Influência da pandemia nas relações de trabalho: Lei 14.010/2020 e regime jurídico emergencial transitório (parte 1)

02/01/2022 às 12:47
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1. Introdução

Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o Covid-19, causado pelo novo coronavírus, já é uma pandemia. Segundo a Organização, pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença e o termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.

OMS tem tratado da disseminação em uma escala de tempo muito curta, preocupado com o país com níveis alarmantes de contaminação. Por essa razão, consideramos que o Covid-19 pode ser caracterizado como uma pandemia, Tedros Adhanom.

Antes da Covid-19, a pandemia mais recente havia sido em 2009, com a chamada gripe suína, causada pelo vírus H1N1. Acredita-se que o vírus veio do porco e de aves, e o primeiro caso foi registrado no México. A OMS elevou o status da doença para pandemia em junho daquele ano, após contabilizar 36 mil casos em 75 países. No total, 187 países registraram casos e quase 300 mil pessoas morreram. O fim da pandemia foi decretado pela OMS em agosto de 2010.

Covid-19 vem se somar a uma lista extensa e que percorre um vasto período de tempo, como podemos conferir abaixo:

Peste do Egito (430 a.C.) - a febre tifoide matou um quarto das tropas atenienses e um quarto da população da cidade durante a Guerra do Peloponeso. Esta doença fatal debilitou o domínio de Atenas, mas a virulência completa da doença preveniu sua expansão para outras regiões, a doença exterminou seus hospedeiros a uma taxa mais rápida que a velocidade de transmissão. A causa exata da peste era por muitos anos desconhecida; em janeiro de 2006, investigadores da Universidade de Atenas analisaram dentes recuperados de uma sepultura coletiva debaixo da cidade e confirmaram a presença de bactérias responsáveis pela febre tifoide.

Peste Antonina (165180) - possivelmente causada pela varíola trazida próximo ao Leste; matou um quarto dos infectados. Cinco milhões no total.

Peste de Cipriano (250271) - possivelmente causada por varíola ou sarampo, iniciou-se nas províncias orientais e espalhou-se pelo Império Romano inteiro. Segundo relatado, em seu auge chegou a matar 5 000 pessoas por dia em Roma.

Peste de Justiniano (541-x). A primeira contaminação registrada de peste bubônica. Começou no Egito e chegou à Constantinopla na primavera seguinte, enquanto matava (de acordo com o cronista bizantino Procópio de Cesareia) 10 000 pessoas por dia, atingindo 40% dos habitantes da cidade. Foi eliminada até um quarto da população do oriente médio.

Peste Negra (1300) - oitocentos anos depois do último aparecimento, a peste bubônica tinha voltado à Europa. Começando a contaminação na Ásia, a doença chegou à Europa mediterrânea e ocidental em 1348 (possivelmente de comerciantes fugindo de italianos lutando na Crimeia), e matou vinte milhões de europeus em seis anos, um quarto da população total e até metade nas áreas urbanas mais afetadas.

Gripe Espanhola (1918-1920) - A "gripe espanhola" foi uma pandemia do vírus influenza (H1N1) que, entre janeiro de 1918 e dezembro de 1920, infectou 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época. Estima-se majoritariamente que o número de mortos esteja entre 17 milhões a 50 milhões, com algumas projeções indicando até 100 milhões. Independente da diferença entre os números, trata-se de uma das epidemias mais mortais da história da humanidade. 

1.1 Mudanças que vieram com a Covid-19

O mundo do trabalho está sendo profundamente afetado pela pandemia global do vírus. Além da ameaça à saúde pública, a pandemia acarreta impactos econômicos e sociais que afetam os meios de subsistência e o bem-estar de milhões de pessoas no longo prazo. A OIT e seus constituintes - governos, organizações de trabalhadores e de empregadores, desempenharão um papel crucial no combate ao surto, garantindo a segurança das pessoas e a sustentabilidade das empresas e dos empregos.

