, em outras palavras, é imprescindível que, o responsável pelo crédito, através de propositura de ação judicial, busque sanar o débito.

3.3 RITO DA COAÇÃO PESSOAL

Indubitavelmente, a forma mais eficaz para garantir o pagamento da pensão alimentícia é através da ameaça de cerceamento da liberdade do devedor. Tal forma é acessível tanto para os alimentos fixados com base em títulos executivos judiciais, quanto aos títulos extrajudiciais. Entretanto, por força do artigo 528, §7º do CPC, essa via é restrita à cobrança das três últimas prestações vencidas até o ajuizamento da ação e mais aquelas que vencerão no decorrer do processo.

Basta que uma prestação não seja paga para que se possa haver o pedido do decreto de prisão. Antes de tal decreto, o devedor poderá ter o seu nome incluído no banco de dados do SPC e do SERASA. Isso ocorre, pelo fato de que no cumprimento de sentença que condene ao pagamento dos alimentos, o devedor será intimado pessoalmente para quitar a dívida alimentícia em até três dias, provar que ela já fora quitada ou justificar a impossibilidade de pagamento, sob pena de lhe ser protestado o débito alimentar.

Em caso de decreto prisional, este será em regime fechado e separado dos demais encarcerados. O devedor não se isenta do pagamento das parcelas que venceram e das que vencerão, em caso de cumprimento da pena, tendo em vista que ainda existe a necessidade por parte do alimentado.

Uma vez pagos os valores pendentes ou realizado acordo para o parcelamento da dívida, o juiz deverá suspender a prisão, conforme estabelece o artigo 528, § 6º, do Código de Processo Civil.

3.4 RITO DA EXPROPRIAÇÃO

Para as prestações devidas há mais de três meses, o exequente somente poderá buscar a satisfação delas através do rito da expropriação, independentemente da natureza do título (judicial ou extrajudicial).

Em se tratando de título extrajudicial, o credor deve propor ação de execução judicial por quantia certa, sendo necessário indicar os bens a serem penhorados.

Ao despachar o juiz fixa honorários advocatícios de 10% e, em caso de pagamento após citação do devedor, os honorários são reduzidos pela metade. O prazo para quitação da dívida é de três dias, a contar da juntada do aviso de recebimento aos autos.

O dinheiro é sempre a primeira opção de penhora e o credor pode, mensalmente, levantar o valor do encargo. Entretanto, se o devedor continua inadimplente, cabe ao oficial de justiça proceder à penhora e à avaliação dos bens.

Há ainda outros detalhes que podem ser ressaltados quanto ao processo que segue o rito da expropriação, entretanto, estes devem ser estudados separadamente, uma vez que se deve respeitar a finalidade do presente trabalho.


4. A PRISÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

No Brasil, após a chegada do coronavírus, houve uma grande mobilização dos Poderes da República, que atuaram de forma conjunta para desenvolver política públicas que fossem capazes de amenizar os efeitos da crise sanitária causada pela pandemia da covid-19.

No Judiciário, sob o contexto do estado de emergência em que se vive, percebe-se a necessidade de uma maior e mais detalhada análise acerca da jurisdição, para que possa haver um melhor entendimento no que se refere a realidade econômica e social vivenciada pelos cidadãos do país.

No dia 29 de outubro de 2021, na 95ª Sessão do Plenário Virtual, O CNJ aprovou uma Recomendação que orienta os magistrados a voltarem a decretar prisão de devedores de pensão alimentícia, em especial daqueles que se recusam a se vacinar para adiar o pagamento da dívida. O Ato Normativo 0007574-69.2021.2.00.0000 recomenda aos magistrados dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal que avaliem o contexto epidemiológico local, o calendário de vacinação do município de residência do devedor, a situação concreta do contágio da população carcerária local e a eventual recusa do devedor em vacinar-se, como forma de postergar o cumprimento da obrigação alimentícia.

