1. A TEORIA DA SOCIDADE DE RISCO GLOBAL
1.1 Noções conceituais
A rapidez das mudanças atuais no capitalismo traz problemas com conseqüências incomensuráveis. As alterações no meio ambiente, advindas da expansão do setor sucroalcooleiro ocasionam mudanças visíveis, e consistem em supressão dos recursos naturais, expulsão do camponês que dantes lavrava a terra em regime de economia familiar e, ainda, problemas na política, economia e sociedade.
O homem tem ignorado os seus próprios vínculos com a terra, com sustentáculos na bandeira de um progresso desastroso e a sua razão o tem conduzido aos riscos e incertezas que hoje surgem, com relação ao futuro.
Assim, o ser humano se torna auto-suficiente, mas se esquece que faz parte de um meio ambiente, e que é através dele que a sociedade se estabelece. É a partir dessa premissa que valorizar o meio ambiente surge como necessidade, tão essencial a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
Nessa linha de raciocínio, o risco que aqui se faz menção é a potencialidade de que ocorra um dano, um desastre, um acidente com evento físico que demonstre perdas e danos à sociedade e economia.
Para a presente abordagem será utilizada a ideologia de Ulrich Beck que concentra esforços para estudar a modernização, globalização, sociologia de risco, problemas ambientais e desigualdades sociais.
Se contrapondo ao pós- modernismo, Beck caracteriza a sociedade como submetida a sérios riscos e em grande processo de individualização. Suas pesquisas mais recentes levam a pensamentos sobre a modernização reflexiva, que exploram as complexidades e incertezas do proceso de transformação da primeira á segunda modernidade.
A corrente teórica de Ulrich Beck sustenta a possibilidade de auto-ameaças e perigos que não são controlados, gerando o colapso da primeira modernidade e a necessidade de entender a vida pessoal, a economia a sociedade e o novo capitalismo da segunda modernidade. Certo é que o novo capitalismo influencia a expansão da cana-de-açúcar, de forma agressiva.
Na obra de Ulrich Beck (2002), verifica-se uma série de questionamentos afim de alertar sobre os riscos da sociedade em questão. Pela teoria da sociedade do risco, constata-se críticas desde os perigos rotineiros como um acidente de trânsito até o sistema industrial e sua imprevisibilidade.
Beck (2002) faz referências aos conflitos de interesses políticos e sociais, concede um fator de ambiguidade aos riscos, e instiga sobre os limites entre a ciência e a geração de conhecimentos cada vez maiores e os riscos que podem oferecer para sociedade quando aplicados.
Desse modo, a sociedade de risco também está relacionada com as batalhas científicas da modernidade, e aos interesses geopolíticos e seus efeitos colaterais sobre os trabalhadores e ao meio ambiente.
Existe na teoria um potencial político que reside no colapso da racionalidade técnico-científica e das garantias institucionais de segurança e os riscos menores técnicamente manejáveis são regulados até os detalhes, enquanto os grandes perigos são legalizados pelo sistema.
O que se pode notar, por Beck (2002), é que, na sociedade de risco, existe uma tese sobre modernidade reflexiva, que designa como auto-confrontação, para fazer uma análise da transição da modernidade industrial até a modernidade de risco, afirmando que os riscos sempre dependem de decisões.
Na verdade, as conseqüências e auto-ameaças na sociedade de risco são produzidas sistematicamente, sem serem publicamente tematizadas.
Nesse contexto de abordagem, a sociedade industrial capitalista potencializa e legitima os riscos produzidos, mas quando os riscos dominam os debates políticos e os conflitos públicos, as instituições convertem-se em focos de produção e legitimação de perigos controláveis.
Ora, o que ocorre no Brasil, por exemplo, são ações voltadas para o avanço do capitalismo e expansão do setor sucroalcooleiro com um extremo incentivo sob a ótica do progresso, sem, contudo verificar os riscos para a sociedade que acaba não refletindo nos limites científicos, ambientais e políticos e suas conseqüências vindouras.
No mesmo sentido, e difundindo a teoria de Ulrich Beck, a especialista em meio ambiente Yvette Veyret (2007), menciona que risco é o objeto social, como a percepção do perigo ou da catástrofe possível. Deve-se considerar sua existência apenas em relação a uma sociedade que o apreende por meio de representações mentais e com ele convive por meio de práticas específicas.
Para a especialista, não há riscos, portanto, sem uma população que o perceba e que poderia sofrer seus efeitos. Por este conceito, é salutar dizer que a expansão do capitalismo tem contribuído para o surgimento de riscos com potenciais acidentes, desastres e perigos. Segundo Veyret (2007) os riscos são estimados, assumidos ou recusados e é a declaração de uma ameaça para quem está sujeito a ela e a percebe como tal.
1.2 A cana-de-açúcar no contexto da Teria da Sociedade de Risco Global
Nos últimos anos, a procura pelo combustível etanol avançou significativamente devido à busca por novas fontes de energia renováveis e mais baratas. Desse modo, é inquestionável que o Brasil, atualmente, é líder na produção mundial de etanol feito de cana-de-açúcar, e isso se deve a uma recente expansão do setor sucroalcooleiro.