A pandemia causada pelo covid-19 gerou grande impacto no mundo do trabalho. A necessidade da adoção de medidas sanitárias para evitar a propagação do vírus afetou trabalhadores, empresas e empregos. Com isso, a população teve que se adaptar a uma nova rotina diária e práticas como o home office (quando possível) se tornaram uma realidade necessária para a sobrevivência de muitas atividades.

Mas não foram apenas os costumes do dia a dia que sofreram alterações. Em função da pandemia, foram editadas diversas medidas legislativas para fornecer soluções temporárias, como a lei 14.020/20, que criou opções para as empresas, como: antecipar férias, reduzir a extensão do tempo do trabalho e suspender o contrato de trabalho (hipótese em que o trabalhador fica em casa e recebe seu salário, no caso das medidas criadas pela pandemia, o Governo pagou um benefício em substituição ao salário).

Todas essas medidas criaram alterações temporárias nos contratos de trabalho para as empresas e empregados participantes. 

1.1.1 Principais mudanças

Com a decretação do estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional, algumas medidas imediatas foram adotadas em regime de urgências para possibilitar a continuidade das atividades do Poder Público e das empresas. Outras já existiam, e encontraram a sua importância neste período excepcional.

1.1.2 A adesão ao teletrabalho

Dentre as inúmeras medidas adotadas, a primeira resposta às determinações de isolamento de pessoas veio com a instituição do teletrabalho em muitas empresas. Vários empregadores se viram na obrigação de realizar essa mudança de regime de jornada, para que seus empregados pudessem regressar quando diminuído o risco de contágio do vírus, conforme as determinações das autoridades sanitárias.

Neste sentido, o art. 75-C da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), registra que o empregador pode alterar o regime de trabalho na sede de trabalho da empresa (presencial) para o teletrabalho. Para essa mudança, é necessário que ambas as partes estejam de acordo e seja escrito um novo contrato à parte (aditivo) para registrar essa alteração.

E quando houver a vontade de voltar ao regime presencial, essa alteração do teletrabalho para o regime presencial deve respeitar o prazo de transição de 15 dias, já que o retorno ao trabalho presencial não exige a concordância do trabalhador. Ou seja, o prazo de 15 dias busca auxiliar o trabalhador a se adaptar ao retorno à atividade presencial na sede da empresa.

O teletrabalho já existia na legislação brasileira desde o ano de 2017, desde a edição da reforma trabalhista pela lei 13.467/17. Contudo, não era visto com muita confiança pelas empresas. Em razão das urgências instituídas pelo combate à covid-19, a medida passou a ser uma alternativa. Neste sentido a Confederação Nacional do Comércio estima que durante a pandemia essa alternativa tenha crescido cerca de 30%

1.1.3 Diferença entre teletrabalho e home office

Uma mudança que não foi instituída pelo Governo, mas sim pelas empresas, que teve papel de destaque e se consolidou como uma realidade foi o trabalho remoto, conhecido como home office.

O teletrabalho se caracteriza por um trabalho à distância e que não é realizado na sede da empresa, sem haver também controle da jornada de trabalho. Já o home office é como se o trabalhador estivesse na empresa (só que na verdade ele está em casa) e a empresa permanece controlando sua jornada. 

home office é temporário e não exige a realização de um contrato, o que já não ocorre com o teletrabalho que exige a instituição de um contrato, e na qual o retorno do trabalhador ao trabalho presencial também exige a edição de um novo contrato.

1.1.4 O benefício emergencial de emprego e renda

Conforme mencionamos, uma das medidas criadas pelo Governo para auxiliar as empresas, foi a possibilidade de suspender os contratos de trabalho, com a possibilidade do Governo auxiliar com o pagamento de parte dos salários.

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Isso foi inicialmente trazido pela medida provisória nº 936/2020, posteriormente convertida na Lei 14.020/2020. A lei admitiu a suspensão do contrato de trabalho e, a depender do faturamento da empresa e da faixa salarial do empregado, o Governo Federal arcaria entre 70% à 100% do salário que faria jus o empregado, quando fosse receber o seu seguro desemprego. Logo, não seria pago o salário integral do empregado, mas com base num percentual do valor que o empregado receberia quando fosse solicitar o seu seguro-desemprego.

