O princípio constitucional da solidariedade e a sua expressão no ordenamento jurídico brasileiro

19/01/2022 às 01:42
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O artigo analisa como ocorre a incidência do princípio constitucional da solidariedade no ordenamento jurídico brasileiro.

 

1 INTRODUÇÃO

Ao conviverem em sociedade, os indivíduos precisam direcionar as suas ações de forma a contribuírem com o bem-estar dos demais, orientando os seus atos em prol da coletividade.

O Princípio da Solidariedade se manifesta no mundo jurídico, inicialmente, pelo postulado da Dignidade Humana. Princípio basilar do nosso ordenamento jurídico, do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana decorrem os Direitos e Garantias Fundamentais.

Sendo assim, as normas constitucionais que visam a realização da justiça distributiva não possuem como destinatário apenas o Estado, mas também a sociedade, sendo cada cidadão responsável pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

2 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

A solidariedade possui um sentido de mútua colaboração, e consiste na partilha de responsabilidades, de forma a primar pelo corpo social. A solidariedade pode ser empregada de forma vertical (partindo do Estado para o povo) ou horizontalmente, sendo realizada por particulares em suas relações privadas no último caso. Sobre as dimensões da solidariedade, leciona Fábio Konder Comparato (2019, p. 51):

A solidariedade técnica traduz-se pela padronização de costumes e modos de vida, pela homogeneização universal das formas de trabalho, de produção e troca de bens, pela globalização dos meios de transporte e de comunicação. Paralelamente, a solidariedade ética, fundada sobre o respeito aos direitos humanos, estabelece as bases para a construção de uma cidadania mundial, onde já não há relações de dominação, individual ou coletiva.

A partir da sua consagração do propósito da construção de uma sociedade solidária entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a solidariedade se torna um critério de interpretação, um plano de ação e um caminho a ser trilhado por toda a sociedade brasileira. Nesse sentido, Massaú (2012, p. 147) observa que:

A solidariedade, embora seja um tema fortemente voltado à sociologia e às suas subáreas, adquire relevância a partir do momento em que o Direito é afetado por dinâmicas conflitivas cujos seus mecanismos não suportam a contingência dos fatores que o próprio regula devido a sua intensidade. Destarte, a solidariedade assume elemento principal de conexão interindividual própria da condição humana de ser social mantendo o ser individual. Duas dimensões inerentes ao Homem que devem coexistir sem que uma se sobreponha a outra, não de pessoas passivas, mas de cidadão conscientes e articulados na efetivação dos direitos humanos e na efetivação dos mandamentos constitucionais.

O Estado Democrático de Direito depende de uma sociedade solidária. O Princípio da Solidariedade é fundamental para o desenvolvimento nacional e para o respeito ao princípio essencial do nosso ordenamento jurídico: A Dignidade da Pessoa Humana. Sobre o tema, Fábio Konder Comparato (2019, p. 69-70) assevera que:

A contrapartida dos direitos humanos são deveres da mesma natureza. Até o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais, os deveres correspondentes aos direitos humanos eram considerados incumbidos apenas ao Estado. Hoje, reconhece-se que, além dos Poderes Públicos, todos os indivíduos e as pessoas jurídicas de direito privado têm o dever de respeitar os direitos humanos de qualquer espécie.

O comando inserto no art. 3º, I, da Constituição Federal [...] construir uma sociedade livre, justa e solidária é um fim a ser alcançado pela nação brasileira e a sua relevância jurídica indica que somos corresponsáveis pela realização da solidariedade e beneficiários dela, mutualmente, na busca da igualdade material e da justiça social. Segundo Maria Célia Bodin de Moraes (1993, p. 17):

Ao imputar, ao Estado e a todos os membros da sociedade, o encargo de construir uma sociedade solidária, através da distribuição de justiça social, o texto constitucional agregou um novo valor aos já existentes, ao estabelecer natureza jurídica ao dever de solidariedade, que tornou passível, portanto, de exigibilidade.

Por sua consagração no texto constitucional, a Solidariedade ultrapassa o campo da ética e da hermenêutica, tornando-se um princípio constitucional, além de cláusula geral e propósito a ser alcançado pelo Brasil. O objetivo fundamental da república, previsto no inciso I, do art. 3º da Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária demanda a cooperação entre os entes. Essa contribuição é uma manifestação do Princípio da Solidariedade. Conforme refletem Reis e Quintana (2018, p. 239):

[] é possível compreender as transformações que o princípio/direito fundamental à solidariedade provocou no ordenamento jurídico brasileiro, pois, a partir do momento em que o mesmo passa a permear todas as relações, presume-se que todas elas deverão observar e procurar concretizar o referido princípio/direito.

O desejo pela consecução desses objetivos previstos no artigo terceiro da Constituição é uma das características essenciais da República Federativa do Brasil, que deve guiar a atuação dos agentes públicos e de todos os cidadãos.

3 A EXPRESSÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOLIDARIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Princípio da Solidariedade está presente nos variados ramos do Direito, permeando o ordenamento jurídico brasileiro e se expressando mediante mandamentos constitucionais, legais, pela previsão de políticas públicas e condutas que visem a consagração e a efetivação de direitos. Assim, o Princípio da Solidariedade constitui-se em instrumento da realização dos direitos constitucionais.