O Estado de Goiás possui características favoráveis ao cultivo da cana-de-açúcar, tanto geoambientais, quanto disponibilidade de infraestrutura e terras mais baratas do que em outros estados da federação. É fato que esse avanço trouxe vários problemas sociais e aumentou o sentimento na sociedade de risco, e de insegurança dos moradores locais relacionados à migração.
Como se nota, as usinas movimentam a economia ao gerar novos empregos temporários, mas isso resulta em fatores negativos como a precarização do trabalho, sobretudo, relacionado ao corte e colheita manual da cana.
Nesse contexto, há de se mencionar que o inchaço urbano, devido à vinda de migrantes para trabalhar na colheita manual da cana-de-açúcar gera um caos urbano, isto é, um risco, tal como alegado por Ulrich Beck.
Em linhas gerais, o avanço do setor sucroalcooleiro resulta em inúmeros problemas sociais no campo e na cidade, no que se refere à saúde, educação, segurança pública, moradia e saneamento básico.
Para se ter uma ideia, em relação ao corte da cana, há uma quantidade mínima diária de toneladas que força o trabalhador a se cansar fisicamente, para obter produtividade, e, mentalmente, pois este, na maioria das vezes, não consegue emprego em outra função que receba um salário igual ao do cortador de cana.
Impende dizer que as jornadas extenuantes no campo não causam só prejuízos de ordem física, mas também psicológica. Os trabalhadores em canaviais, outrora chamados de bóias-fria, muitas vezes remunerados por produção tentam aumentar a quantidade de poda e, para tanto, utilizam-se de entorpecentes, tais como, crack e maconha para manter-se acordados e aliviar as dores dos braços para realizar o labor.
Sabe-se que o vício das drogas aliada à ociosidade pela falta de trabalho no período da entressafra pode conduzir o trabalhador no setor sucroalcooleiro a desenvolver desvios de conduta, transgressões e até cometer ilícitos penais. Não é um fato isolado ao canavieiro, porém a todo usuário que em busca de suprir sua dependência, tenta encontrar guarida na violência.
Portanto, esse é um dos impactos gerados pela expansão do setor sucroalcooleiro que tem gerado inúmeros problemas sociais no campo e na cidade, sem falar no perigo de que os bio-combustíveis em tanques gerados pelas usinas são altamente voláteis e propensos à explosão, o que poderá causas inúmeras mortes.
1.3 Políticas públicas para a gestão dos riscos na atividade sucroalcooleira
A gestão de riscos surge quando uma sociedade adquire a noção de que os fatores evidentes de um processo contrário ao bem comum provocam resultados danosos superiores aos permitidos por uma sociedade.
O que se propõe, por óbvio, com a gestão do riscos é o planejamento e a execução efetiva de políticas, sejam elas públicas ou particulares, estratégias, instrumentos e medidas determinadas a barrar, reduzir, prever e controlar os efeitos adversos de fenômenos perigosos sobre a população, os bens e serviços e o meio ambiente. (Nogueira, 2008).
É notório que muitas incertezas pairam sobre o processo atual de expansão da cana-de-açúcar, em plena efetivação no Estado de Goiás por meio do zoneamento agroecológico. Entretanto, a gestão dos riscos deve ser conduzida com observância dos princípios básicos relacionados a matéria ambiental.
Em apurada definição sobre os princípios do direito ambiental Glaucia Maria Brenny menciona (2013):
PRINCÍPIO DO DIREITO À SADIA QUALIDADE DE VIDA: o homem tem direito à adequada condição de vida com qualidade, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental da pessoa.
PRINCÍPIO DO ACESSO EQUITATIVO AOS RECURSOS NATURAIS: deve se estabelecer razoabilidade para utilização dos recursos, se a utilização não for razoável ou necessária, nega-se a utilização dos recursos.
PRINCÍPIO DO USUÁRIO PAGADOR: a raridade do recurso, o uso poluidor e a necessidade de prevenir catástrofes, pode levar à cobrança dos recursos naturais. Os custos devem ser suportados por aqueles que utilizam o recurso, o objetivo é evitar a super exploração.
PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR: obriga o poluidor a pagar pela poluição que pode ser causada, ou que já foi causada. Visa incentivar tecnologia, anti-poluidora. O pagamento efetuado pelo poluidor não confere o direito de poluir.
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: ante a incerteza que haverá um dano ambiental, deve ter cautela antecipada. Se não sabe ainda que efeitos uma determinada atividade pode causar no Meio Ambiente, mesmo assim deve agir com cautela para que se evite o dano.
PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO: o perigo é certo e sabe-se os riscos ambientais de determinada atividade, e logo, deve agir com cautela para que se evite danos ambientais.
PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO: é imprescindível reparar os danos causados ao Meio Ambiente. A obrigação de reparar é independente daaplicação das sanções penais, civis ou administrativas.
PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO: o indivíduo deve ter acesso as informações relativas ao Meio Ambiente, que dispõe as autoridades públicas. Os dados ambientais devem ser publicados.
PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO: o melhor modo de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos. Participação dos indivíduos e das associações na formulação e na execução da política ambiental.
PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO: o Poder público passa a figurar como gestor dos bens ambientais, que não são deles, e deve prestar contas sobre a utilização dos bens.
PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL: busca assegurar a solidariedade da presente geração em relação as futuras, para que também possam usufruir de forma sustentável dos recursos naturais.
Tais princípios devem ser seguidos categoricamente pelo gestor ambiental, na esfera do serviço público, e no âmbito dos departamentos responsáveis em empresas que transformam a terra pelo trabalho do homem. É sobremodo importante dizer, que os riscos devem ser objetos de gestão na expansão do setor sucroalcooleiro, tendo em vista a vulnerabilidade da população frente aos temores da atividade agrícola carente de políticas preservacionistas ao meio ambiente.
A preocupação atual com os riscos aparecem quando se está diante de um processo de expansão do setor sucroalcooleiro próximo a urbanidade. É inegável o que se vê nos dias atuais com o acelerado processo de instalação de usinas canavieiras e plataformas de combustíveis espalhadas pelo Brasil, principalmente no Estado de Goiás.
Desse modo, não se pode admitir incertezas tão evidentes, onde o poder público e a sociedade desprezam os perigos tão reais na atividade sucroalcooleira.
A especialista em direito ambiental Yvette Veyret (2007), no sentido de explicar a vulnerabilidade social afirmou:
Há então uma forte dimensão social no risco, que é agravado pela vulnerabilidade das populações e das transformações. Assim, as cidades estão mais vulneráveis que o campo aos perigos, em razão da própria densidade da população. É preciso acrescentar que são seguidamente os mais pobres que são os mais vulneráveis, pois eles são instalados em setores perigosos (inundáveis, próximo de usinas perigosas), onde o preço do terreno é mais baixo, ou porque estas pessoas são instaladas nestes locais sem autorização. Estas populações pobres estão mal-informadas dos perigos, pois elas são pouco ou mal escolarizadas. Elas não têm meios de partir se uma crise chega. É esta a vulnerabilidade e ela é social. É um componente maior do risco.
Assim, é imprescindível que o ser humano faça parte desse processo de forma responsável e coerente, de modo que a sociedade submetida aos riscos enfrente o próprio capitalismo, porque é ele o principal difusor da expansão da cana-de-açúcar e causador dos perigos e incertezas da teoria aqui apresentada.
Nos dias atuais a expansão da cana-de-açúcar, com o pagamento de inflacionados arrendamentos por usineiros acabam forçando a evasão no campo, onde pequenos agricultores em regime de economia familiar são levados para a ociosidade em grandes centros urbanos, o que contribui com situações adversas de miserabilidade e vulnerabilidade social. O impacto ocorre diretamente no modo de produção e o risco acaba influenciando na própria economia.
Impende salientar, que a expansão da cana-de-açúcar deve observar uma regra comum do capitalismo responsável, como sendo aquele mencionado no gráfico 6, referente ao Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum, ONU, 1987), a saber:
(Gráfico 2 - Relatório Brundtland)
Dessa forma, é relevante apresentar a forma correta da gestão dos riscos na expansão da atividade sucroalcooleira, pois o que se pretende é garantir a qualidade de vida para as futuras gerações com sustentáculos erguidos pela economia e pela sociedade sobre os recursos naturais.
A análise do tema possibilitou reunir informações fáticas no ordenamento respectivo, doutrina e gráficos, permitindo a correta aplicação dos princípios, gestão e orientação da sociedade, empresas e produtores rurais. O intuito é de colaborar com o planejamento regional e efetivação da legislação ambiental e, sobretudo, de possibilitar que a atividade humana seja conduzida a produzir riquezas de forma sustentável em observância à sociedade de risco.
A análise realizada nesse artigo trouxe à tona uma explicação ou maneira de compreender o processo de expansão da fronteira agrícola e sua modernização como ideologia capitalista, na medida em que o trabalhador rural é expropriado do campo para dar lugar aos grandes proprietários e empreendedores.
Observou-se, que a fronteira agrícola compreende a mudança substancial do padrão tecnológico, bem como da modernização da agricultura que levou a transformação do solo e o seu melhor cultivo por tecnologias rurais.
Importante dizer, que se há um modelo de desenvolvimento pautado em diversas culturas, e os poderes legislativo e executivo colocam em pauta que a cultura da cana-de-açúcar é essencial ao progresso da atividade agrária e ao desenvolvimento da nação, não se pode olvidar dos riscos que tal atividade poderá causar para a sociedade.
Por iguais razões, a expansão da cana-de-açúcar, ainda que esteja em consonância com os preceitos do zoneamento agroecológico da cana do Estado de Goiás ZAE Cana/Goiás, bem como do ZAE Brasil, necessário é que o poder público garanta a gestão dos riscos, como forma de preservar o meio ambiente, nos moldes da competência comum disciplinada no artigo 23 da Constituição Federal.
O que se propõe com esse estudo é que o poder público consiga encontrar uma forma eficaz de observar a questão agrária com bons olhos e incentivar o uso sustentável do solo, gerar riquezas, respeitar direitos, sem que incertezas e perigos pairem sobre a sociedade.