Em linhas gerais, o empregado teria o contrato suspenso e consequentemente o recebimento de salário, podendo ou não uma parte do salário ser subsidiada pelo empregador, ou totalmente pelo Governo Federal, em caso da empresa suspender suas atividades e o trabalho remoto não ser possível.

Outra medida instituída, foi a possibilidade de redução da jornada de trabalho em 25%, 50% ou 70% pelo período de até 90 dias, em que o trabalhador receberia os salários compatível com a quantidade de horas que efetivamente tivesse trabalhado.

Estas duas medidas foram incorporadas pela lei 14.020/20 e conforme foi noticiado de forma constante na mídia, a referida lei perdeu a sua vigência (o seu tempo de existência terminou) e de forma clara a pandemia continuou. Atualmente, o projeto de lei (PL) 6/2021, do senador Rogério Carvalho do PT-SE, visa propor uma nova prorrogação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

1.1.5 Relação de emprego

Ter estabilidade provisória nas relações de trabalho, significa dizer que no período registrado na lei, o empregado não pode ter o seu contrato de trabalho rescindido. O Benefício Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda, que autorizava a suspensão ou a redução de jornada de trabalho, garantia a estabilidade provisória do empregado beneficiado pelo período correspondente ao tempo de recebimento do benefício.

Esta estabilidade provisória está registrada no art. 10 inciso I e II da lei 14.020/20, em que se registra que pelo mesmo período em que vigorou a suspensão ou redução de jornada, deverá o empregado ter garantido o período de estabilidade.

Importa ressaltar que diante do descumprimento da estabilidade provisória, algumas demandas trabalhistas já são uma realidade no sentido de fazer valer a estabilidade advinda com a lei. Em um processo judicial o trabalhador tem o direito de ser reintegrado à sua função. Cabe ressaltar ainda que, em alguns casos, é comum os Juízes converter em indenização os salários que o funcionário teria direito no período da estabilidade.

1.1.6 Auxílio Emergencial

auxílio emergencial, criado pela lei 13.982/2020, foi outra medida adotada com o objetivo de alcançar a outra camada da população que não tem emprego formal (trabalho com carteira assinada), como os autônomos, MEI (Micro empreendedores individuais) que também trabalham, mas não com carteira assinada, bem como, desempregados e beneficiários do bolsa família.

Aos que tiveram o seu benefício aprovado, foram pagas 5 parcelas no valor de R$ 600,00. No caso de mulheres provedora do lar que não possuam ajuda de outra pessoa (família monoparental), as 5 parcelas foram pagas no valor de R$ 1.200,00.

Um ano depois dos primeiros casos, a pandemia permanece com força total e muitos trabalhadores perderam seus empregos ou tiveram suas rendas diminuídas. Por isso, se fez necessário um novo auxílio emergencial pela MP 1039/21, cujo valor variam entre 4 parcelas de R$150,00 a R$375,00 reais, a depender de novos critérios e com pagamento previsto para o mês de abril/2021.

Parte 1

Seguiremos em outro texto


Referências

Teletrabalho ganha força como alternativa durante a pandemia. Agência brasil. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-06/teletrabalho-ganha-forca-como-alternativa-durante-pandemia>.

Governo adia pagamento de tributos federais de março e abril. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-03/governo-prorroga-pagamento-tributos-federais-meses#:~:text=Governo%20adia%20pagamento%20de%20tributos%20federais%20de%20mar%C3%A7o%20e%20abril,-3%20de%20abril&text=O%20Minist%C3%A9rio%20da%20Economia%20publicou,meio%20%C3%A0%20pandemia%20do%20coronav%C3%ADrus>

Medida Provisória traz novas regras do novo auxílio emergencial. Senado Federal. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/737784-medida-provisoria-traz-regras-para-o-pagamento-do-novo-auxilio-emergencial/>.

