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Natureza jurídica da cobrança pela religação do fornecimento de energia elétrica

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15/03/2007 às 00:00
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2. Competência para legislar sobre energia elétrica

A União Federal possui competência legislativa privativa para legislar sobre energia (CF/88, art. 22, IV). É um feixe de atribuições que integra visivelmente a concepção do federalismo dual, em que há a exclusão da interferência de qualquer ente federal, bem como dos Municípios, com o inevitável afastamento das regras do federalismo de equilíbrio ou de cooperação.

De outro giro, possui competência administrativa exclusiva de explorar os serviços e instalações de energia elétrica (CF/88, art. 21, XII, "a"). Na mesma linha, a União titulariza com exclusividade a exploração dos serviços e instalações de energia elétrica, podendo executá-lo diretamente ou por meio de concessão, permissão ou autorização.

A ANEEL, a sua vez, atua como delegada da União Federal (art. 3º da Lei 9.427/96), concedendo, permitindo e autorizando instalações e serviços de energia. Segundo a normatização atinente à espécie, compete-lhe ainda gerir os contratos de concessão (Lei 9.247/96, art. 3º, IV) e determinar sejam cumpridas suas cláusulas (Decreto 2.335/97, art. 4º, XV).

Compete à ANEEL, na qualidade de delegada do Poder Concedente (União), e com base em lei ordinária federal, estabelecer as condições de prestação do serviço de distribuição de energia elétrica. Fixa, assim, todas as cláusulas regulamentares da prestação do serviço.

Ao mesmo tempo, compete à ANEEL velar pelo respeito à intangibilidade do equilíbrio econômico-financeira avençada no contrato de concessão. Aliás, em se tratando de contrato de concessão, o concessionário tem basicamente duas espécies de direitos: (i) direito à realização de suas expectativas econômicas e (ii) direito a não ver alterado o objeto da concessão.

Assim, é de se dizer que qualquer interferência direta de Estados e Municípios sobre as cláusulas regulamentares de prestação do serviço, bem como sobre a equação econômico-financeira, padecerá de grave inconstitucionalidade, por afronta à competência privativa da União para legislar sobre energia e à competência exclusiva para explorar os seus serviços e instalações.

O Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 2.337/SC, relator Min. Celso de Mello) já teve a oportunidade de se manifestar sobre a interferência de Estados sobre os contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, tendo se pronunciado no seguinte sentido:

"Os Estados-membros - que não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União Federal ou o Município) e as empresas concessionárias - também não dispõem de competência para modificar ou alterar as condições, que, previstas na licitação, acham-se formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União (energia elétrica - CF, art. 21, XII, "b") e pelo Município (fornecimento de água - CF, art. 30, I e V), de um lado, com as concessionárias, de outro, notadamente se essa ingerência normativa, ao determinar a suspensão temporária do pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços concedidos (serviços de energia elétrica, sob regime de concessão federal, e serviços de esgoto e abastecimento de água, sob regime de concessão municipal), afetar o equilíbrio financeiro resultante dessa relação jurídico-contratual de direito administrativo".

Na hipótese considerada (Estados e Municípios dispondo normativamente sobre a tarifa de religação), não há que se falar em trato de matéria de interesse local, mas em interferência direta nas cláusulas regulamentares e na equação econômico-financeira de contrato de concessão.

Hipótese absolutamente diversa é a de Municípios disporem normas sobre o tempo de espera em filas de banco – que foi, inclusive, igualmente analisada pelo STF, RE 432.789/SC, relator Min. Eros Grau. Isso porque, nessa hipótese, o STF visualizou não haver qualquer interferência na atividade-fim das instituições bancárias, diferentemente do que ora ocorre com as tentativas de abolir a tarifa de religação. Por tal razão, reconheceu-se como constitucional a legislação municipal que dispõe sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias localizadas no seu respectivo território.

Resta evidente, portanto, que as tentativas de Estados e Municípios de disporem normativamente sobre a tarifa de religação – notadamente quanto a aboli-la – são inconstitucionais, por violarem o art. 22, IV, e o art. 21, XII, "a", ambos da CF/88. Isso porque, vale repetir, a tentativa de dispor sobre tal cobrança se enquadraria como estabelecimento indevido das condições de prestação do serviço, com repercussão no equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias de distribuição de energia.