Pelo mandamento constitucional (art. 170), a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Esse imperativo decorre da cláusula de transformação inserta no inciso I, do art. 3º da Carta Magna. Pois, a ordem econômica deve seguir os mecanismos que dão base a uma nação solidária e na realização de um Estado Social.

O Federalismo Cooperativo ou de Equilíbrio reclama a solidariedade e a reciprocidade entre os entes federativos para o alcance de um Estado Social, disso decorre o Princípio da Solidariedade Federativa. O art. 241 prevê a aliança da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a realização de interesses comuns, este dispositivo está regulamentado pela Lei Federal n°11.107/05, que norteia o processo de contratação de consórcios públicos.

Nessa senda solidária, está a previsão de diminuição de desigualdades regionais e do desenvolvimento das regiões (art. 43 da Constituição Federal), com a indicação de incentivos fiscais e mecanismos para o desenvolvimento econômico de todas as regiões do Brasil. Essas ações a serem incrementadas pelo Estado são aplicações do Princípio da Solidariedade.

A repartição das receitas tributárias é uma expressão do Princípio da Solidariedade e do Federalismo Cooperativo (artigos 17, 158 e 159 da Constituição Federal e arts. 82 e 84 do Código Tributário Nacional).

O Princípio da Solidariedade Federativa também está previsto no artigo 144, da CF/88, que estabelece que a segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos e delimita o campo de atuação de cada um dos órgãos de segurança pública.

A política previdenciária é calcada no Princípio da Solidariedade. Tanto a previsão do caráter contributivo da previdência social (art. 194, VI, da CRFB), quanto a cobrança da contribuição dos servidores inativos (art. 40, caput, da Constituição Federal) exemplificam que a solidariedade é um dos alicerces do direito previdenciário.

Sobre a realização da solidariedade por particulares, podemos citar a atribuição de deveres a todos, como é a obrigação de preservação do meio ambiente (Princípio da Solidariedade Intergeracional art. 225 da CF). Citemos também o Princípio da Prioridade Absoluta, que atribuiu à família e à sociedade (além do Estado) o dever de assegurar às crianças, aos adolescentes e aos jovens, a dignidade e uma série de direitos e de mandamentos de proteção (art. 227 da CRFB).

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O atendimento à função social exigida da propriedade (art. 5º, XXIII da CF e art. 2.025, do Código Civil) e dos contratos (art. 421, do CC) é uma expressão do Princípio da Solidariedade.

Na aplicação sob a perspectiva horizontal do Princípio da Solidariedade, no plano do Direito de Família existem as previsões de mútua assistência entre os cônjuges (art. 1.566, III, do Código Civil), os deveres de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 1.566, IV, do diploma civilista), a reciprocidade do direito à prestação de alimentos entre ascendentes e descendentes (art. 1.696, do CC).

O Direito Condominial bem expressa o emprego horizontal do Princípio da Solidariedade, pois impõe regras de conduta em prol da realização do bem da coletividade de moradores, ou normas que favoreçam os condôminos em situações peculiares, necessitados do agir solidário dos demais habitantes do condomínio. Essas ações refletem muito claramente o caráter harmonizador do Princípio da Solidariedade. Nesse sentido, Morais e Massaú (2011, p. 171): Além de servir de ajuda mútua, a solidariedade reduz indiferenças e conflitos, é uma atitude positiva em relação à tolerância e compositora de uma ordem e um bem comum [...].

Pelo exposto, não é possível esgotar as ocorrências do Princípio da Solidariedade no nosso ordenamento jurídico, mas fica claro a sua extrema relevância e fundamental função para o alcance dos objetivos e comandos da nossa Carta Magna.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Princípio da Solidariedade se manifesta nos variados ramos do Direito, ainda que não seja possível citar nesse trabalho todas essas ocorrências. A partir da sua consagração enquanto objetivo fundamental da República, os mecanismos substanciais do nosso Estado Social e as dinâmicas sociais reclamam ações solidárias dos entes federativos e dos cidadãos.

O artigo 3º, da nossa Carta Magna enuncia metas essenciais a serem alcançadas não de forma estagnada, mas com um sentido de ações constantes, concatenadas e permanentes.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do BrasilDiário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 de abril de 2021.

_______. Código Civil: Lei n.° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2021.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

MASSAÚ, Guilherme Camargo. A perspectiva da solidariedade a ser considerada pelo direito. Systemas Revista de Ciências Jurídicas e Econômicas, Campo Grande, v. 4, p. 133-148, 2012.

MORAES, Maria Célia Bodin de. A caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil. São Paulo, v. 6, jul./set. 1993.

MORAIS, José Luiz Bolzan de; MASSAÚ, Guilherme Camargo. A solidariedade como elemento constitutivo da res publica. Pensar (UNIFOR), v. 16, n.1, p. 151-177, 2011.

QUINTANA, J. G.; DOS REIS, J. R. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE COMO MEIO DE REALIZAÇÃO DO MACRO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, v. 10, n. 1, p. 223 - 242, 21 jan. 2018.

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Sobre a autora
Luiza Nogueira Souza

Advogada, mestranda em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (PPGDJS/FURG), pós-graduada em Direito Civil pela PUC/MG e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.

Informações sobre o texto

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