Projeto recria programa de manutenção do emprego e da renda. Senado Federal. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/02/12/projeto-recria-programa-de-manutencao-do-emprego-e-renda-por-mais-180-dias>.

Nicole Capovilla Fernandes de Faria/Presidente da Comissão Estadual da Jovem Advocacia OAB SP/Claudinéia Helena da Silva/Bianca Rodrigues Marchesini.

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Sobre o autor
Gleibe Pretti

Pós Doutorado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina- nota 6 na CAPES -2023) Link de acesso: https://ppgd.ufsc.br/colegiado-delegado/atas-delegado-2022/ Doutor no Programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR- CAPES-nota 5), área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, com a tese: APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS, COMO UMA FORMA DE EFETIVIDADE DA JUSTIÇA (Concluído em 09/06/2022, aprovado com nota máxima). Segue o link de acesso a tese: https://portal.unimar.br/site/public/pdf/dissertacoes/53082B5076D221F668102851209A6BBA.pdf ; Mestre em Análise Geoambiental na Univeritas (UnG). (2017) Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito e Processo do Trabalho na UNIFIA-UNISEPE (2015). Bacharel em Direito na Universidade São Francisco (2002), Licenciatura em Sociologia na Faculdade Paulista São José (2014), Licenciatura em história (2021) e Licenciatura em Pedagogia (2023) pela FAUSP. Perícia Judicial pelo CONPEJ em 2011 e ABCAD (360h) formação complementar em perícia grafotécnica. Coordenador do programa de mestrado em direito da MUST University. Coordenador da pós graduação lato sensu em Direito do CEJU (SP). Atualmente é Professor Universitário na Graduação nas seguintes faculdades: Faculdades Campos Salles (FICS) e UniDrummond. UNITAU (Universidade de Taubaté), como professor da pós graduação em direito do trabalho, assim como arbitragem, Professor da Jus Expert, em perícia grafotécnica, documentoscopia, perícia, avaliador de bens móveis e investigador de usucapião. Professor do SEBRAE- para empreendedores. Membro e pesquisador do Grupo de pesquisa em Epistemologia da prática arbitral nacional e internacional, da Universidade de Marília (UNIMAR) com o endereço: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2781165061648836 em que o líder é o Prof. Dr. Elias Marques de Medeiros Neto. Avaliador de artigos da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Editor Chefe Revista educação B1 (Ung) de 2017 até 2019. Colaborador científico da RFT. Atua como Advogado, Árbitro na Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada de São Paulo S.S. Ltda. Cames/SP e na Secretaria Nacional dos Direitos Autorais e Propriedade Intelectual (SNDAPI), da Secretaria Especial de Cultura (Secult), desde 2015. Mediador, conciliador e árbitro formado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Especialista nas áreas de Direito e Processo do Trabalho, assim como em Arbitragem e sistema multiportas. Focado em novidades da área como: LGPD nas empresas, Empreendedorismo em face do desemprego, Direito do Trabalho Pós Pandemia, Marketing Jurídico, Direito do Trabalho e métodos de solução de conflito (Arbitragem), Meio ambiente do Trabalho e Sustentabilidade, Mindset 4.0 nas relações trabalhistas, Compliance Trabalhista, Direito do Trabalho numa sociedade líquida, dentre outros). Autor de mais de 100 livros na área trabalhista e perícia, dentre outros com mais de 430 artigos jurídicos (período de 2021 a 2024), em revistas e sites jurídicos, realizados individualmente ou em conjunto. Autor com mais produções no Centro Universitário Estácio, anos 2021 e 2022. Tel: 11 982073053 Email: [email protected] Redes sociais: @professorgleibepretti Publicações no ResearchGate- pesquisadores (https://www.researchgate.net/search?q=gleibe20pretti) 21 publicações/ 472 leituras / 239 citações (atualizado julho de 2024)

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