Referências bibliográficas.

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.


Notas

01 "Possui a União, a teor do art. 21, XII, alínea ‘b’, da Constituição Federal, competência para exploração direta, indireta ou mediante autorização, concessão ou permissão do serviço de prestação de energia elétrica, previsto como essencial no artigo 10, I, da Lei 7.783/89 e item 3 da Portaria n° 03 de 19 de março de 1999 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.

De outro giro, em consonância com o art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, ante a essencialidade do serviço, ‘os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias ou permissionárias ou sob qualquer forma de empreendimento, estão obrigadas a sua prestação continuada, sob pena de configurar danos materiais e morais irreversíveis na esfera do consumidor.’

Na atualidade, o meio comumente utilizado para compelir o consumidor ao pagamento das faturas de energia elétrica, em razão da impontualidade das obrigações assumidas, é o corte e desligamento do serviço essencial, o que viola flagrantemente o princípio da continuidade do serviço público. Ademais, o corte fere vários outros princípios constitucionais, tais como: princípio da solidariedade (art. 3°, I); o dever de inclusão social dos desfavorecidos (art. 3°, III), pois ao negar a prestação de um serviço essencial, promove a exclusão, a discriminação e marginalização, atacando por conseqüência a garantia da dignidade humana (art. 1°, III) e a função social da propriedade (art. 5°, XXIII), além de acarretar inegável constrangimento (art. 5°, III).

Também inaceitável e ilegal é a imposição de tarifa de religamento, representando esta um obstáculo para o uso do serviço considerado de utilidade pública, essencial, o que significa que deve ser universal, fornecido obrigatoriamente a todos que queiram dele se utilizar. Dessa feita, ao pagar o débito que originou a suspensão do fornecimento, o consumidor não pode ser cobrado para a religação das instalações, que sequer lhe pertencem.

Assim, tenho que a religação não constitui efetiva prestação de serviço público, pois não há consumação alguma, mas tão-somente o restabelecimento da disponibilidade, que não deve ser cobrada, por ser um dever da empresa fornecedora de energia elétrica.

O texto constitucional não confere autorização às empresas concessionárias e permissionárias para efetuar o desligamento do serviço essencial. Ao contrário, prescreve que a lei deverá dispor sobre os direitos dos usuários e a obrigação de manter os serviços adequados, fato este não verificado na atualidade".

02Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 14ª ed., p. 600.

03A Ordem Econômica na Constituição de 1988, Ed. Malheiros, 8ª edição.

04 Código Civil Anotado, 3ª ed., p. 679 e 680.

05 "Art. 17. Se o consumidor utilizar na unidade consumidora, à revelia da concessionária, carga susceptível de provocar distúrbios ou danos no sistema elétrico de distribuição ou nas instalações e/ou equipamentos elétricos de outros consumidores, é facultado à concessionária exigir desse consumidor o cumprimento das seguintes obrigações:

I – a instalação de equipamentos corretivos na unidade consumidora, com prazos pactuados e/ou pagamento do valor das obras necessárias no sistema elétrico da concessionária, destinadas a correção dos efeitos desses distúrbios; e

II – o ressarcimento à concessionária de indenizações por danos acarretados a outros consumidores, que, comprovadamente, tenham decorrido do uso da carga provocadora das irregularidades".

06 "Art. 107. Cessado o motivo da suspensão a concessionária restabelecerá o fornecimento no prazo de até 48 horas, após a solicitação do consumidor ou a constatação do pagamento".

07 "66. No que diz respeito a outros itens de custos, não foram considerados na ER: i) serviços taxados (2ª via de fatura, inspeção comercial, cortes e religamentos, etc.), pois entende-se que esses serviços devem ser pagos pelos clientes que geram os respectivos custos à concessionária, mediante a cobrança de taxas específicas e, portanto, não devem ser incluídos na tarifa que pagam os clientes em condição regular".

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Luiz Eduardo Diniz. Natureza jurídica da cobrança pela religação do fornecimento de energia elétrica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1352, 15 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9603. Acesso em: 26 dez. 2024.

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