Resumo: A classificação em gerações ou dimensões de direitos humanos possui uma função didática para o estudo do reconhecimento de cada categoria de direitos humanos e fundamentais. Os direitos humanos são interdependentes e a garantia de mais grupos de direitos ocorre de forma agregadora. Os direitos de primeira dimensão (reconhecidos como liberdades públicas frente ao Estado), os direitos de segunda dimensão (que representam o agir do Estado para a concessão de direitos sociais, culturais e econômicos), e os direitos de terceira dimensão (caracterizados pela fraternidade) englobam os grupos de direitos reconhecidos de forma unânime pela doutrina. Existem os direitos fundamentais de quarta dimensão que trazem, por sua vez, a proteção perante o desenvolvimento tecnológico e os direitos de quinta dimensão que, na lição de Paulo Bonavides, são os direitos atinentes à paz. Embora haja quem aponte outras dimensões de direitos humanos, não abordaremos essas outras categorias, dada a falta de reconhecimento pela maioria dos doutrinadores.
Palavras-chave: direitos humanos, direitos fundamentais, dimensões de direitos.
A promulgação da Magna Carta de 1215 significou a positivação dos primeiros direitos fundamentais, ainda que dirigidos apenas a um grupo restrito de pessoas.
Não existe sobreposição ou hierarquia dos direitos humanos e fundamentais, mas uma relação de complementaridade, e interdependência. Assim, o estudo das dimensões e direitos humanos aponta para a necessidade de garantia de novos direitos, na medida em que as relações humanas se tornam cada vez mais complexas.
GERAÇÕES OU DIMENSÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A nomenclatura gerações de direitos fundamentais, para alguns, não é mais adequada, pois parece algo estanque. Além disso, não há substituição de uma geração de direitos fundamentais por outra, nem mesmo, hierarquia. Para Silvio Beltramelli Neto (2014, p. 70):
Como sugere a sua gênese, a Teoria das Gerações dos Direitos Humanos tem mais uma função didática do que, propriamente, uma inquestionável fundamentação teórica. Contudo, sua difusão é inegável.
Não ocorre uma sucessão de direitos, mas há cumulação e concomitância, pois são direitos harmônicos e coexistentes, conforme pontua a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, em seu artigo quinto:
5. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forme seus sistemas políticos, econômicos e culturais.
Por não haver compartimentação, sobreposição ou hierarquia entre as dimensões de Direitos Humanos e Fundamentais, Ingo Sarlet (2010, p. 57) acredita que o mais importante é a busca pela efetivação de direitos:
[...] cremos que o mais importante segue sendo a adoção de uma postura ativa e responsável de todos, governantes e governados, no que concerne à afirmação e à efetivação dos direitos fundamentais de todas as dimensões, numa ambiência necessariamente heterogênea e multicultural, pois apenas assim estar-se-á dando os passos indispensáveis à afirmação de um direito constitucional genuinamente altruísta e fraterno.
Nessa senda, Carlos Weis (2012 p. 54) pontua que:
Insistir, pois, na ideia das gerações, além de consolidar a imprecisão da expressão, em face da noção contemporânea dos direitos humanos, permite justificar políticas públicas que não reconhecem a individualidade da dignidade humana e, portanto, dos direitos fundamentais, geralmente em detrimento da implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais ou do respeito aos direitos civis e políticos previstos nos tratados internacionais já citados.
Ademais, a visão moderna dos direitos humanos e fundamentais reconhece que tais direitos são indivisíveis, interdependentes e não fragmentados em uma época, como o termo gerações sugere. Sobre o tema, Valério Mazzuoli reflete que:
Em suma, o entendimento contemporâneo é no sentido de afastar a visão fragmentária e hierarquizada das diversas categorias de direitos humanos, a fim de buscar a concepção contemporânea desses mesmos direitos, tal como introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e reiterada pela Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993. [...] (2017, p. 57).
Assim, consideramos que adoção da nomenclatura gerações de direitos humanos não se mostra mais adequada, porquanto não ocorre a eliminação dos direitos conquistados pela geração anterior.
1. DIREITOS DE PRIMEIRA DIMENSÃO
A primeira dimensão de direitos humanos compreende os direitos individuais, mormente os direitos civis e políticos e as liberdades públicas. Esses direitos são oponíveis ao Estado e aos outros indivíduos, sendo chamados também de direitos de defesa, vez que exigem uma abstenção.