Entretanto, mesmo com a recomendação e diante da atual situação pandêmica, o Poder Público continua a aplacar a severidade de procedimentos que possibilitam o cárcere do devedor de alimentos, o que evidencia a necessidade de um novo estudo, que analise a técnica da prisão civil, bem como os benefícios e malefícios que os indivíduos em torno da situação possam incorrer.

4.1 OS EFEITOS DA PANDEMIA NA POSSIBILIDADE DE ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

A crise financeira causada pela pandemia atinge, de forma direta, todos os indivíduos que necessitam da prestação alimentícia. No período de quarentena, algumas das despesas dos alimentados sofreram aumento significativo em virtude da orientação de isolamento social. Gastos como alimentação e energia, por exemplo, são naturalmente majorados quando se passa mais tempo em casa. Como consequência dos fatos apresentados, pode-se concluir que o Poder Judiciário foi afetado da mesma forma pela doença, tanto pelo fato do trabalho presencial ter sido limitado, ocasionando no atraso e na lentidão dos atos processuais, como, possivelmente, pelo aumento na procura do judiciário para sanar os conflitos do dia a dia, além daqueles causados pela pandemia, como no caso da interferência da Covid-19 na possibilidade de prestação dos alimentos.

Cabe ressaltar, que a obrigação alimentar é devida mesmo em tempos de exceção, permanecendo válida durante o período pandêmico. Desta forma, o cenário econômico vivenciado em nada influenciará, restando ao credor cumprir a prestação já alcançada ou estipulada pelo Poder Judiciário.

Ainda que a rotina do alimentado tenha sido alterada pelos métodos de prevenção da doença, as necessidades básicas permanecem sendo cuidados que precisam ser atendidos, tendo em vista que estão intimamente ligadas ao respeito a dignidade da pessoa humana.

Apesar do cenário crítico, o desemprego não pode ser alegado como causa de exclusão do pagamento da obrigação alimentar, pois, mesmo o alimentante estando em dificuldade, continua sendo de sua responsabilidade suprir as necessidades do alimentado. Analisando as medidas encontradas pela justiça, Fonseca (2021) expõe:

[...] caberá, assim, ao Poder Judiciário, atento a essa nova realidade, atuar de forma a restabelecer o equilíbrio desta relação, readequando-a ao chamado trinômio necessidade x possibilidade x proporcionalidade que deve pautar toda e qualquer obrigação alimentar. Tudo, aliás, sem fechar os olhos para possíveis tentativas oportunistas, de aproveitamento da delicadeza do momento para extração de vantagens indevidas.

Dessa forma, diante de um cenário cada vez mais pobre, o Poder Judiciário tem buscado decisões que envolvam alimentos, para que possa haver pacificação e uma efetiva garantia do direito fundamental.

4.2 PRISÃO DOMICILIAR SOB A ÓTICA DA LEI Nº 10.410 DE 2020

Com a Recomendação de n° 62, de 17/03/2020, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, tribunais e magistrados passaram a adotar medidas preventivas à propagação da infecção da Covid-19, dentro dos sistema de justiça penal e socioeducativo brasileiro.

O Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia de coronavírus, criado através da Lei n° 10.410, editada no dia 10 de junho de 2020 pelo Poder legislativo, regulou as relações jurídicas de Direito Privado, durante o período da pandemia.

No artigo 15 da referida lei, ficou previsto que até 30 de outubro de 2020, a prisão por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3° e seguintes do Código de Processo Civil, deveria ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Entretanto, muito se discutiu sobre a possibilidade de prisão civil em regime fechado do devedor de alimentos após a referida data, uma vez que a pandemia ainda estava longe de acabar. Após alguns avanços na jurisprudência, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou que o contexto da pandemia da Covid-19 ainda não permite que o devedor de alimentos seja encarcerado sob regime fechado.

No dia 23 de fevereiro de 2021, a Ministra do STJ, Nancy Andrighi, proferiu uma decisão monocrática, que concedeu pedido liminar em sede de habeas corpus impetrado por devedor de alimentos que, executado sob o rito de prisão, encontrava-se encarcerado.

