A autonomia do Direito Tributário tem matriz constitucional no art. 24, I da CF:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislaar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, ...”
Essa autonomia está proclamada, também no art. 109 do CTN:
... “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam‑se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.
Diante desses textos legislativos as opiniões se dividiram. De um lado, os defensores da autonomia sustentando que conceitos de direito privado não servem para o direito tributário regido por princípios de direito público, onde impera o princípio da estrita legalidade em contraposição ao direito privado, em que prevalece o princípio da licitude ampla. De outra banda, os defensores da unicidade do direito proclamando a aplicação dos conceitos de direito privado, não só no campo do direito tributário, como também em qualquer outro ramo da grande árvore jurídica, que é a ciência do direito.
Entretanto, não se olvida quanto à unidade do Direito. Porém, isso não significa que não comporte divisão em diversos ramos, para fins didáticos que, por si só, não significa autonomia. Da mesma forma, obras especializadas, jurisprudência específica, isoladamente, não são suficientes para proclamar a autonomia de determinado ramo do direito. O que caracteriza a autonomia de determinado ramo é a existência de princípios jurídicos específicos não aplicáveis a outros ramos do direito. Na feliz definição de Fonrouge “autonomia é um ramo do direito que dispõe de princípios gerais próprios e que atua coordenadamente, em permanente conexão e interdependência com as demais disciplinas, como integrantes de um todo orgânico (unidade do direito)”.[1]
Os princípios gerais próprios, referidos por Fonrouge, são aqueles específicos. O direito tributário, que antes pertencia ao direito financeiro, e antes dele, ao direito administrativo, teve sua autonomia reconhecida pela Constituição Federal (art. 24, I), pela doutrina e jurisprudência, a partir da constatação de que ele possui princípios específicos não aplicáveis a outros ramos do direito: princípios da capacidade contributiva, da vedação de efeitos confiscatórios, da uniformidade geográfica, da imunidade recíproca e imunidade genérica etc.
Assinale-se que autonomia do direito tributário não significa divorciar‑se dos princípios gerais de direito. Não existe e nem pode existir divisões estanques na área do direito que é uno e indivisível. A proclamada autonomia diz respeito ao ramo da ciência jurídica, nunca à ciência em si. Como assinala Ruy Barbosa Nogueira, “ramos do direito correspondem a uma especificação ou subdivisão dentro da própria ciência do direito, para melhor elaboração e compreensão das normas que devem regular relações fáticas especiais, por formas jurídicas também especiais”. [2]
Dessa forma, é natural que o direito tributário se relacione com outros ramos do direito. Tem estreitas relações com o direito constitucional por representar o tronco da árvore jurídica, da qual nascem os diversos ramos; relaciona‑se com o direito financeiro, do qual se destacou para o estudo específico de uma parte da receita, à luz de princípios próprios que regem as relações entre o fisco e o contribuinte; com o direito administrativo que antes estudava as disciplinas cabentes ao direito financeiro e direito tributário etc.
O art. 109 do CTN retrorreferido é uma reafirmação da autonomia do direito tributário. Contudo, não se pode olvidar a necessidade de relacionamento com o direito privado, na medida em que a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas consagradas no campo do direito civil ou do direito comercial são vinculantes dentro do direito tributário, inexistindo norma expressa em sentido contrário. [3] Isto quer dizer que nada impede de o direito tributário utilizar‑se de uma categoria do direito civil, por exemplo, para atribuir-lhe efeitos diversos para fins fiscais.
Exemplo disso é o disposto no art. 9o da Lei no 9.249/1995, que permite à pessoa jurídica “deduzir para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualmente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP”. É patente que esses juros sobre capital próprio a serem pagos em substituição aos lucros e dividendos não correspondem ao conceito de juros dados pelo direito civil, porque não são frutos de um mútuo ou de um financiamento, mas, de um investimento de risco. Porém, a lei tributária, valendo‑se de sua autonomia, conferiu-lhe tratamento de juros, para o efeito de apuração do IRPJ e da CSLL.
A eliminação da possibilidade de a lei tributária conferir efeitos diversos a categorias ou institutos de direito privado gera, entre os contribuintes, o abuso de formas de direito privado para se livrarem do encargo tributário. Por exemplo, para se livrar do imposto sobre a transmissão de propriedade imobiliária por ato inter vivos, eleito como fato gerador do ITBI por representar manifestação de capacidade econômica, o contribuinte poderia substituir a escritura de compra e venda por uma procuração irrevogável em causa própria.
Com o fito de reprimir abusos de formas jurídicas a LC no 104/2001 acrescentou o polêmico parágrafo único ao art. 116 do CTN prescrevendo que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Não há, ainda, procedimento estabelecido em lei ordinária. O que existe é a desqualificação da pessoa jurídica por decisão judicial, a pedido das partes ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, exclusivamente na hipótese de abuso de personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, conforme prescreve o art. 50 do CC.
Em síntese, os princípios gerais de direito privado têm plena eficácia no campo do direito tributário, embora sujeitos às alterações quanto aos efeitos tributários.
[1] FONROUGE, Carlos M. Giuliani. Derecho financeiro. Buenos Aires: Depalma, 1970. p. 33.
[2] Curso de direito... cit., p. 35.
[3] A vinculação é absoluta nas hipóteses do art. 110 do CTN.