É decorrência dos direitos da primeira dimensão, que tiveram na Magna Carta de 1215 o seu principal marco, um dos corolários dos direitos de liberdade: o direito ao devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição da República Federativa Brasileira), conforme pontua Comparato (2019, p. 94) ao comentar as principais disposições da Magna Carta de 1215:
A cláusula 39, geralmente apontada como o coração da Magna Carta, desvincula da pessoa do monarca tanto a lei quanto a jurisdição. Os homens livres devem ser julgados pelos seus pares e de acordo com a lei da terra. Eis aí, já em sua essência, o princípio do devido processo jurídico (due process of law), expresso na 14ª Emenda à Constituição norte-americana e adotado na Constituição brasileira de 1988 ( art. 5º, LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal). O princípio é reafirmado para determinadas situações particulares, nas cláusulas 52 e 55.
Os direitos da primeira dimensão possuem natureza negativa, sendo classificados como direitos de liberdade em sentido amplo. Sobre estes direitos, Paulo Bonavides (2011, p. 563-564) explica que:
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.
As revoluções da burguesia que decorreram do pensamento liberal e do Iluminismo foram o mote para a consagração dos diretos individuais.
2. DIREITOS DE SEGUNDA DIMENSÃO
Os direitos da segunda dimensão de direitos humanos surgem das reivindicações da classe trabalhadora de participação do welfare state. O Estado Liberal passava pela crise do capitalismo e a Revolução Industrial foi o palco para que os trabalhadores explorados postulassem direitos econômicos, sociais e culturais, como assinala Weis (2012, p. 49):
Diversamente dos direitos de primeira geração, estes pressupõem o alargamento da competência estatal, requerendo a intervenção do Poder Público para reparar as condições materiais de existência de contingentes populacionais. Traduzem-se em direitos de participação que requerem uma política pública encaminhada a garantir o efetivo exercício daqueles e que se realizam através dos serviços públicos.
Nesse diapasão, a Constituição Alemã de 1919 Constituição de Weimar e a Constituição Mexicana de foram os instrumentos que inauguraram o Constitucionalismo Social, reconhecendo o direito de exigir ações positivas e visando a igualdade material entre os indivíduos. Os direitos de segunda dimensão são garantias institucionais para o bem-estar do indivíduo.
São exemplos de direitos de segunda dimensão os direitos trabalhistas, o direito à moradia, o direito à saúde, o direito à educação.
3. DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO
A terceira dimensão dos direitos humanos representa a consagração dos direitos de fraternidade, se inserem na categoria de direitos coletivos, tendo por consectários o direito à paz, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito ao desenvolvimento, os direitos de comunicação e o direito ao patrimônio comum da humanidade.
4. DIREITOS DE QUARTA DIMENSÃO
Para Paulo Bonavides (entre outros doutrinadores), existe uma quarta dimensão de direitos humanos e fundamentais. Desta dimensão fazem parte o direito à democracia direta, o direito ao pluralismo, o direito à informação e os direitos ligados a biotecnologia.
A quarta dimensão de direitos fundamentais se apresenta como uma resposta à globalização política neoliberal, sendo a universalização dos direitos humanos uma reação ao neoliberalismo, como leciona Bonavides (2011, p. 571):
Globalizar direitos fundamentais eqüivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim aufere humanização e legitimidade um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de último, poderá aparelhar unicamente a servidão do porvir.
A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação, o direito à redesignação sexual e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.
Sendo assim, a consagração dos direitos de quarta dimensão corresponde à universalização dos direitos humanos de modo mais abrangente possível, na contramão do neoliberalismo.
5. DIREITOS DE QUINTA DIMENSÃO
Paulo Bonavides (2011, p. 592) propõe, ainda, uma quinta dimensão de direitos humanos, que seria incumbida do direito à paz:
Subimos, agora, o derradeiro degrau na ascensão ao patamar onde, desde já, é possível proclamar também, em regiões teóricas, o direito à paz por direito da quinta geração, tirando-o da obscuridade a que dantes ficara confinado, enquanto direito esquecido da terceira dimensão.
No entanto, conforme já mencionado, a maioria da doutrina considera o direito à paz integrante do rol dos direitos de terceira dimensão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, é possível perceber que o caminho do reconhecimento dos direitos hoje consagrados teve por limiar os direitos civis e políticos, depois foram aprovados os direitos sociais, econômicos e culturais, posteriormente foram legitimados os direitos de categoria coletiva e direitos difusos.
A sistematização dos direitos em gerações ou dimensões não caracteriza um isolamento de cada direito em categorias ou períodos históricos, mas sim, a sedimentação, a concomitância e o acréscimo de direitos que se inter-relacionam.
REFERÊNCIAS
BELTRAMELLI NETO, Silvio. Direitos Humanos. Salvador: Juspodivm, 2014.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. 4. ed. ver., atual. E ampl. Rio de Janeiro; Forense: São Paulo: MÉTODO, 2017.
ONU. Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html>. Acesso em: 15 de maio de 2021.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.