O Julgado preceitua:

A questão vertida no presente habeas corpus revela-se juridicamente relevante, na medida em que é preciso definir se, após 30/10/2020, data em que a Lei 14.010/2020 (RJET) perdeu a eficácia, as prisões civis dos devedores de alimentos deverão novamente obedecer a regra do art. 528, §4º, do CPC (cumprimento da prisão em regime fechado), deverão continuar obedecendo a regra do art. 15. da Lei 14.010/2020 (cumprimento da prisão em regime domiciliar) ou se deverá haver a suspensão momentânea do cumprimento dos mandados de prisão (nos termos de precedente desta Corte no HC 574.495/SP, 3ªTurma, DJe 01/06/2020). De outro lado, dado que o devedor, neste momento, encontra-se encarcerado e cumpre a prisão civil em regime fechado, na forma do art. 528, §4º, do CPC, há evidente risco de ineficácia e de inutilidade do provimento final se, ao final, a Turma Julgadora deliberar não ser esse o modo adequado de cumprimento da prisão do devedor de alimentos após a perda de eficácia da Lei 14.010/2020. Forte nessas razões, DEFIRO a liminar pleiteada, ressalvada possível alteração desse posicionamento diante de análise exaustiva da matéria.

(STJ, HC 645.640/SC, Decisão monocrática, Min. Nancy Andrighi, DJe 23/02/2021).

De acordo com Andrighi (STJ, 2021) em razão do quadro social e humanitário ainda causado pela pandemia, não é possível retomar a medida coativa extrema. Em muitas situações, é suficiente para dobrar a renitência do devedor de alimentos, sobretudo daquele contumaz e que reúne condições de adimplir a obrigação".

Nessa linha de raciocínio vale salientar o fato de que, para todos os casos, não se pode simplesmente adiar o cumprimento da prisão fechada para um período posterior ou considerar de forma automática o regime domiciliar adequado, pelo fato de não haver previsão certa de quando a prisão poderá ser efetivada e existirem uma infinidade de situações em que a prisão domiciliar seria ineficaz.

Para Rosa (IBDFAM, 2021) as recomendações do CNJ acabaram por incentivar as dívidas de pensões alimentícias. Isso porque, sem a possibilidade da prisão, que deveria acontecer em regime fechado, impulsiona-se o inadimplemento das parcelas", defende. Para ele, considerando o contexto em que toda a população segue a quarentena e o isolamento social, a prisão domiciliar é inócua. "Deixa de cumprir a finalidade coercitiva que, na prática, obriga continuamente ao alimentante de encontrar meios de garantir o sustento daqueles a quem a lei determina, justamente, para evitar seu aprisionamento", opina Rosa (IBDFAM, 2021).

Compartilhando da mesma opinião, Alves (IBDFAM, 2021), juiz titular da 2ª Vara de Família e Sucessões de Porto Velho:

Para o adimplemento do crédito alimentar, é possível a prisão do devedor de alimentos, dada a sua essencialidade, conforme prevê a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso LXVII. As execuções de alimentos, a partir de novembro de 2020, retomaram o seu curso regular, com a decretação da prisão em regime fechado. Ou seja, tanto as execuções que foram suspensas como as que foram propostas a partir de então (novembro de 2020) estão tendo trâmite regular, previsto no artigo 528 do CPC, com a decretação de prisão civil, em regime fechado, nos casos de não pagamento do débito alimentar ou não acatada a justificativa da impossibilidade de efetuá-lo.

Por fim, deve-se analisar que mesmo após o prazo previsto na Lei 14.010/2020, os magistrados optaram por seguir no entendimento de que a prisão do devedor de alimentos seja cumprida em regime domiciliar. Assim, inexiste norma que regule como deverão ser cumpridas as prisões civis por dívida alimentícia. O que se pode verificar é que os tribunais seguem conferindo a prioridade de escolha de indicação do rito por parte do credor, bem como, se o cumprimento da prisão deve ocorrer na modalidade domiciliar ou se em um momento posterior a pandemia, em regime fechado.

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Sobre o autor
João Reinaldo Freitas Rodrigues

Acadêmico(a) da 10ª etapa do curso de Direito da Universidade de Uberaba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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